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Mostrando postagens de agosto, 2022

O belo, o prazeroso e o pacífico

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Objetos cortantes Dentro de mim ebulição  silenciosa. Largueza entre os órgãos, expansão de espaços para habitar palavras soltas.  Livres de julgamento tateiam-se, experimentam-se,  amam-se e odeiam-se na seiva vermelha que percorre o corpo e jorra em (re)cortes  auto infligidos.   Grandezas As árvores não se esgotam em ângulos, miragens, tamanhos, qualidades. O mar é infinito até o azimute e já é o suficiente. Os filhos são dois meninos,  mas caberia uma menina para equilibrar o yin e o yang da casa. As músicas, ah, as músicas, estas ocupam todo o universo. Na estrada Triste, devoro chocolates (bombons e barras). Aguardo a próxima viagem, com a alegria de um abraço de criança. No percurso, fotografar o que se faz belo ao redor; cantar músicas que sei  [de cor  e chegar ao ponto do mapa onde se mata a saudade. Ancestral A Cordilheira dos Andes foi o ápice da descoberta do antes. Sim, tenho raízes, tubérculos nativos, naquelas paisagens geladas. (pois o calor do fogo invadiu o peito) Pi

Repetência

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“Dona de mim outra vez deixo-me levar por este fluxo mágico que me convoca e estou ali, falando com alguém e é bom estar assim tão só e tão acompanhado. Escrever exige solidão, silêncio e uma outra frequência para conhecer o som das palavras e seus mais recônditos sentidos e significados. Quem escreve precisa deste isolamento, desta perspectiva e deste jeito de estar no mundo, distraída, um pouco presente, outro pouco ausente. Requer rituais e entrega absoluta aos rituais, travessias por um mapa desconhecido, e uma paciência infinita. Porque sempre somos vistos como pessoas esquisitas, estranhas”.  (Lélia Almeida) Sapituca matinal para ver o dia lá fora. Agosto é pródigo em horas perfeitas para as pipas ziguezaguearem acima de nossas cabeças.  Na era do zunido de drones, os papagaios resistem no céu com a elegância silenciosa do papel de seda atado às varetas de bambu. A delicadeza do voo se assemelha às bandeirolas juninas flanando impulsionadas pelas rajadas de vento. O início da man

Antes que o mês me acabe

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                                                                                                                                  "quis te odiar                                                                                                     por ter devorado minha paz                                                                                                                    por ter-se feito vício                                                                                                                              mas a sede sua                                                                                                     me arma ainda tantas tocaias" (Ângela Coradini) O Dia dos Pais é estranho para mim. Não tenho memórias próprias do meu pai. Apenas recortes de lembranças alheias, recontadas, remexidas, requentadas e reinventadas, num telefone sem fio em eterno recomeço, repleto de sentimentos de terceiros atravessados na linha genealógica entre ele e eu.

Homilia

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Perder sogra não dá ibope. As pessoas pensam que é algo banal e até desejado do ponto de vista do imaginário popular das noras e dos genros. Aquele alívio contido em dezenas de piadas ultrapassadas. Vida que segue, dizem alguns. Já era idosa, né? - dizem outros, como se afeto real tivesse prazo de validade. Compreendo serem modos frívolos e desconfortáveis de lidar com o luto de outrem. O fato é que não gostamos da proximidade da morte para nos avisar: poderia ter sido você. Um bom amigo foi certeiro: agora caí em mim, que minha mãe está mais próxima de partir. Isso mesmo, a finitude é vida em movimento. Transmutação. Seguimos, mas a velhinha me faz tremenda falta. Era a matriarca que resistia, era o aconchego da casa de vó. "A construção de uma vida no retrato da sala de estar". Baque. Gostava muito de estar na casa dela, rodeada por aquelas memórias genealógicas que nunca tive na minha família. Ainda que Paula não fosse a vovozinha clássica, sempre dispunha de balinhas no

Agostinas

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Límpido, o dia redunda ensolarado lá no alto e cá no chão. Amarelo absoluto, astro-rei despetalado, polvilha o solo árido. O ar incandescente arde como pimenta numa densidade silenciosa e desértica de caminhos tuaregues. Aroma de açafrão com pequi, bem ali. Talvez a rua termine na ansiada miragem: oásis. Mucosas das narinas em carne viva a garganta trava à passagem da saliva. Articulações crepitam como se se desprendessem os parafusos. Os olhos marejam pela carência de sono, pois a dor só traz descanso se morfina o seu pranto. Adoeci para atestar a fragilidade da alegria. Basta a coriza para fenecer a brisa do caminho. Os males da alma me são mais contornáveis.  Para o sofrimento físico, não há atalho que suavize o trajeto. garatujas gravetos garranchos espetos Há miséria em Brasília. Crescente.  Do dia para noite brotam estranhos monumentos.  Pessoas dormem nos belos e agora ressecados gramados.  Lonas improvisadas como tetos,  trempes para cozinhar os restos,  mulheres sem dentes a

Excertos

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Mulheres são sempre bonitas: nas capas das revistas nos cortes de cabelo do Pinterest nas publicidades de lingerie. Na real, qual é a porcentagem de mulheres que veste confortavelmente tamanho P? Mistério do planeta fake. Agora é só barriga de fora, dança do ventre belly dance lei do umbigo livre. Reaja, mulherada! Bota um cropped e Vote #forabolsonaro!  "Teus risonhos lindos campos têm mais flores Nossos bosques têm mais vida Nossa vida, no teu seio, mais amores..." Cantou o 'cidadão de bem" com a mão esquerda no coração (e a direita no 38tão). As orquídeas da vovó sempre gostaram deste canto da sala. Calor e luz na medida permitida pela persiana vertical, quase sempre semicerrada. Desabrochavam robustas sob o olhar da tutora ali defronte, sentada à sua poltrona "do papai". Embalavam-se ao som dos filmes e das séries apreciados na TV ao lado, com o volume quase sempre muito alto. Inocente, a orquídea da vovó morta permanece viva como quase uma fotografia d