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Mostrando postagens de 2010

As mil e uma referências

Fim de ano é tempo de refletir num sem fim de coisas de tamanhos e importâncias diferentes. É época propícia também para ir atrás das nossas referências, às vezes daquelas que a gente até acha que não se lembra mais, entretanto,ao bater os olhos, sentir o cheiro ou ouvir a melodia, a gente recorda imediatamente. Foi assim quando revi, ontem, depois de tantos milênios, Harold & Maude, ou, para nós brasileiros: "Ensina-me a viver". O que seria da nossa geração sem a querida Sessão da Tarde? Centenas de filmes essenciais para a nossa formação sentimental, política e comportamental foram deleitados, sem direito a pause, nas televisões Sharps 20 polegadas. "Ensina-me a viver" estava entre eles. A história do menino que gostava de ensaiar a própria morte que encontra a velhinha libertária marcou a minha infância. Na adolescência, tive um namorado cuja irmã mais velha curtia Cat Stevens. Fiquei maravilhada com aquele som, como se ele fizesse parte de mim desde semp

Era uma vez um Natal angelical

Muitos dezembros atrás, eu me meti a criar um auto de Natal. Misturando, para ser exata, plagiando trechos de "O evangelho segundo Jesus Cristo" e Cecília Meireles, escrevi essa pecinha que ensaiei com os meus sobrinhos para apresentar no almoço do dia 25.  Minha primeira incursão na dramaturgia foi um sucesso! O público de tios e mães-corujas aplaudiram de pé. Então, aqui posto essa raridade para que vocês estourem no Natal do ano que vem.  O segredo é contar com uma pancada de sobrinhos na idade de pagar mico sem achar que estão pagando mico.:) Feliz 2011! A Companhia de Teatro Amados Amadores tem o prazer de apresentar a peça Era uma vez um Natal Angelical. Narrador: Há muito tempo, numa terra plana, árida e escaldante, um menino veio ao mundo para falar de paz, justiça e amor. Faz 2010 anos que suas palavras ecoam pelos quatro cantos do planeta. Esta pequena história que agora vamos contar relembra os fatos extraordinários daquele 25 de dezembro onde tudo começou.

Carta do Papai Noel

Queridos brasileiros, Há muito tempo, um tempo bem velhinho, numa terra plana, árida e de sol escaldante, um menino veio ao mundo para falar de paz, justiça e amor. Já faz 2010 anos que suas palavras passeiam pelos quatros cantos do planeta e começou assim: numa madrugada extraordinária, Deus pediu aos anjos fizessem algo bastante especial. Eles voaram depressa em busca de todos os homens espalhados pelos mais variados lugares. Os querubins estavam atrás do sorriso da primeira criança que esbarrassem para contar a boa notícia: Jesus, filho de Deus, já estava entre nós. Para comemorar, a humanidade cantou com alegria as canções de roda que sabiam de cor, enquanto os pequenos anjos guiavam as crianças no caminho sinuoso da gruta onde estava o bebê Jesus. Chegando lá, grandes e pequenos, brancos, pretos, índios, esquimós e aborígenes trocaram abraços e presentes e esqueceram por completo suas diferenças de credo, raça, cultura e modos de viver. Os adultos voltaram a ser meninos e meni

Entre o verde e o bestseller

O bom de um blog para chamar de seu é que você pode escrever qualquer coisa nele. Uma liberdade e tanto, ainda mais quando pouca gente nos lê.;) E, nesse caso, a gente pode até repetir histórias e textos, pois para boa parte dos leitores, tudo vai soar novinho em folha. Falando em folha, acabo de recuperar uma memória doidinha: é da minha mãe. Ela roubava mudas de plantas dos jardins. Era só ver uma plantinha diferente que lá estava ela: puxando com delicadeza o espécime pela raiz. Levava pra casa com todo cuidado, colocava no saquinho de leite cheio de terra e adubo... Às vezes era num vasinho... E pronto: a planta nem sentia que já estava morando em outro lugar, pois mamãe era uma menina do dedo verde absoluta. O jardim da casa da mamãe era quase um jardim botânico!!! Variado, colorido e maluco. O importante era plantar, amar e ser amado enquanto verde. A catalogação era a própria cabeça de Maria, que sabia todos os nomes das plantas de cor. Havia sempre mais de dezenas de saquin

