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Mostrando postagens de setembro, 2012

Cozidinho desastradinho

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Rosemeire morava na fazenda. Filha de dona Lourdes e "Seu" Geraldo. Eles também tinham outros filhos, mas a Meire é quem era minha amiga. Era só chegar à fazenda para ir logo procurá-la. Mesma idade, morenas, sapecas, espoletas. Duas meninas que adoravam brincar de casinha no terreiro de terra batida na porta da casa humilde, como são quase todas as casas das fazendas de Goiás. Fogãozinho, panelinhas, ideias mirabolantes. Nossa casinha era lugar para grandes almoços. Folhas de boldo, ervas daninhas das vizinhanças, flores de hibisco, água da bica, sementes de urucum, pitadas de terra aqui, gotas de limão ali. Tudo o que estava a nossa volta ia para a panela. Fazíamos expedições pelo mato para encontrar os melhores petiscos. Das plantas mais coloridas e mais exóticas roubávamos pedaços. O Cerrado é um ótimo laboratório para invenções. Numa dessas brincadeiras, Meire e eu encontramos uma frutinha redonda, vermelha, brilhante. Arregalamos os olhos e vibramos

Perto do coração

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        Meus amigos e eu também gostávamos de tirar uns momentos de folga da bagunça na fazenda para filosofar. Pensar nas coisas da vida... Por que somos o que somos? Deus existe? Meninos e meninas pensam diferente? Por que o Brasil tem tanta gente pobre? Se o Vaticano é tão rico, por que ele não doa suas riquezas para diminuir a fome no mundo? (Essa questão a gente reservava para as aulas de religião. As freiras do colégio Notre Dame ficavam malucas procurando uma resposta e nos divertíamos com o desconforto delas). A gente se esparramava na varanda para os momentos filosóficos. Cacau e eu numa rede; Marco Antônio com suas pernas longas deitado no chão de cerâmica vermelha; Kédyma, sentada no murinho junto com a Lara; Dedéia, na outra rede; Patty, recostada numa cadeira. Conversávamos de tudo um pouco. Das aulas do colégio ao próximo trabalho de História que a professora iria passar. Do tombo de cavalo muito engraçado que a Lara levou ao o que iríamos aprontar no dia seg

Trio trava-língua

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História de cachorro é o que não faltava na Salta Pau. Aliás, toda fazenda é lugar de criar bicho solto no terreiro. É galinha, é pato, gato, “tô-fraco”. Aposto que você nem sabe o que é “tô-fraco”! É a galinha d’angola. Também é chamada de capote em algumas partes do Nordeste do Brasil.  Mas, por que "tôfraco"? Porque elas são bem espertas. Quando a gente corre atrás delas, elas gritam: Tô fraco! Tôfraco! Tôfraco! As bobinhas acreditam que assim a gente desiste de preparar uma cheirosa galinha d'angola para o almoço... Até parece! Voltando aos “causos” de cães, a Salta Pau já foi casa de muitos cachorros legais. Sabiá, Latumia, Teca, Jamanta, Bandite, Apolo, Laika, uma das mais queridas, que viveu um tempão e fez parte de muita aventura com a gente. Mas nenhum desses fez tanta bagunça quanto o trio Pitu, Tupã e Tupi. Três perdigueiros do meu irmão. Adivinha qual? Do Edu, é claro. Só ele poderia inventar esses nomes tão originais... Era ouvir e rir: Pi

Anã de jardim

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Para   Marilena e  Rodrigo,    jardineiros fiéis. Minha irmã mais velha é uma acumuladora de plantas. Portanto me senti no direito de vasculhar o grande jardim da casa que ela habita e selecionar alguns vasinhos para levar ao meu jardim de concreto: o apartamento.  Na minha família, apartamento é mesmo uma prisão. Mamãe até tentou viver numa destas celas por algum tempo. Não conseguiu, pois também sofria da mesma mania: acumulava plantas. Foi se esconder, então, em um condomínio que fica pra lá da Papuda, onde Judas já estava andando descalço a horas, pagando suas penitências.  Os outros cinco irmãos também moram em casas. A maior parte deles tem plantas e bichos em pencas. Mas a caçula escolheu a contramão. Vive em apartamento. Não se sente aprisionada e desconfortável por isso. Gosta até. Não que ela não ame o verde, a amplidão, o silêncio. Porém, não se sente tão sufocada assim no terceiro andar.  Brasília ajuda, sejamos francos. Se ela fosse viver no terc

