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Mostrando postagens de julho, 2020

Volátil

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Venta vento voluptuoso. Vem e vai. Varre a vastidão. Vrum, vrum vaguea vaidoso, diante dos pinheiros que se vergam à sua vontade. Vigoroso, visceja nas folhagens. Voraz, infla o voil das ventanas, velas da casa-veleiro. Volúvel, mas não vulnerável, é veloz em volatizar nuvens. O véu indistinto da poeira torna-se visível com o tom soprano,  às vezes contralto, a varar a tarde invernal. Quase posso tocar-lhe, vulto às minhas costas. Ventania.

Na tarde morna

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A luz de inverno que adentra o quarto sem pudor e tento minimizar com a cortina para que não empalideça a cor do taco ou da mesa de cabeceira. É a mesma luminosidade de fim de julho, começo de agosto, quando esperava, com a barriga imensa e incômoda, o meu segundo e último filho. Disso eu tinha certeza: de que seria o derradeiro. Por isso decidi que seria imprescindível prestar atenção em cada detalhe dessa gravidez e dessa criança recém-nascida. O segundo filho, assim, ganhou em poesia o que o primeiro obtivera em espanto e em preocupação. A luz me traz recordações. Memórias dos seios expostos ao calor do sol para evitar a umidade excessiva das primeiras mamadas. O bebê peladinho num banho dourado para evitar icterícia. Lembro como hoje as tardes densas de solidão maternal. Na segunda vez é mais fácil saber que tudo passa. Então tudo precisa ser mais urgentemente registrado nas gavetas sentimentais. Agora, de certa forma de novo só e presa no quarto

REgozijo

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REler um livro que lhe marcou em fase diferente da vida pode ser cilada ou REdescoberta. Perceber que aquela história que deixou sua alma em polvorosa envelheceu como você: frustrante. REencontrar as frases e os parágrafos que você sublinhou: excitante. Há um conflito entre culpa e desejo ao REabrir livros (eis porque são fixações e objetos lascivos), quando existem tantas obras à espera de um primeiro olhar.  Mas em momentos de caos generalizado lá fora, buscamos o conforto das boas sensações internas. REtornar a um porto-seguro garante um pouco de estabilidade emocional. Todavia, rola o perigo da decepção que, ainda bem, não experimentei. Também, quem se desiludiria com Ana Karenina, com Cem Anos de Solidão e com Grande Sertão: Veredas? Só os que tentaram e não se identificaram. Aquele lance do santo não bater. Porque não acho mesmo que a pessoa tenha a obrigação de gostar dos clássicos ou dos novos clássicos. Leitura é algo pessoal e intransferível. Entretan

Boreste

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O barco, ainda que ancorado no meio do lago, não permite a imobilidade. Primeiro, flutua. Ação estoica e altiva para um ente com tamanho peso. O barco não se conforma com a âncora que lhe tolhe. Faz rotações em torno de si. A popa vira proa e vice-versa. Se o observador fechar os olhos por átimos, captura outro ângulo. Um barco, portanto, é sempre proparoxítono: átomo e tônico. Pancetti deve ter enxergado a impermanência quando movia os pincéis de sua arte na areia das enseadas. O barco, ainda que domado, não permanece estático. Ele sabe que o único destino é navegar. Nem naufragado o barco é morto. Torna-se casa de peixes. Conta uma história de terror. Por isso, enquanto se revela e se rebela sobre as águas, à espera de singrar no boreste, o barco emite sons fantasmagóricos. Seres imperceptíveis a olho nu cutucam o casco. Gnomos de guelras batem os pés na quilha sob a lâmina aquática. Tu, qtiz, clim, grum. Barulhos irreproduzíveis no abecedário d

Ortografia enfeitiçada

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Afeita ao metafísico, fã de anjos, crente nas conexões telúricas, ardorosa incentivadora dos mistérios. Sou um prato feito para cair de patinho nas teorias conspiratórias. E pior: propagá-las sem remorso. É exatamente o que vou fazer agora.  Suspeito que o corretor ortográfico dos nossos espertos celulares foram criados por mentes diabólicas. Analistas de perfis mais maléficos do que os da Cambridge Analytics, um grupo formado de psiquiatras e de psicólogos freudianos, junguianos, lacanianos, recrutados ao redor do planeta (maldita globalização!), de várias nacionalidades e que atuam sob codinome, para expor, nos textos despretensiosos, desavisados e quase sempre apressados que digitamos, o que mais de profundo esconde nossa psique.  Não é de hoje que venho percebendo essas revelações dos estados de alma por meio da troca da ortografia e, com ela, dos significados. Você escreve o que quer dizer, porém o corretor apresenta o que jaz sob a superfície das intenções. O c