Espírito que sopra fundo

Tanta coisa boa que a música traz para mim... Sempre ela, acontecendo na minha vida, me rodeando. Flerte eterno. Só me faltava mesmo tocar um instrumento. Mas aí já não seria perene namoro, e, sim, vocação. Mas quem sabe em outra encarnação eu volte violoncelo? É possível reencarnar em objetos inanimados? É justo chamar de inanimado um objeto que exala música? Não vou começar um debate espírita, não é o caso, mas vou falar de um espírito indômito: Engels Espíritos. Calhou do cara ser primo da minha amigazona Ceci. E por causa disso, estava lá eu no show de gravação do primeiro DVD da banda dele. Para quem não conhece, Engels é gaiteiro hors concours . Uma figura conhecida no meio cultural brasiliense. Já havia ouvido seus assovios melodiosos na rádio Cultura FM, mas nessa terça foi minha estreia frente a frente com o músico em carne e osso. Um encontro real com o espírito que anda, melhor, que sopra como se possuído fosse por encantamentos celtas, indígenas e jazzísticos. Engels

Viagem ao centro do âmago (redundante em homenagem à Vera)

Oi, gentes!! Ainda estou aqui, à procura do chocolate perfeito. Mas como ninguém parece ter se comovido com o relato sincero de uma viciada convicta (não recebi nenhum convite irrecusável para um chá com bolo), acho que vai sobrar para mim mesma me presentear com um chocolatinho “humilde” da Stans. Mas falando em humildade, fim de ano é época de a gente ler nas revistas e jornais as indefectíveis matérias-dia-da-marmota. Para os não iniciados em jornalismo, sugiro conferir “O Feitiço do Tempo”. Em poucos filmes a gente tem a noção exata do que é ter de repetir dia após dia, ano após ano, as mesmices jornalísticas da vida. O longa é uma joia rara com a deliciosa e talentosa presença de Bill Murray. Vejam, revejam, reflitam. Mas voltando ao assunto de novo (caramba, hoje eu tô que tô fazendo cera), essas tais matérias de fim de ano tipo: “Faça uma ceia de Natal dos sonhos!”, “Surpreenda quem você ama com um presente inesquecível” e “Os melhores looks para não passar o Natal em bran

Em busca do chocolate perfeito

Vocês já entraram naquela ansiedade coletiva do Natal? Parece que em dezembro todo mundo toma uma injeção extra do sentimento agoniante de fazer mil coisas ao mesmo tempo. Faltam horas no dia, dias na semana. E ansiamos por dobrar os sábados e domingos para que caibam todas as compras e confraternizações. Aliás, eu acho que deveríamos viver em dobro todas as décadas que são boas. A dos trinta anos, por exemplo. Por que não viver na casa dos trinta por 20 anos? Seria a glória! Mas já vou fazer 40, ó mai godi!!! E, como diz a amiga Ceci, depois que se entra nos "enta" a gente só sai quando morre. E pra morrer, basta estar vivinho... Por isso me preocupo, pois tô tão viva! Me deixa aqui embaixo, por favor, que ainda nem publiquei o meu livro, viu vossa divindade? Mas não é tempo de falar dessas coisas tristes, pois eu adoro o clima natalino. Essas mil festividades, escolher presentes, escrever cartões, arrumar a árvore de Natal com os filhotes, pensar na comilança... Esse tó

Tiro no pé

Os brasileiros têm o péssimo hábito de acreditar que as escolhas políticas que fazem estão dissociadas da rotina da cidade em que vivem e até mesmo do país em que nascem. Amarga ilusão que leva milhões de eleitores desperdiçarem votos em figuras inexpressivas como forma de protesto. Bem, eu suponho que seja esse o intuito de se votar em Tiririca, Juruna, Aguinaldo Timóteo, Clodovil e demais personagens que nada contribuem para a vida política da nação: um modo tolo de protestar contra a corrupção e a falta de ética no Congresso. Ou será que alguém marca o nome desses caras com a crença de que serão bons legisladores? Não pode ser!!!!! Mas, em se tratando de Brasil, tudo é possível. E agora estamos aqui em Brasília sofrendo exatamente por ter escolhido mal nossos governadores e deputados distritais. A cidade colapsou. Até demorou um pouco, mas anos de governos corruptos e má gestão do dinheiro público tinham que cobrar seu preço, mais dia menos dia. OK, tiramos alguns laranjas pod

