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Mostrando postagens de novembro, 2019

À procura da transgressão

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"A transgressão das próprias convicções é essencial.  É como no caso da lei, em que a legitimidade depende da hipótese de que,  em dadas condições, a desobediência pode ser a melhor forma de cumpri-la". (Nilton Bonder) Nunca fumei maconha. Nunca experimentei cocaína. Não bebo. Onde você estava, então? Mas você não morava na 715 sul? Incrédulas as perguntas da nova amiga, nascida apenas um ano antes de mim e que também frequentou uma das quadras mais “barra-pesada” de Brasília naqueles longínquos anos da década de 1980. A 715 sul era uma quadra-miscelânea, mosaico de uma cidade que se construiu do nada, reunindo gentes de todos os tipos, objetivos e origens. Suas casas geminadas não foram erguidas para abrigar funcionários do Banco do Brasil, como a vizinha 714. Ou os abastados servidores do Banco Central, a exemplo dos apartamentos da 314 sul. A 715, última quadra da Asa Sul (ou primeira, a depender do referencial) não era o que se classificava, nos p

Pachamama

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(...)Volver a los diecisiete Después de vivir un siglo Es como descifrar signos Sin ser sabio competente Volver a ser de repente Tan frágil como un segundo Volver a sentir profundo Como un niño frente a Dios Eso es lo que siento yo En este instante fecundo (...) Violeta Parra na voz de Mercedes Sosa A viagem para o Chile e norte da Argentina tinha uma Cordilheira no meio do caminho. Resgatou a verve hispano-americana que cochilava nas minhas vivências adolescentes e juvenis. Tudo da rebeldia e da vontade de mudar o mundo tinha a ver com Mercedes Sosa e Violeta Parra. Estive no museu dedicado a compositora chilena em Santiago (sempre lembrando que amo esse nome). Modesto, porém comovente. Foi o bastante para o jorro de palavras de ordem volver a me enredar naquele sonho febril de igualdade, fraternidade e liberdade. Os Andes mexeram com sentimentos que nem sequer sabia que existiam em mim. Seria eu descendente de mapuches, quechuas, chi

Negritude ainda que tardia

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- Coloca Michael Jackson! - Coloca Chico Science! - Coloca Luiz Gonzaga! Assim a gente vai rolando as playlists no carro, atendendo aos pedidos dos meninos que, ufa, parecem bem encaminhados no quesito boas escolhas musicais.  Parando para pensar, três artistas negros (pardos se preferirem) da melhor estirpe. Cada um com seu suingue, sua autenticidade e sua genialidade. Ouvimos também um bocadinho de O Rappa: “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro Tudo começou quando a gente conversava Naquela esquina ali De frente àquela praça Veio os homens E nos pararam Documento por favor Então a gente apresentou Mas eles não paravam Qual é negão? Qual é negão? O que que tá pegando? Qual é negão? Qual é negão?” - O que é camburão?, questiona Tomás.  Ele não é do tempo das veraneios vascaínas. Ele não presenciou inúmeros baculejos como eu. Ele próprio nunca foi vítima da truculência ou da desonestidade policial como já fui. Uma vez,

Que las hay, las hay

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Não eram nem oito da manhã e elas já estavam tentando contato.  Saiu para a caminhada com a alegria de um feriado que fosse só dela. Sempre curtiu mais às bruxas do que as fadas. Definitivamente, nunca foi princesa. E se gosta do balé é por causa do Cisne Negro, não da Bela Adormecida.  No meio da caminhada, uma velha esquisita agarrou o braço dela e começou a falar coisas incompreensíveis.  Ela estava com o fone de ouvidos cantarolando e levou alguns segundos para perceber que talvez aquela senhora quisesse apenas lhe mostrar o pássaro que ciscava a grama logo à frente. Puxou um dos fones e notou que a idosa permanecia ininteligível.  Não levou mais do que outros segundos para a velhota se agarrar ao braço dela com valentia. Assustada, ela se desvencilhou, e seguiu no passo vigoroso do exercício matinal, sem olhar para trás, porém um pouco culpada: se a idosa fosse como o seu antigo vizinho, cujo cérebro foi tomado pelo Alzheimer e se perdia com frequência