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Mostrando postagens de abril, 2011

Assombramentos

Depois que você tem filho, o carro se torna quase um refúgio. Detalhe: quem vos escreve é alguém que detesta dirigir e sonha com um motorista particular clone do Morgan Freeman em Driving Miss Daisy. É no carro que eu tenho tempo de curtir minhas músicas, de acompanhar as letras em brados retumbantes, de pensar alto (às vezes eu me esqueço que estou com os meninos e acabo cometendo gafes altas). Nesses dias, eu vim xingando com os meus botões em volume pra lá de audível: “Esse povo burro...” - Mamãe, eu ouvi você falar burro, patrulhou o pequeno galego. - Não, meu filho, eu falei bruxo. - Mas eu ouvi você falar burro... - Burro é aquele bicho que parece cavalo, igualzinho no Shrek, lembra? - Mas burro também é como a gente chama as pessoas mal-educadas, não é? Mas nem com uma mancada dessas, o carro deixa de ser essa redoma, o espaço da pausa. Ali, encerrada na caixa de metal, eu me reabasteço com o lirismo e as ideologias das músicas que seleciono para ouvir. Ou por meio das

Livre para todos os públicos

O dia da “Êta vida besta” deveria ser instituído. Pelo menos uma vez por ano, sem nenhuma conotação pejorativa e para o bem das almas viventes, principalmente daquelas vítimas da pressa e inquietude destrutivas das cidades verticais e engarrafadas. Para os paulistanos, então, deveria haver uns dez dias de “Êta vida besta” por ano. E salve Drummond, que só ele pode escrever uma constatação dessas sem ofender o povo interiorano desse Brasilzão. Pois é, eu fui atrás da minha vida besta, daquela que eu preciso porque sou mameluca, metade índia, bicho-do-mato. Pessoa que se perde em contemplação e acredita que nada é melhor do que não fazer nada, além de sentar na cadeira de macarrão e ficar vendo a placidez dos dias quentes da cidadezinha dos bisavós, avós, tios e primos passar em desfile escaldante. Sexta-feira da Paixão. Uns vão para a longa e compenetrada missa. Crianças se esbaldam no chafariz da pequena praça. Sol a pino. Motocas ferem o silêncio aqui e acolá enquanto a primaia

Tribos, ódios, gnomos e afins

Todos os anos, comemoramos no dia 19 de Abril, o Dia do Índio. A data foi criada em 1943, pelo presidente Getúlio Vargas. Mas você sabe o porquê deste dia ter sido escolhido para celebrar os povos indígenas? Em 1940, foi realizado, no México, o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano. Além de contar com a participação de diversas autoridades governamentais das três Américas, vários líderes indígenas do continente foram convidados para participar do encontro. Porém, os chefes das tribos não compareceram nos primeiros dias do evento, pois estavam preocupados e temerosos. Este comportamento era compreensível. Afinal, os índios há séculos estavam sendo perseguidos, agredidos e dizimados pelos “homens brancos”. No entanto, após algumas rodadas de reuniões e debates, diversas lideranças indígenas decidiram fazer valer a sua voz, participando daquele momento histórico: era um dia 19 de abril. Portanto a data foi escolhida, no continente americano, como o Dia do Índio. Em uma era

Meu dia de Bolsonaro

A mídia ainda reverbera os eventos nefastos que tiraram a classe média da zona de conforto. Não sei que conforto pode existir em se isolar em condomínios murados, eletrocutados, armados, mas talvez a classe média se alente com essas medidas paliativas que tentam controlar um mal que não vai se aplacar sem escola, lazer e perspectiva de futuro de qualidade (o pacote fechado): a violência urbana. Então ela está aí, fazendo todo mundo arrancar os cabelos. E agora chegou aos colégios. Agora não, já tem um tempo que as relações ali também estão bastante violentas. Professores massacrados, alunos idem. Bullying dos dois lados, não justificando nada, apenas complementando essa “falta de rumo brasileiro, esse tom de desespero que assumiu o nosso amor”. Imagina se todo mundo que tivesse sofrido perseguição na escola saísse matando seus algozes do presente ou do passado? Não sobraria adulto para relatar seus trauminhas de infância. O buraco é mais embaixo e no fundo dele estão questões de es

Rompe-cabezas*

Sei lá, entende... Minha mente está cheia de assuntos picados. Não sei sobre qual escrevo ou se dou uma pincelada em todos... Há dias em que nada ocorre e há outros em que, ai meu Deus, me socorre! O cérebro vai entrar em curto-circuito!!! Falando em cérebro, li uma manchete no jornal de hoje que diz: “Menino de 7 anos morre durante brincadeira no recreio”. Portanto, acho legal alertar papais e mamães que leem esse blog para a importância de se fazer uma tomografia quando a criança bate a cabeça. Mesmo me sentindo a Usina de Fukushima e sabendo que estava expondo meu filho de 3 anos e meio a uma radioatividade provavelmente desnecessária, fiquei aliviada por insistir com o médico, que não queria solicitar o exame de jeito nenhum. Por isso, não abram mão! Esse garotinho da noticia bateu a cabeça na parede brincando com os coleguinhas da escola. Rômulo bateu a cabeça no “palquinho” (não sei se foi um palco pequeno ou se foi síndrome de Cebolinha e o acidente aconteceu no parquinho)

Lavando a alma

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Num domingo qualquer, qualquer hora, ventania em qualquer direção... Sei que nada será como antes, amanhã ... O clássico de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos na voz de Elis Regina é a trilha perfeita para embalar os acontecimentos que os brasilienses viveram ontem: um temporal que eu nunca vi de tão perto. A capacidade da natureza de modificar-se radicalmente em poucos segundos. Depois dessa semana, nada mesmo será como antes. Sete dias que começaram e acabaram provocando estupefação no Brasil, em mim. O céu se prepara para vir abaixo Sentada sobre a imensa árvore tombada, tracei meu parelelo com as crianças tombadas em Realengo. Quis escrever sobre o assunto, mas não teria nada a acrescentar em cima do que já havia sido extenuantemente debatido na mídia. Uma árvore estraçalhada suscita a melancolia Entretanto os psicólogos são unânimes em afirmar que narrar um evento traumático tem efeito curativo, então aqui vos narro, porque fiquei muito chocada com aquilo tudo. Na sexta,

O jovem Frankenstein

Descobri! Descobri algo mais punk do que reformar apartamento, se mudar para um acampamento, ops, apartamento caquético e esvair a conta bancária comprando cimento, drywall e areia média batida: levar seu filho de três anos e meio ao pronto-socorro. Como se não bastasse a tranquilidade de conferir os estragos causados pelo dilúvio no apartamento do vizinho (e saber que vamos pagar a conta), meu pequeno impossível galego sofreu um acidente na escola. O telefone tocou no meu trabalho. Era do colégio. Pensei que fosse algo relacionado a uma diarreia que ele teve no domingo e segunda-feira. Mas era um cadiquim mais complicado: a mensagem dizia que Rômulo tinha caído e o corte na sobrancelha precisava de pontos. Não era na sobrancelha, era na fronte, naquela parte molezinha e sensibilíssima que fica ao lado dos olhos. Sangue, muito sangue, mas o que mais chocou foi ver seu rostinho perfeito deformado. O olho direito completamente inchado, roxo, quase preto. Era uma cena feia, como se

A conspiração dos monges

“...Pois quando realmente se quer alguma coisa, o Universo conspira a seu favor...” diz o alquimista Paulo Coelho em nome de sua personagem Santiago. Santiago: o nome que quis dar ao meu filho primogênito. Mais tarde, a cruz de Santiago de Compostela tatuada no punho. Todo mundo pensa que é uma espada, mas não é. É cruz, é luz. Minha busca pela espiritualidade, pela completeza do ser. Nessa conspiração do bem, sigo na trilha e me surpreendo a cada dia com os sinais. Acho que fazer 40 anos é mergulhar fundo na alma. Estou me sentindo mais próxima da iluminação. Não sou arrogante a ponto de achar que vou chegar lá tão fácil, mas percebo que tudo ao meu redor me coloca no caminho. Veja só: acabo de receber um texto escrito pela monja Coen das mãos da amiga Débora. De novo ela, a monja carequinha, a pedir licença para falar comigo. Na semana passada foi em forma de livro. Cynthia, a superteacher de ioga, me emprestou "A Mulher nos Jardins de Buda". Leitura que está me fascina

Ofereça a outra face

Quem me lê sabe que eu ando fervorosa nessa semana. Citando a Bíblia e tudo o mais. Talvez por ter sido o aniversário da minha madrinha no domingo que passou. E, em homenagem à Dona Jandyra, eu tenha ido à missa dominical. Só não esperava que a celebração estaria lotada de peregrinos e noveneiros em louvor a São José. Eu pretendia retiro, introspecção e choro silencioso, resgatando na memória o cheiro de Dindinha, a voz de Dindinha preenchendo a grande nave da Igreja São Judas Tadeu. Todavia, encontrei algazarra, meninos vestidos de anjinho, fotos e profusão de palmas. Minha madrinha não deve ter gostado nadinha daquela confusão na igreja dela, bem no dia do aniversário dela. Minha madrinha era austera, era tradicional, era careta, era solteirona. Já imaginou tudo isso ungido numa só pessoa?:) Mas a missa de domingo me deixou católica a semana toda. Além do mais, foi bom ter rezado pelo pai afetivo de Jesus, marido de Maria e padroeiro da família, justo nessa hora em que o meu la