"A fraternidade é vermelha"

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Ser jornalista é às vezes como ouvir a nona sinfonia de Beethoven ou reger com batuta imaginária o concerto para trompa e orquestra de Mozart, ou seja: emocionante. A profissão pode colocar a gente em situações ímpares que marcam para sempre. Não estou aqui fazendo apologia do jornalismo, pois nem sou uma típica repórter-xereta. Não tenho perfil e nem sou política o bastante para fluir bem em ambientes de poder. Não sou, resumindo, engajada na vida jornalística de corpo e alma, mas preciso reconhecer que, se não fosse minha carteira internacional de jornalista, não teria entrado lá no “ground zero”. Ponto fulcral (chique essa palavra, hein) do desabamento do World Trade Center. Recordam? Eu estava lá. E cheguei muito perto. Tudo cercado pelo exército norte-americano. Ninguém entrava além das equipes de resgate e das maiores TVs, jornais e rádios do mundo. Mas a Lucianinha entrou com sua carteira de jornalista sem pertencer aos poderosos. Entrei em nome da profissão e deu até um toq

Orgulho de ser "castanha"

Dois acontecimentos culturais me chamaram a atenção por suas motivações diametralmente opostas. Quase distraída e, por isso, em cima da hora, consegui os últimos ingressos extras para assistir ao show da Rita Ribeiro no sábado que passou. Arrastei comigo minha irmã mais velha, a Nena, não afeita às baladas e um tanto enferrujada quanto às novidades da cena musical. Mas ninguém podia ficar indiferente àquela deusa elétrica derramando talento performático. Encarnando de Iansã a Ogum, o palco do Teatro Oi virou terreiro de todos os orixás. A casa tremeu com as bênçãos de Jorge. Esqueçam os lugares marcados! Todo mundo caiu na dança do espetáculo Tecnomacumba. Uma mistura frenética do batuque afro e sua espiritualidade com a pegada “roquenrrol”. Transe absoluto. Minha irmã se deixou levar pelos tremeliques de corpo. Levantou da cadeira e sacudiu a poeira. Apaixonou-se por Rita Rainha dos Raios. Que muito lembrou outra deusa: Clara Nunes. Taí um trabalho de profundo respeito à nossa a

Os fins justificam os meios

Quanto vale um sonho de criança? Se a Mastercard roubar minha ideia, vai saber que não tem preço. Mas não é bem verdade. Porque um montão de meninos e meninas do Brasil está à espera de que suas cartinhas para o Papai Noel sejam atendidas. Meus filhos estão, então intuo que os outros filhos também aguardem ansiosos que suas bicicletas, patins, laptops da Xuxa, helicópteros do Ben 10 e demais desejos se materializem. Todos os dias, a gurizada sofre um bombardeio sem trégua de comerciais apetitosos. Filho de pobre, filho de rico. Miséria é miséria em qualquer canto e a imaginação infantil também. Acabei de pegar dezenas de sonhos de crianças em minhas mãos. Estava em meu poder deixar o Natal de um guri ou guria mais bonito. Geanne, Alexandre, Ingride, Hugo, Marcelli e tantas outras letrinhas cheias de garranchos abrindo o coração para o Papai Noel em desenhos ou frases. Deu pra sentir uma certa orquestração naquelas cartinhas. Talvez eles até já saibam que o Papai Noel é só uma

Presente

“Tem hora que a gente fica distraído olhando para o ontem...” O achado poético saiu da boca do meu tourinho de seis anos. Estava eu perguntando algo para ele dentro do carro. Ele não respondeu e retruquei: “Tomás, estou falando com você!!” A resposta veio certeira em forma de poema. É, há dias em que a gente está distraída, olhando para o ontem... E no ontem tem a minha mãe sorrindo, a gente morando na casa do Lago, um quarto pequenininho, apertadinho, com varanda exclusiva só para mim. No ontem tem meus passeios avoados de bicicleta; sem medo de cair e quebrar o cotovelo. Ontem também estou com a amiga Patty indo ao cinema no cine Atlântida. Visto uma blusa-sanfona com estampa de morangos. Dezenas de morangos no fundo branco. Um garoto passa e mexe com as duas meninas leves: “Hum, vontade de tomar sorvete vermelho.” E não é que ontem vejo meu nome na lista de aprovados do vestibular da UnB e saio gritando pela rua: passei! Passei! Ainda ontem quebrei a cabeça para escol

