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Mostrando postagens de junho, 2019

Albina

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A lua é um ponto de partida de chegada final. Uma incipiência de reticência à espera do poema que lhe brilhe. A lua é um pingo no i, a revelar os lobos e outros uivos obscuros. É a complementação da vírgula em outra pontuação ou a cara-metade do sol. A lua é dois pontos: definitiva. A lua é uma pinta albina no céu da alma.

In saecula saeculorum

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Nunca gostei do final de Turandot. Um anticlímax que sempre me intrigou. Ontem, no programa This is Opera, entendi porquê. Não foi Puccini quem a terminou. Suas últimas notas para a história morreram com o suicídio altruísta da personagem Liú. O dueto final foi escrito por outro compositor e, sem dúvida, não tem nem a beleza nem a força que desfrutamos no restante da apresentação.  Lindo foi quando Ramón Gener (o idealizador e apresentador do programa transmitido pelo canal Arte 1), entra no Teatro alla Scala de Milão - um templo que ainda vou conhecer - e afirma: Puccini termina aqui e eu também termino aqui a sua ópera. Euzinha, apenas uma conhecedora sentimental da obra dele, sempre quis que Turandot acabasse ali, após a morte de Liú. Foi uma comunhão de almas que combinou muito com a aniversariante da noite de segunda, 17 de junho, minha soprano preferida: Elisabeth Ratzersdorf. Que sorte haver assistido a duas encenações de Turandot no Metropolitan Opera House,

Demência de gênero

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O coração de Clóvis Rossi não suportou tanta estupidez. Logo agora, justo agora, diria Calcanhoto e eu. Menos sensatez num país abilolado.  O tal general linha dura Santos Cruz sai e você consegue ficar ainda mais apreensiva. É um sinal de que estamos numa insanidade coletiva que deixa o horizonte sempre nublado com aquela névoa seca de poluição densa, baixa, de cor indefinida. Não vai chover nada além da demência. Ganham os sociopatas, perdem os idealistas. Nesse climão, a TV ligada no salão de beleza fala do pedido de desculpas que o Bolsonaro foi obrigado a pedir para a deputada Maria do Rosário. Somos quatro mulheres ali. Duas manicures e duas clientes.  - Bolsonaro ter de pedir desculpas para essa Maria do Rosário é demais, né?  Não, não foi uma das manicures quem disse isso, mas a cliente elegante, bem vestida e bem paga, servidora do STJ. As duas manicures, empoderadas pelo machismo da roda, soltaram o verbo: - Esse vitimismo das mulheres é uma

Região Desconhecida

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Nesse estágio (in)civilizatório que o Brasil está, assolado por fake news e, recentemente, por fake hackers simplórios a promoverem diálogos amigáveis com seus espionados, acesso as estatísticas do blog, que me fornecem, além do número de vizualizações diárias, semanais e mensais, a origem dos países nos quais estou sendo lida no momento.  É uma atividade de rotina, apesar de sempre me surpreender com leitores na Ucrânia, Tailândia, Malásia e noutras paragens alhures. Prova de que existe brasileiro em tudo quanto é canto, mas nada diz sobre como esses perdidos pela Terra me acharam. Porém, nunca nessa vida o blogger havia detectado leitura vinda de uma tal “Região Desconhecida”. Fiquei intrigadíssima, é claro. Qual seria um local não-conhecido no globo terrestre em pleno século 21? Existe algo ainda inexplorado nesse planetinha não mais tão azul? Encafifada há dias com essa história. Contei para o meu amigo-irmão Rodrigo e ele me disse que o acesso ao Pisciana de

Sororidade

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O apartamento é mais bonito quando atravessado pela luz da manhã. É uma pena não estar lá nessa parte do dia para acompanhar o movimento do sol pelas paredes; pelo arsenal de objetos de decoração: porta-retratos, animais em miniatura, a coleção de globos de vidro que tocam músicas, realejos ianques. Mas a impossibilidade da poética matinal é compensada pela solitude da tarde, com sua iluminação melancólica e aquele chorinho de bebê recém-nascido que chega do térreo ao terceiro andar, por volta das 15h30. Se ela também não fosse mãe os grunhidos lhe passariam despercebidos? É uma questão que a mulher erma na sala se indaga. É tão artesanal o canto do bebê no carrinho lá embaixo. Poderia facilmente se misturar aos ruídos industrializados de carros ou da TV ligada nalguma série policial de países nórdicos (agora menos longe, na França). Não tem jeito: nariz e ouvido que se domesticam com a maternidade são capazes de detectar odores em ínfimas doses; sons em sutis

Tatu com Cobra

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"O Tatu Dragão e Sua Cobra", guache sobre cartão de Chico da Silva Era quase uma adolescente quando vi uma mesa de café da manhã nordestina pela primeira vez. Foi uma revelação de que a vida podia ser opulenta e afável. Até então, todo o meu universo era contido, até áspero, como as histórias de Cora Coralina. Goiás tem uma alma um pouco avara, de carestia. Ainda que não seja pobre, é simples, básica e espartana. Uma consciência de que se é possível sobreviver com pouco, para que ter mais. Não há espaço para as metáforas no imaginário goiano. Cresci numa família literal. A vida exige praticidade. Os bolos são de fubá ou, no máximo, o mané pelado (de mandioca). Bolo de bolo, um café preto. Às vezes, uma broa ou um biscoito frito de polvilho com queijo. A pamonha só na época da safra de milho. Acho que as comidas que ofertamos ou cozemos traduzem um bocado do que somos. Aquelas mesas nordestinas repletas de opções quentes e frias, um banquete diário, são o próp