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Mostrando postagens de outubro, 2012

Oração de ateu

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Ó Jesus pregado nessa tábua acima da cabeça dos homens de bem: que a divindade que lhe conferem seja suficiente para mudar as bocas dos homens, as mãos dos homens que decidem a vida de outros homens. Que a Justiça seja divina em conhecimento, em humanidade. Humilde no objetivo de buscar o que é digno. Forte para salvar a igualdade. T ape n.º 2 Oi. Passei a noite num sonho pesado. O calor brotava da janela empapando as paredes com seu suor denso. Turbulência. Cruzava as calçadas em busca de uma flor que tivesse sua cara. Encontrei apenas as mesmas pessoas sem rosto. Bebi copos de um líquido vinho ao mesmo tempo as palavras jorravam e os poços de petróleo roubavam o azul da Terra. As coisas eram assim, não repara, não. Pois o que move o peito – combustível difícil, destilado com dor e paciência – também é estranho. Don’t make sense. E não adiantou acordar. R essaca Conversamos toda a noite. Abrimos as

Reflexões sobre a rejeição

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"Texto rejeitado". Aos 41 anos de idade, enfim, um texto meu foi rejeitado. Parecia que eu tinha levado um tapa na cara, ou que não tinha mais nada a fazer na face da Terra. Porque eu descobri que posso aguentar quase qualquer coisa, menos que eu não tenha a certeza de que sei escrever. Meu estilo pode até não agradar, mas nunca fiz algo tão ruim ao ponto de ser "rejeitado". Rejeitado é uma palavra horrível, não? Ser rejeitada é um dos sentimentos negativos mais poderosos que existem. Me dei conta hoje, com o email do meu chefe. Em uma linha ele destruiu todas as chances de que minha sexta-feira fosse solar e radiante como o dia que faz lá fora. "Texto rejeitado". Foi um baque, uma decepção. De repente eu percebi que meus textos são falíveis. Que eu não passo de uma pretensão de mim mesma. Que eu sou mais arrogante do que sempre supus que eu fosse (e isso não é pouca coisa). Veja o que o sentimento de rejeição é capaz de fazer com

Como era gostoso o meu ECT

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Estou terminando “Orgulho e Preconceito” e já me sinto outra vez órfã. Ser órfã é sentimento que eu deveria dominar, mas não posso me furtar de experimentar a melancólica nostalgia de não mais existir num mundo de cartas.  A obra de Jane Austen é permeada de missivas. Dramas se constroem e se solucionam por meio das longas explanações ou breves bilhetes trocados entre as personagens. E eu, que nasci na época errada e sempre gostei de papéis, envelopes e selos, me vi morrendo de saudades dos tempos da minha vida epistolar.  Peixinha sempre nadando contra a corrente, nunca abri mão de escrever, de próprio punho e letra nada bonita, muitas cartas. Mesmo quando não era correspondida na mesma medida. Fato corriqueiro, pois a minha geração já não sentia todo esse apreço pelas mal traçadas linhas há uns 30 anos.  Comecei a tomar gosto pelas cartas aos 11,12 anos. Era o meu ingresso no universo da língua inglesa e o curso incluía os chamados “pen friends”, ou seja, amigos

Joia

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Quando eu tinha doze anos, arrumava a casa, o sonho entrava e as bonecas falavam das coisas que as crianças sabem. Quando eu tinha doze anos, o mundo não me parecia complicado, apenas enorme como os elefantes do circo e meigo como os meninos da vizinha, que me seguiam por todos os lados. Na leveza daqueles dias tão azuis, quando eu tinha doze anos, falava de vitórias, medos e singelas descobertas. Aos adultos cabia a vaga indiferença. Mas eu sim, era feliz. Lonely nights Minha a íris guardou o cinza. Pequenos fragmentos de água e lembranças se confundiram num caleidoscópio infernal. O cinza inibe, deixa triste, escurece. Cidade estranha, arisca, chumbo. Sinto-me intoxicada de maus presságios. A maldade escapa de cada boca de lobo e o lobo mau espreita os vovozinhos decadentes das praças-pombais. Aqui não sou minha, sou ninguém, um X. Bem-vinda! (para Dedéia) Pela abertura da cortina

Bebida de Mulher

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O yin e o yang no céu. O último eclipse do século! No copo, o gelo transparente Seu olhar no meu, reluzente. São cubas libres de estrelas Um lago curaçau blue E o amor daiquiri, pontilhado de luzes ébrias nas margens. Lunar Dias lindos passam por mim. Minguante é estado passado. Estou crescente, cheia de paixão. Assimilo formas Alturas esguias Barrigas desnudas Dança do ventre. Apreendo bocas, olhares Estrabismos indecentes. Solto frases e gargalhadas que inundam o espaço Coração arado e semeado espera nova colheita. Minguante é estado passado. Estou fértil, pastagem verde crescente, muito doida para dar frutos. Estou cheia de paixão. Pão de queijo O trem atravessa os telhados. Subi no sofá para ver. Era madeira, era metal. Um apito de despertar gente. As montanhas que engolem as cidades... Subir, descer, subir, descer, suar. O sol das seis nas portas das igrejas... Minas é assim: uma caminhada sob as estrelas, levando a paz nas costas. Despedida Voltaremos Ah, voltaremos. A

E se...

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Seguem outros poemas de outras fases. Esses são para cortar os pulsos. Se estiverem sensíveis hoje, melhor não ler!:) Do tempo Está faltando um suspiro e morrer antes das cinco de pura espera emocionada. Não há nada que a falta de mistério não dizime. Traças O céu transbordava bicolores mensagens. Enquanto o cansaço de tudo espreitava a tarde. Os comentários sempre maculados de hipocrisia fazem chorar a janela da alma. Como é duro existir dia após dia. Ficar invisível e saltar do terceiro andar fazem parte dos meus planos imediatos. A angústia habita em mim. Veneno lento, morno, até suave. Companheira dos áridos caminhos de viver e ser. A operação Não aproveitei as estrelas o céu petróleo a inspiração. Não escrevi senti o vazio a solidão: buraco negro, viscoso, cortante. Lâmina ácida dentro, na alma. Gostei de ver meu sangue colorindo o chão. Código Morse O que estou lhe escrevendo não é uma ameaça nem pedido de divórcio não é nada. Nem desabafo ou reclamação. O que estou

Ode to the families

Conversa de velho é cheia de parênteses e esses parênteses são cheios de parentes...  Mario Quintana  Há pessoas que explodem em urticárias só de ouvir a palavra PARENTE. Eu não. Eu gosto de parentes. Eles são a prova viva (ou morta) de que o sangue realmente fala mais alto em muitos aspectos: manias, idiossincrasias, risadas, paladares. Onde mais se pode apreciar uma comidinha com cara e gosto de infância?  Visitar parentes é lembrar o quanto você tem passado. Que a sua árvore genealógica realmente existe (não é só papo de historiador) com muitas ramificações. Futuro nem é tão importante, mas o que findou, as memórias coletivas das tias e primos transbordam nas conversas. Tudo fica mais idílico e divertido. Você até esquece que sofria com o ar blasé daquela prima muito mais bonita do que você quando ambas tinham dez anos. Você simplesmente descobre que está dando de mil a zero nela hoje. Não tem preço.  Mas, falando sério, ter parentes é mesmo reconfortante. Por