Umbra e Penumbra*

Brasília… Uma prisão ao ar livre. Clarice Lispector Nessas manhãs de sol vindo das profundezas cenozóicas, um sol-lava, denso, fumegante, a Natureza nos lembra que ela não é nada além de visceral. Assim como a voz de Bethânia, fervendo nossas entranhas. Ou também como perder a paciência com o filho sem medida, arrepender-se e passar a manhã com o estômago revirado. Porque ser mãe também não é nada mais do que estripar nosso amor dia após dia... Ainda bem que a infância é clemente e hoje não tenho memória de nada que minha mãe tenha feito para me maltratar. Só lhe tenho amor e boas recordações. Que as lembranças de meus filhos também sejam de perdão. Hoje amanheci Clarice... Um tantinho triste e feroz demais comigo. Vim de ônibus olhando pela janela e tentando apaziguar meus pecados. As palavras atrozes me queimavam os olhos do mesmo jeito que o raio de sol na minha saia. Coloquei as mãos pequenas sobre o colo e observei a velhice chegando. Percebi os let

Abaixo o engajamento de meia tigela!

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Árvores do sul produzem uma fruta estranha, Sangue nas folhas e sangue nas raízes, Corpos negros balançando na brisa do sul, Fruta estranha penduradas nos álamos. Pastoril cena do valente sul, Os olhos inchados e a boca torcida, Perfume de magnólias, doce e fresca, Depois o repentino cheiro de carne queimada. Aqui está a fruta para os corvos arrancarem, Para a chuva recolher, para o vento sugar, Para o sol apodrecer, para as árvores deixarem cair, Aqui está a estranha e amarga colheita. "Strange Fruit", primeira canção antirracista da       História, eternizada na voz de Billie Holliday Se o Lobato era racista? Claro. Quem não era racista naquela época era totalmente subversivo. E Lobato podia ser subversivo para certos temas como "o petróleo é nosso", mas daí elevar as aspirações até o ponto de acreditar que os negros também são filhos de Deus, era forçar a amizade. O racismo era natural at

Quem tem medo de casamento de verdade?

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O medo de amar é o medo de ser Livre para o que der e vier Livre para sempre estar onde o justo estiver O medo de amar é o medo de ter De a todo momento escolher Com acerto e precisão a melhor direção O sol levantou mais cedo e quis Em nossa casa fechada entrar pra ficar O medo de amar é não arriscar Esperando que façam por nós O que é nosso dever: recusar o poder O sol levantou mais cedo e cegou O medo nos olhos de quem foi ver Tanta luz Beto  Guedes Eu não queria escrever mais um texto clichê sobre amor exemplar, mas como resistir ao sonho de resistir ao lado de alguém por toda a vida... Não é assim que canta Vinícius, que poetisa Neruda, que enobrece Adélia Prado, que imagina todo mundo que está aí na batalha para encontrar a cara-metade? Mas eu aposto que meus tios Abelina e Dito não pensaram em nada disso quando eles se casaram há 60 anos. Em 1952 as mulheres podiam até nutrir delírios de romance (os homens, ainda mais machistas

Ao sul do Trópico de Capricórnio

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"Pelos caminhos que ando   um dia vai ser só não sei quando" Paulo Leminski,  querido  curitibano Bosque João Paulo II Um dos prazeres de se hospedar na casa de amigos é vasculhar as estantes (descaradamente) com o intuito de encontrar tesouros que você nunca viu, nunca leu ou até que nunca compraria por causa dos preconceitos arraigados. Depois, folhear os achados e descobrir leituras deleitosas. Afinal, há quase tantos livros no mundo quanto pessoas. Desse modo, podemos ter gratas surpresas ao abrir a cabeça para novos autores e suas ideias, assim como para novas amizades. Centro de Curitiba com AnaLu Acabei de chegar de um intensivão em Curitiba. Agora, aqui do alto, tão perto do céu e vislumbrando um recorte da asa do avião através da janelinha, não posso deixar de cantarolar "é melhor viver dez anos a mil do que mil anos a dez". Essa pode ser a definição enxuta da minha mais nova amiga AnaLu, a "nunca te vi, sempre te amei"