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Mostrando postagens de março, 2019

A gata de galochas

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“Apenas o dormir ou não dormir, o acordar e o nada a fazer, além de ficar na cama pensando sobre os meus pés e os pés de toda a humanidade. Eu, que nenhum talento possuo, que passarei pela vida sem ter cometido uma grande obra. Sem ser herói ou assassino”. (Fernanda Young) Provável que seja cisma de pisciana, mas não gosto de sentir meus pés desprotegidos na chuva. Aliás, não sou muito de ficar descalça, a não ser na areia do mar, esse dínamo. Coisa que me assombra é ver a mulherada caminhando pela cidade molhada com sandálias de dedo. Que aflição! Elas se encapotam de casacos e calças como se estivessem no inverno em Toronto, mas deixam os pés de fora, como se fossem refratários ao frio que sentem nos braços. Faço exatamente o contrário. Para os dias chuvosos, prefiro vestir camiseta com bota. Meus pés de sereia canhota não suportam ficar ensopados e sujos com a água da sarjeta. Não pressuponham que eu não goste dos meus pés. Gosto até, não tenho nada co

Azzelij (pequena pedra 'preciosa' polida)

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Para Marisa Reis "Eu vejo nossos filhos brincando, E depois cresceriam e nos dariam os netos". ( Nando Reis) Sonhei com ladrilhos de Portugal, homeland dos ancestrais e país amado pelo amigo Mário, que hoje volta para o Brasil com sua família, amada por mim.  Meus afilhados de casamento... Os únicos corajosos que ousaram nos visitar quando moramos nos EUA pela primeira vez (sem filhos), e repetir o feito agora, 15 anos depois. Hoje somos oito (+ Frida). Multiplicamos nossos afetos e conexões. Casamos no mesmo ano, temos filhos da mesma idade que, nessa semana de estreito convívio, não brigaram entre eles, apenas entre si, caso contrário não seriam irmãos. Foram dias divertidos e coloridos. Cada hóspede que guiei pelas ruas de Manhattan me presenteou com novos olhares sobre a cidade. Me desafiou à reinvenção. Nunca vou me esquecer do passeio de mãos dadas com Manu ao longo de quase toda a extensão da Quinta Avenida. A mãozinha delicad

Miolos Enternecidos

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Recorte da biblioteca da Aliança Francesa em Brasília Enquanto uns fazem culto às armas, eu assumo o fetiche por bibliotecas.  Na casa apertada para a família de sete irmãos, o movimento parecia incessante. Amigos e namorados dos mais velhos iam e vinham, num frenesi próprio da juventude. Diante de tantos afazeres, mamãe também dispunha de pouco tempo à toa.  Perdida no meio daquele filme de ação estava eu, a caçula infante, que se refugiava da confusão no único cantinho da residência que se mostrava à prova da rotina agitada, a minibiblioteca. Prateleiras de madeira pintadas de verde-escuro pela quinta irmã, Vanja, guardavam uma pequena coleção de livros de todos os tipos: da enciclopédia Delta Larousse a obras místicas de Lobsang Rampa, consumidas avidamente pelo irmão primogênito, Ricardo, numa fase de busca pelo autoconhecimento que o fizesse diminuir a compulsão por comida (nessa época ele era tão gordo que ganhou o apelido de Tim Maia).  A capa do “A 3ª Visã

Estratégia de Marketing

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A segunda teve cara de segunda: ressaca das bagunças do fim-de-semana, cabeça lotada de coisas a resolver, dentre elas, levar Rômulo para consertar o incisivo que quebrou na borda da piscina no sábado. As notícias de Brumadinho apertando o coração, dezenas de decisões, relatórios e votos para revisar, um enxuga-gelo danado. Na volta do dentista, paro no semáforo e o senhor me vem com a bandeja de morangos: - Quanto é? - 1 por cinco; 20, a caixa. - Me vê duas embalagens. - Leve a bandeja, eu faço por 15. - Mas é morango demais, vai perder. - Não perde não, você faz suco... - Eu gosto mesmo é de comer os morangos. - Com leite-condensado, né? - Vixe, assim não, engorda! - Rico não engorda, rico faz academia! - KKKKKK! Foi a única vez que gargalhei na segunda punk. Fiquei com a bandeja, claro.

A Gilead da Bolsonaroland

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Assuntos, roupas, séries, comidas e lugares da moda não me dizem nada. Antes, torcia o nariz inclusive para os bestsellers, mas agora sei que alguns são bons e, por isso, venderam milhões. Tenho a tendência de querer o extraordinário, o original. E sou pedante como Nelson Rodrigues, que cunhou a frase que lhe tornou pop nas timelines em tempo de eleições: “toda unanimidade é burra”. Acho que faz parte da minha natureza lutar para manter uma parte indomada em mim, não seguir com a manada. Não me filio a algum bloco, partido ou grupo ideológico-religioso. Sempre fui da pipoca. Guetos e janelas hermeticamente lacradas me dão medo. Por isso também me identifico com outra citação brilhante: “Não me interesso por nenhum clube que me aceite como sócio”. Groucho Max, seu lindo. Daí que eu não havia assistido à incensada, aclamada e premiada série “O Conto da Aia”. Primeiro, porque era paga e eu não tinha HBO. Depois, me deu aquela alergia e ojeriza que batem com esses lances q

Jogo de búzios

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(...) "Era uma vez viagens e descobrimentos. (...) Era uma vez - e ainda respira em mim como um cavalo alado, - aquele mar". Lya Luft Ainda que concentrada, de cócoras sobre a imensidão dos corais de Cajueiro da Praia/PI, ela me notou vagando pelos ermos do mar, no pico da maré vazante, e gritou de longe: - quer catar búzios? Mas ponha a chinela!  Na ignorância de menina interiorana, que conheceu o mar aos sete anos de idade, acreditava que procurar conchas para a minha coleção significava "catar búzios". Porém, ao me aproximar dela, a simpática moradora de Belém do Pará me explicou:  - Apanho as moelinhas, as chapotas e as galinhas arrupiadas e levo para a minha cidade, pois lá não tem. Eu cozinho e carrego no gelo. Enquanto falava me apontava cada uma daquelas casinhas marítimas que - para uma peixa do cerrado, apenas traduzem a beleza e o mistério dos oceanos, achados anônimos, jamais fonte de alimento.  Tenho horror