Eletrochoque emocional

Li numa materinha do “O Globo” que conversar com as amigas sobre os problemas deixam as mulheres ainda mais tristes e ansiosas. Então, F.!!! Se a gente não pode nem desabafar com as mulherzinhas sobre as angústias da feminilidade, não existe salvação para a espécie.Vamos todas coçar o saco, jogar sinuca e sair na porrada por causa do futebol. Desconfio que essa pesquisa foi encomendada pelos terapeutas e psicanalistas. Com as amigas não pode, mas e com o psicólogo? Fiz terapia durante um tempo e agora estou voltando ao divã, aliás, à poltrona. Mas sempre me pego pensando no porquê de pagar tanto para alguém ouvir nossas neuras se aquela amizade de infância pode ter a mesma serventia... Quem sabe é para a gente deixar de ser uma mala pesada com as coitadas que nos acompanham. Amiga é pra todas as horas, mas-que-tal-esquecer-meu-telefone-hoje-que-não-tô-afim-de-ouvir-choradeira? Brincadeiras à parte, eu queria mesmo acreditar nesse papo de terapia do fundo do meu coração. Apostar tod

Não vá antes do almoço

Eu sempre achei que queria participar de uma autópsia. Ok, mais uma das minhas lúgubres, sórdidas e sombrias esquisitices. De uma menina que praticamente aprendeu a ler nas páginas policiais dos jornais e que gostava de jogar Detetive tanto quanto gostava de boneca. E que continua paralisada em frente às séries de investigação que, para a sorte desta mentia doentia, se multiplicam na TV a cabo. Mas a exposição "Corpos" veio para derrubar o mito. O mito de que eu realmente gosto de sangue, vísceras e ossos expostos. A percepção do meu lado Hyde agora se divide entre antes e depois de "Corpos", pois gosto é da estética mórbida envolvida nas histórias de vampiros, lobisomens e seres torturados em geral. Tudo de longe, como boa expectadora. De perto, ninguém é normal mesmo e eu não quero ter nada a ver com isso. Mal conseguia olhar aqueles esqueletos de verdade cobertos de músculos, peles e órgãos. Aquilo ficou um dedinho assim da completa repulsa. Os membros separa

Ecumênica

A amiga Evelyn me pede que escreva sobre a minha experiência no templo budista aqui no blog. A verdade é que eu não me sinto legitimada a escrever sobre esse assunto. Eu sou apenas uma participante da meditação cantada. Não sou budista, não pretendo me converter ao budismo, pelo menos por enquanto. Quem me levou ao Templo Shin Budista da Terra Pura pela primeira vez foi outra amiga, a Isabel. Mas eu já rondava aquele lugar desde a adolescência. Não perdia nunca a quermesse do mês de agosto, que acontece ao redor daquele lugar misterioso, destoante da paisagem concreta moderna do Plano Piloto. Um pedaço nipônico em pleno Planalto Central. Acreditava, naquela época, que o lugar era reservado apenas para japoneses ou descendentes de. Mas não perdia a oportunidade de mergulhar naquele mundo diferente do meu, seguindo os passos da dança-da-colheita-do-arroz. Os quimonos tão expressivos, femininos. A delicadeza dos gestos e dos rituais. Adoro um ritual, é verdade! Bem que tentei virar an

"A linda rosa juvenil"

Um cara toca e canta Djavan ao violão sentado no murinho. Mais à frente, o menino de tênis all star e bermuda larga sopra seu trompete. O som melodioso varando as ondas invisíveis do espaço. Lá dentro do auditório, o rapaz tímido, empunhando baquetas diversas, tira música inusitada dos instrumentos de percussão. Esse lugar de encantamento musical existe. É a Escola de Música de Brasília (EMB). Durante anos da minha infância eu convivi com a atmosfera dissonante da EMB. Vanja, minha irmã, foi aluna da instituição. De lá, saiu tocando clarineta e flauta transversal. E eu saí apaixonada por música. Agora que voltei a frequentar a EMB por causa da sobrinha do meu marido, que já se formou no básico de harpa -- imaginem vocês, harpa -- é que percebo uma simplicidade: a EMB deve ser responsável por todo o amor que sinto por esse universo. Cruzar aqueles corredores que exalam tons e sustenidos é um privilégio aberto à população de Brasília, pois a EMB é uma instituição pública. Ali, desco

