Réquiem para a sétima arte

Ó meu Deus, estão se acabando todos os cinemas de rua.... E a gente não pode fazer nada além de ver um a um fechar as cortinas, apagar as luzes, encerrar o espetáculo.

O que será de nós sem esses espaços artísticos? Será que eu sou apenas uma nostálgica melancólica ou existia um colorido especial nessas salas espalhadas pelas cidades? Você saindo do burburinho da calçada para se esconder no escurinho do cinema...

O cinema de rua tinha identidade, personalidade, estilo. Kinoplex, multiplex e cinemarks são todos pasteurizados. Consequentemente, vazios de estética e poética. Entrou em um, conheceu todos, inclusive como se estivesse nos EUA. Afinal, foi de lá que veio essa praga de transformar sala de cinema em sala de reprodução de cópias de filmes.

Não sou mais daquelas esquerdistas que colocam toda a culpa da merda do mundo no Tio Sam, mas essa fixação por malls é mesmo erva daninha de norteamericano. E a América Latina acha tudo lindo e copia. Quando devíamos virar nossos olhos para a Europa, esse, sim, um continente elegante, onde as pessoas são magras porque andam a pé, têm excelente transporte público e curtem os espaços públicos.

Ontem fui tristemente surpreendida pelo fim do Cine Belas Artes de São Paulo. Muitos bons filmes me comoveram por lá, principalmente no ano de 1993, quando morava na Aclimação, a algumas estações de metrô da Paulista emendando com a Consolação. Era um bálsamo estar com os pés doendo de tanto caminhar e poder aportar no Belas Artes. Seis salas com horários e programação variados, sempre à disposição dos maravilhados pela sétima arte.

O que essa gente não entende é que ir a um cinema de rua, por si só, já era um evento artístico. A decoração retrô, os veludos, carpetes, cortinas, colunas, lustres, tacos, portas, fachadas... O baleiro!!! Baleiros de verdade, não essa explosão de megassacos de pipoca + megacopos de coca-cola. Uma mania porquinha, convenhamos, que deixa um rastro de bestialidade, obesidade e sujeira ao final de cada exibição. Outra imitação ianque barata.

Recordo que fiquei chocada a primeira vez que entrei num multiplex. Foi lá no subúrbio chique de Westchester/NY. O Brasil ainda não havia sido contaminado por esse mal, mas me senti previamente triste, pois tive a certeza de que um dia a gente iria chegar lá. Chegamos. Meus filhos só vão assistir filmes dentro desses complexos de consumo. Vou ter de dar um duro danado para que eles não joguem metade da pipoca no chão e não bebam refrigerante aos litros.

Ano passado, não quis perder a oportunidade de conhecer o Roxy, um dos últimos cinemas de rua em atividade no Rio, em plena Nossa Senhora de Copacabana. Vimos “Alice no país das maravilhas” do Tim Burton. Que barato comprar ingresso, sentar na sala de espera, subir as escadas. Uma sala clássica, com dois níveis de plateia (mezanino). O glamour dos áureos tempos.

Também foi num espaço assim que assisti ao impressionante “Parque dos Dinossauros”. Fóssil do cinema paulistano, o Cine Marabá ficava encravado no centro, rua Ipiranga. Inesquecível!! Foi restaurado, mas não fugiu ao destino cruel: virou multiplex.

E a última sessão do Cine Karim da 110 sul, em Brasília, não podia ter sido mais premonitória: “Titanic”. Toda a tradição, elegância e atmosfera onírica dos cinemas de rua afundando, afundando... Lentamente, asfixiadamente... O primeiro compartimento, o segundo, o terceiro, quarto, quinto.... The End.


Mas, parece que nem tudo está perdido. Confira essa iniciativa acalentadora:

CINE ODEON PETROBRAS

A restauração do Cine Odeon foi uma importante ação voltada para a preservação de espaços para a exibição cinematográfica. A Petrobras Distribuidora restaurou e adotou o Cinema Odeon, que passou a ser chamado de Cine Odeon BR. Localizado na Cinelândia, Rio de Janeiro, é um dos mais importantes, belos e charmosos cinemas do Brasil.

