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Mostrando postagens de abril, 2010

“Quebrou? Osaka conserta!”*

A minha primeira vez foi nos EUA e, depois, nunca mais parei. Pegadinha manjada, mas irresistível. Só que tô falando é da venda de garagem...As “garage sale”, que vemos nas centenas de faixas brancas e amarelas que poluem o visual da cidade. Nessas horas penso por que o brasileiro acha natural nomear as coisas em inglês quando a língua pátria já nos fornece tantas possibilidades... Meu filho Tomás, tadinho, é sempre o Thomas. Mistério... Pois é, acabei fazendo o que considerava um crime inafiançável: também poluí minha cidade, rasgando o passado de militante contra a degradação visual...Teve época em que saíamos, Bernardo e eu, arrancando tudo quanto era faixa que parecia brotar da geração espontânea nos balões, retornos, cruzamentos. Taí, não esperava por isso: encomendar e pagar por duas faixas amarelas de chão para anunciar uma venda de garagem. - Garagem sale, você quer dizer? – perguntou o rapaz da loja de quintal, ou melhor, de subsolo ao anotar o texto que eu estava ditando.

Brasília teimosa

Eu costumava ser orgulhosa do fato de ter nascido em Brasília. A cidade e sua arquitetura única e mal-compreendida parecia perfeita para mim, que sempre procurei a diferença; que sempre me atraí por pessoas, estilos e caminhos alternativos. Brasília e eu éramos complementares em nossa indignação e rudeza. Porque Brasília parece fria e concreta demais aos olhos desavisados, mas doce e acolhedora na face escondida que mostra apenas para os mais corajosos. Brasília costumava ser uma metáfora de mim mesma, tentando brilhar num horizonte que não dá muita bola para os ousados de plantão, a flor rara do cerrado. Ter nascido aqui surpreendia as pessoas. Eram incomuns os brasilienses e isso me destacava, assim como ser canhota e ter o rosto miscigenado, traços que me ajudaram a construir uma identidade muito particular. Porém, durante os longos e tenebrosos anos do governo Roriz, Brasília foi se tornando uma cidade como as outras, com suas mazelas, favelas e falcatruas. Uma cidade que entrou

Movimento das marés

Aí está ele, o mar, a menos ininteligível das existências não-humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Clarice Lispector Talvez seja mais parecida com a minha mãe do que eu pensava. Não que eu quisesse negar conscientemente a semelhança por implicância ou incompatibilidade de estilos. Era mais uma ignorância mesmo. Como se houvesse um perene eclipse do sol sobre a lua... É que eu tenho a sorte de ter duas mães. Jandyra, minha madrinha, brilhava como o astro-rei, com sua força, onipresença e intensidade. A presença autoritária daquela senhora de personalidade única ofuscou o papel de mamãe durante todos estes anos. Mas agora, que o brilho de uma se apagou, posso reconhecer que sou uma mistura das duas. Ainda tenho tempo, antes que a companhia lunar da mulher que me colocou no mundo se vá definitivamente, para rever a influência dela sobre mim. Mamãe: translúcida, fugidia e misteriosa...Um coração insondável que eu persegui por tantos ano