Insônia de primeira

Dois dias sem nada novo no blog. Hora de escrever alguma coisa, qualquer coisa. Eu vejo por aí que os blogueiros seguem mesmo essa premissa: é preciso postar algo diariamente para manter o blog sempre atualizado. Caso contrário, as pessoas param de acessar. Mas eu fico aqui pensando... Não sei escrever assim duas linhas e achar que isso pode ser interessante para alguém. Mas também não dá para escrever textos legais todos os dias. Como diz a sábia Lya Luft, tem manhã que a gente "acorda burra" e não sai nada da cachola. Então, vamos de cinema! Tema que é sempre é uma saída para a falta de assunto. :) Assisti, enfim, ao megablockbuster nacional "Tropa de Elite 2". O cinema estava até vazio, tranquilo, contrastando com aquela fúria de filas que assaltou os shoppings do país na semana de estreia. Gostei da continuação, porém, como costuma caber às continuações, esse longa não teve o impacto e a qualidade do primeiro. Capitão Nascimento é personagem mais vigoroso do

Finadas histórias

O dia dos mortos já passou, o das bruxas (e há quem brigue também para que seja o do saci) também já se foi. Interessante ser uma data pertinho da outra, interligando a gente com as coisas do além. Um portal para o desconhecido deve se abrir entre o 31 de outubro e dois de novembro. Forças muito poderosas pairam sobre nós. Não do mal, não senhor. Do que transcende, apenas. Eu curto refletir e celebrar esse mundo sobrenatural. Sempre tive meu lado sombrio e, nesse ponto, me considero totalmente “americanizada”. Acho o halloween divertidíssimo com suas assombrações e abóboras desdentadas macabras. Ter meninos nessa hora ajuda bastante. Os dois pegam o embalo comigo, aceitam ser pintados de fantasma e caveira e vão para baixo do bloco no maior entusiasmo espectral. Fazer turismo em cemitério: tem gente que passa longe. Eu passo dentro. Há muita beleza estética guardada em alguns mausoléus. Esculturas de anjos, crianças dormindo, santos... Gatos (os seres enigmáticos por excelência)

Autógrafo às seis e meia

Deixa eu lhe dar um beijo, conhecer sua letra. Quando toquei em suas mãos, experimentei a fortaleza. Ainda bem que pude confessar: sua poesia me comove! E não tive medo de ser óbvia e de chorar. (De mim para Adélia Prado em priscas eras) Mágicas e insondáveis são as conexões telúricas da vida. A frase saiu assim, sinto muito. Não estou chapada nem nada. Essas ondas nunca fizeram a minha cabeça, mas acho que bons poemas são capazes de me deixar em transe, viajandona. E nesses dias passados estou mais Adélia Prado do que nunca, pensando nela muito e muito desde quarta-feira. O marco das tais conexões telúricas, que são aquelas raias espectrais que a gente pode observar nos astros de algum ponto daqui da Terra, foi esse dia, o dia 27 de outubro. Data em que uma conspiração do tal destino me colocou, depois de muito tempo, em rota de esbarrão com a Adélia. Acho que vi milhões de halos como entorpecida por LSD. Tudo começou “demanhãzinha”, quando me lembrei de um poema dela: "Minh

O Velhinho e a Aeromoça

Eis o último texto da saga "Portugal". Espero que tenham gostado das minhas peripécias lusas e que eu faça outra viagem que renda tantas ideias como essa me proporcionou. Curtam o feriado e inté! O Velhinho e a Aeromoça Que massada é viajar de avião! Da tecnologia espero apenas que um dia a gente possa se teletransportar. É pedir muito? A comissária de bordo portuguesa passa com cara de parede e voz de gravação a recolher os fones de ouvido. Em poucos minutos estaremos em Brasília. Coisa estranha essa de estar em outro hemisfério em tão pouco tempo. -Fones de ouvido, por favor... O senhor septuagenário vê naquele grande saco plástico aberto ao seu lado a oportunidade de se livrar de todos os dejetos produzidos durante a travessia do Atlântico. - Lixo não, senhor. Eu disse fones de ouvido. O lixo o senhor pode deixar no compartimento à frente da sua poltrona. O senhor tem fones de ouvido?, refaz a pergunta automática a autômata aeromoça. Se eu tivesse um trabalho