A sala, que foi inaugurada em 1926, passou por obras de recuperação de suas características arquitetônicas e modernização de suas instalações, recebendo equipamentos de última geração, modernos sistemas de projeção em vídeo, além de um café e espaço para eventos.

Assim, a cidade ganhou dois presentes: a preservação do patrimônio arqutetônico do Odeon e a reinauguração de um espaço de cinema dos mais nobres. O patrocínio proporciona uma agenda repleta de atrações como debates, cursos, mostras temáticas, retrospectivas, premiações para o cinema brasileiro, pocket-shows, saraus, recitais, exposições, exibição de curtas metragens e muito outros eventos culturais que, certamente, enriquecerão cada vez mais a cultura do nosso país.

Comentários

  1. Ótima análise Luciana. Estou sofrendo com o fim do Cine Academia. Me considerava privilegiada de morar numa cidade que tinha nos proporcionava um espaço tão único e especial, que abrigava o Festival Internacional de Cinema.. e agora, o que será de nós, amantes do cinema independente?
    Ah, compartilhei esse post no meu facebook. Você tem facebook?
    Marina

    ResponderExcluir
  2. Oi Marina morena,

    legal você por aqui!!! E ainda por cima como seguidora!! Muchas gracias!!

    Pois é, estamos todos órfãos do Cine Academia... E agora Brasília não pode mais ser considerada a "cidade dos cinemas". Não tem mais espaço para os filmes fora do circuitão... Só se o Cine Brasília assumir esse compromisso, mas sabemos o quanto a burocracia do governo é limitante.

    Sim, tenho facebook. Pode me achar por lá. Peça para ser minha amiga, que eu aceito!!:)

    Abreijos e feliz 2011!!

    Lu

    ResponderExcluir
  3. Tá combinado: na próxima vez que vier a Goiânia vai conhecer o Cine Ritz, último cinema de rua da cidade. São duas salas simples , mas aconchegantes.

    O cinema foi fundamental na minha "formação" de cinéfilo.

    Até.

    Valdeir Jr

    ResponderExcluir
  4. É Luzinha, que tristeza... aqui também acontece o mesmo... um dos cinemas, nesse estilão mesmo, bem antigo, enorme por dentro, o cine Excelsior, fundado em 1958, foi sumariamente fechado desde 94 (!) e na fachada onde apareciam os os letreiros com os nomes dos filmes, encontramos: "Fechado para reforma"... essa é a "reforma" mais longa da história... na verdade, não há reforma alguma, porque há uma briga dos donos pelo não tombamento do cinema...também me lembro o último filme que vi lá: "O jardim secreto"... sentada numa das primeiras filas, engolida por aquela telona imensa...

    Imagine que um restaurante super antigo e famoso daqui, o "Faisão Dourado", conhecido por abrigar em suas paredes centenas de recados e autógrafos de gente famosa que lá esteve para almoçar um dia, entre eles, Chico Buarque e Tom Jobim... faliu e foi passado para outras mãos recentemente. Sabe qual foi a primeira coisa que foi feita? Pintaram as paredes por cima das assinaturas!!! Que absurdo! Agora parece que vai haver uma tentativa de recuperação desses escritos retirando-se a camada de tinta. Por que deixaram acontecer? Se quiser, dê uma olhada:

    http://megaminas.globo.com/2010/12/25/autografos-das-paredes-do-restaurante-faisao-dourado-podem-ter-se-perdido

    Salvem-nos quem puder...

    Beijos,
    Patty

    ResponderExcluir
  5. Lu, se tivéssemos pensado nisso antes, tínhamos que ter tombado o cine Karim junto com a cidade!!! E o Cine Brasília? Será que morre de vez ou vai ficar lá, agonizando? Poderia ser reanimado por alguma iniciativa antes de ser destruído...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos