Atormentada e inesquecível

Eu tinha um texto pronto sobre a minha viagem à Sampa. Mas, atendendo a pedidos e para não deixar o assunto esfriar (mania de jornalista), vou dizer "tudo sobre o show da Amy". Pois é, eu estava lá. Que legal! Eu nem esperava por isso. Não foi programadíssimo, apenas o resultado de oportunidade e coincidência.

Lógico que, quando soube que ela viria ao Brasil, me deu uma vontade louca de vê-la no palco. Entretanto, só de pensar na multidão que teria que enfrentar, além de num possível cancelamento de última hora devido à fama (nesse caso deitadíssima na cama) de artista problemática e drogada da estrela, esfriei. Desisti de comprar o ingresso.

Mas o destino me quis lá. Surgiu essa viagem "a negócios" para São Paulo (a que vai explicada no texto pronto que postarei amanhã). Daí, percebi que coincidiriam os dias lá com o dia do show da Amy Winehouse (sobrenome apropriadíssimo para quem vive pendurada no copo). Entrei no site que vendia ingressos ao preço nada módico de 200 reais na pista, ou seja, a 15 mil km do palco.

Ainda havia entradas! Acho que os paulistanos estavam cabreiros com as tempestades que poderiam transformar o espetáculo no solo em 20 mil léguas submarinas de um momento para o outro. Afinal, o evento aconteceu bem ao lado da Marginal Tietê, zona de risco total. Porém, convenci o maridão e o resto foi assim:

No dia do show, sábado, Bernardo cedeu gentilmente seus direitos maritais de acompanhante para a minha amiga Elisabeth, que precisava muito se distrair e não havia comprado o ingresso. Portanto fomos de casal mulherzinha. Na boa, todo mundo devia mesmo achar que éramos um casal divindindo água (bem que a gente tentou beber cerveja, mas os vendedores subestimaram a capacidade de entornar da galera. O produto esgotou rapidinho), carinho e fofoquinhas ao pé do ouvido. Ao nosso lado havia várias meninas namorando. Ok, hoje em dia tudo é muito natural, mas creio que desse mel não provarei. Amigas, amigas, sexo à parte.

São Pedro deu uma tregua maneira e a noite estava linda, estrelada, com uma lua crescendo no céu. Um ventinho de verão fazia caminho entre as brechas da massa humana. Acho que nunca estive em um espetáculo tão lotado. Mas o espaço era gigantesco, coube todo mundo sem problema. As pessoas estavam na paz, a fim de curtir a noite de verão e soul. E ir a um show em Sampa faz toda a diferença. O profissionalismo é o que precisa ser: profissional.

Entramos no Arena Anhembi por volta das 7h30 pm. Rolava a apresentação de um rapper brasileiro bem bom. Depois, uma canjinha da cantora Céu. Uma hora mais tarde, veio a primeira atração estrangeira da noite: Mayer Hawthorne. Elisabeth torceu o nariz: "esse cara é muito Higienópolis pro meu gosto", ou seja, mauricinho. Mas eu não achei tanto assim. Curti. Um jazz pós-moderno descoladinho, uma banda afinadíssima...

O som estava ótimo. Nenhuma microfonia, nada que perturbasse a audição. Já a visão era perturbada por tudo: mulheres e homens mais altos, enormes. Meninas em cavalinho, aproveitando a força de seus machos, gente passando toda hora... Ah, os olhos ardiam também por causa da fumaça de cigarro e maconha, não necessariamente nessa ordem. Queria poder ficar doidona só de cheirar, mas aí teria de ser cocaína, né?

O simpático norte-americano se foi e veio sua conterrânea Janelle Monáe. Um furacão, a garota. Performática, vibrática, simpática. Outra vez a banda perfeita. O som estava demais. Gostei pacas do show dela, cheio de marketing, mas a menina canta também. Elisabeth, soprano profissional, fez o comentário definitivo: "Fiquei com vontade de comprar o cd. Ela tem uma voz!!" E aí já estávamos lá pelas 11pm.

Os pés doíam, as pernas doíam, o sono batia... Minha amiga e eu, jovens senhoras mães de família, perdidas na multidão de 20 anos, sentadas no chão grudento de... melhor nem pensar... A fauna paulistana estava toda presente. Estilos, tribos, cores, atitude. São Paulo é o mais perto de Nova Iorque que qualquer brasileiro pode almejar.

Mas nada da Amy... A desconfiança começou a tomar conta da galera e tudo que a gente ouvia era: "será que ela vem?" Caiu no palco como se estivesse saindo de um sonho pesado: desorientada. Após 40 minutos de ansiosa espera, o público e eu pudemos ver ao vivo aquela elfa desmilinguida e trôpega soltar a voz. Fiquei comovida (tá legal, eu aceito o argumento de que me comovo facinho, facinho). Porque a menina é só uma menina. Um patinho feio que não se deu conta de que vira um cisne quando canta.

Nos closes do telão pude notar o medo e a insegurança no rosto dela. Amy não consegue encarar a plateia. Não só por estar fora de si. É por ter aquela baixa estima típica das crianças feias eternamente alvo das maldades infantis. Ela é feia. Mas fica linda se empresta sua voz inacreditável ao bem da humanidade. Pena que, se continuar assim, a dádiva de Amy estará prestes a desaparecer.

Não sei como alguém pode torcer para que Amy continue se drogando e bebendo rios. Pois eu gostaria que ela ficasse velhinha, que nos presenteasse com o seu talento descomunal até a terceira idade, como o Sinatra. Que seguisse hipnotizando a todos com o seu carisma genuíno. Só uma diva é capaz de fazer um coro de brasileiros cantar TODAS as letras em inglês de cor.

Já li críticas dizendo que o show foi uma merda, que ela não fez nada, que estava desanimada, que isso, que aquilo. Todavia, eu gostei. Ela poderia ter cantado mais? Evidentemente. Quem não quer que o seu cantor preferido se esguele por três horas e meia seguidas? Ela poderia ter sido mais interativa? Sim, mas até achei que ela se esforçou, sorrindo timidamente algumas vezes.

A verdade é que, para quem estava pra lá de Quixeramobim, Amy quase deu o melhor de si. Bravo para a banda da garota, de arrasar. Os backing vocals, maravilhosos, e voz dela é tudo aquilo mesmo que a gente ouve nos discos. As canções novas e bonitas que ela apresentou me deram consolo. O talento ainda mora nela. Amy não é fogo de palha, é diva. Uma Maria Callas R&B, atormentada e inesquecível.

Comentários

  1. Oi Luciana, tudo bem?
    Aqui estamos todos bem. Fora que estamos numa trabalheira..... estamos mudando de casa. Mas quero lhe dizer que a mamãe agora é leitora do seu blog e está adorando os seus textos. Lê todos.
    E eu acho que você escreve muito bem e tem que dar andamento neste teu sonho de escrever um livro.
    Bjs.
    Juliana Bernardes

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  2. Oi Lu.
    Muito legal esse teu blogspot.
    Muitas coisas interessantes nesse teu diário eletrônico.
    A história da ceia de Natal com amigo oculto em NY é demais !!!
    Um beijâo e abraço pra tos aí, ok?

    Beijos.
    Renato.

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  3. Relaxa que você não vira homo. Você já nasce pronto!
    Até pode tentar provar, mas daí até chegar a ser, é outra questão. É necessário muitos culhões para ser gay adorável, Lú.

    Bjus de seu fã leitor.

    Davide

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  4. Faço coro com você: Amy velhinha, soltando a voz, superando a si mesma! Não vejo graça nela se perder desse talento todo que ela tem...

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