Fado de uma nota só

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O que sobra das gemas dos pastéis de Belém se transforma... Acho que vou passar pelo menos uma década sem comer bacalhau e azeitonas. Sei que existem brasileiros que nunca experimentaram bacalhau ou azeitonas e soa insensível abrir um texto assim, mas para falar da comida de Portugal a gente precisa ser hiperbólico, pois a gastronomia da terrinha não é para paladares delicados. Ainda bem que nós, herdeiros desses costumes alimentícios, inovamo-os e os diversificamos com as influências africanas, indígenas e euroasiáticas, o que resultou numa das biodiversidades culinárias mais ricas do planeta. Por isso é complicado para os brasileiros que estejam em qualquer parte do mundo, não reclamar, depois de algum tempo, do quase sempre reduzido leque de comidas locais. Claudia, a amiga austríaca, sempre ficou intrigada com a minha constante choramingação de saudade da comida brasileira. Isso foi nos Estados Unidos, um país que é tão grande quanto o Brasil, mas que não é páreo para nós em t

“Depuration”

...So take my hands and come with me We will change reality So take my hands and we will pray They won't take you away...  ( trecho de Animal Instinct) Sempre no tema música, pois sem ela a vida, bem, não seria... Eu estava lá, um alfinete a mais na caixinha lotada de alfinetes coloridos que conferiram o show do The Cranberries. Não sei se eles subestimaram o número de fãs e curiosos ou se não ligaram mesmo para o fato de que reservar metade do ginásio Nilson Nelson, sem direito à arquibancada, transformaria as tais pista e pista premium num forno apertado. Suei em baldes e mal pude me mover, o que para mim significa pular freneticamente e alucinadamente desconjuntando pernas, braços e cabeça. Tive que ficar ali me comportando, que coisa! Aliás, tinha uma menina na minha frente que parecia um muro de contenção de entusiasmo. A mulher não se movia. Como é que pôde assistir à Dolores cantar “Linger”, “Salvation” e “Ode to my family” sem esboçar a mínima? Mas eu não me intim

A benção, mãe!

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“Sob a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia” Eça de Queiroz Os portugueses são um povo apegado às palavras. Por onde quer que a gente caminhe nas ruas lusas, há sempre um poema impresso nas paredes, muros e azulejos. Um pouco diferente dos brasileiros, que estão sempre a escrever em inglês e que pouco divulgam os escritores nacionais nos espaços públicos. E a outra de poesia...(Oceanário de Lisboa) Luís de Camões está enterrado em lugar solene, em uma das mais belas basílicas do país, no Mosteiro dos Jerónimos. Jazz em túmulo espetacularmente esculpido ao lado de ninguém menos que Vasco da Gama. Infelizmente, a pompa e circunstância que o acompanham na eternidade não lhe foram conferidas em vida. Morreu pobre e sem fama o pai da língua portuguesa. Quem sabe não foi essa nota triste a responsável pelo povo português rever conceitos em relação à língua? Hoje, o que percebemos ao visitar o país é um habitante orgulhoso e brioso de estampar o Português em tudo. Nomes

Isso é um show, não um assalto

Uma das coisas mais legais de se ter filhos é poder pagar mico em nome da maternidade, curtindo que nem criança os prazeres infantis. Sábado passado fiz uma viagem de 200 Km para assistir ao show do grupo Palavra Cantada. Faria outra, pois valeu todo o calor intenso de Goiânia para conferir, ao vivo, o talento sem igual dessa dupla: Sandra Peres e Paulo Tatit. Os caras arrebentam, acompanhados de um grupo de jovens bem jovens que fazem de tudo: tocam percussão, soltam a voz no backing vocal, atuam, dançam....Sandra e Paulo, que parecem conservados em formol (os caras não envelhecem), são coroas que não têm medo de serem meninos. A verdadeira fonte da juventude, mais poderosa do que qualquer botox. É de dar orgulho ao Brasil ter um pessoal desses fazendo trabalho de altíssima qualidade para a galerinha. São músicas de letras e melodias impecáveis. Som de primeira, com mensagens legais, sem ser enjoadas ou didáticas. A intenção é falar de assuntos importantes sem “lição de moral”.

Campo de Estrelas

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“Para onde eu vou a vida é curva e não é linha” Pedro Abrunhosa, cantor e compositor português A rua 25 de março às vésperas do Natal. Essa é Santiago de Compostela que, junto com Roma e Jerusalém, forma a tríade mais visitada do mundo pelos cristãos. Durante o dia, o formigueiro humano é bastante eclético. Ponto final do místico caminho de Santiago que, de fato, como tudo na vida, são muitos, a Catedral do Apóstolo é sem igual. A única que não devia saber disso era eu, a turista acidental que pretendia encontrar um portal com os dizeres: “aqui começa o caminho de Compostela”. Se tudo na existência fosse fácil, viver não seria mágico. E tome mico! Assim, depois de aprender a primeira lição espiritual da cidade, prostrei- me diante da construção medieval mais importante da Espanha. Porque Santiago de Compostela fica na Galícia, que é espanhola, mas com um pouco de birra. Afinal, os galegos foram obrigados a silenciar sua própria língua durante 300 anos. O castelhano per

Faça-se a luz!

Não entendo de política, nem leio sobre o assunto no jornal. Me confessando assim, posso até parecer uma alienada, mas acredito que vejo a política acontecer no dia a dia. Acompanho o que pensa o taxista, a empregada doméstica, o porteiro, os estagiários do meu trabalho. Converso também com os amigos e conhecidos. Estou atenta ao que de bem e mal fazem ao Brasil. Mas não sou analista política. Tem muita gente boa aí pra fazer esse trabalho. O que escrevo agora é fruto da minha indignação. Cada um tem o direito de votar em quem quiser (mesmo que seja na inominável Weslian Roriz). O eleitor não tem como justificar um voto desses, na minha opinião, mas ele é livre – teoricamente – para fazer a sua escolha. E é aí que entra o problema. Na teoria, o conceito de voto secreto pressupõe a liberdade. O que vemos acontecer agora, nesses dias que antecedem o segundo turno das eleições, é pura manipulação. Estão fazendo uso de superstições e crenças religiosas para turvar o debate sério acerca

Bivitelinas

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Pôr do sol no rio Douro Fiquei totalmente apaixonada por Coimbra. Porto, com suas casinhas encarapitadas umas nas outras parece desafiar a lei da gravidade, pronta para mergulhar no Douro. Coimbra, por sua vez, olha o rio Mondego sem pretender uma íntima aproximação, altaneira. Porto é boêmia, juventude de algazarra. Coimbra é intelectual, juventude politizada e contestadora a grafitar nas paredes: “Facismo nunca mais”; “greve geral em 25 de abril”; “Portugal precisa de você...longe daqui”. Espero que tal marcação territorial não seja direcionada para os milhares de turistas do mundo inteiro que desembarcam no país. Mas não era não. Não senti por parte dos portugueses nenhuma hostilidade. Eles são mais sérios do que nós. Só isso. Passear pela Universidade de Coimbra é sentir pulsar no cérebro mais de 700 anos de conhecimento. Quantos milhares de alunos e professores pisaram as mesmas pedras, miraram o mesmo delicado horizonte lá de cima, ensinaram e aprenderam teorias que foram

Programa Mulherzinha ao quadrado

(Para não dizer à quinta potência) é assistir “Comer, Rezar, Amar” no cinema. Desde a fila, dá para perceber a mulherada em polvorosa. Havia uns cinco projetos de perua na minha frente para comprar o ingresso. Resultado: levei mais de meia hora porque as meninas não sabiam se passavam batom, se conferiam o visual uma das outras de cima abaixo ou se encontravam o dinheiro na carteira. Mas eu também estava lá, junto com um grupo heterogêneo de peruas uma década e meia à frente. Mulheres bem resolvidas e descoladas que se encontram para fazer um programa semanal cor-de-rosa. Pedi para entrar na lista na cara dura (temos uma amiga em comum) e elas simpaticamente me incluíram, convidando-me para o programa da semana: ver o filme da Julia Roberts. Pois é, Julia Roberts continua sendo um grande chamariz. O sorriso largo da estrela é irresistível, mas, nesse filme, ela só sabe mesmo é chorar. Julia estava mais para Regina Duarte na época de “namoradinha do Brasil”, sofredora inveterada dos