Postagens

Pormenores

Imagem
Tenho certeza de que vocês não vão acreditar. Porque eu mesminha também não acreditei e vocês sabem ou deveriam saber que eu sou daquelas que amam uma serendipidade e as tais conexões telúricas. Vivo encontrando ligações onde talvez não exista nenhuma. Será que forço a barra do acaso ou o destino é meu chapa? Descobertas acidentais são metafísica em estado puro e como não aprendi com a minha madrinha a ser devota, apenas imagino vínculos mirabolantes brincando sozinha. Sob o olhar complacente de Jesus crucificado, Maria - mãe afetuosa – e da sagrada legião de santos, não me redimi de ser criança. Sendo assim, eis que os anjinhos travessos aprontaram algo surreal comigo ontem, numa quarta qualquer. A tarde já estava pela metade e eu bem cansada após algumas horas com a afilhada de cinco anos (ser tivó é o que dá para ser após os 50cinquenta, olhe lá). Ainda rolou umas compras no Carrefour (odeio supermercado) e faltava mais de uma hora para a  sessão de terapia que não houve na se...

Algum tanto

Imagem
Ao viajar de avião à noite  constelações d e ponta à cabeça, no breu da planície terrestre.  Ao amanhecer, a viagem retoma o seu prumo  perfura o edredom das nuvens plana-se dentro do sonho. A claridade é uma estrada infinda,  sem sarjetas ou sinalização.  Sou a única orientação.   Sampa sempre intensa sabores, tribos, desejos  lampejos de belezas e de feiu ras. Rococó Art déco paúra. Hinos e bandeiras  hordas, fileiras marginais, quintais. Verde, cinza, arco-íris  vão livres, cubículos mendigos líricos.  Meca, Big Apple Tropicália-sertão tupi-guarani Cariri-Japão.   Deus e o diabo na terra dos Andrade liberdade.   O filho dela está ali, mas já é outro. E então ela sentiu saudade daquele que o filho já foi. A cratera se abriu entre eles e ela sente saudade do que ele é naquele momento, pois sabe que amanhã ele já não será aquele momento. Amanhã o garoto já não dará o beijo forçado pela mãe na frente dos amigos. Ele ...

Perfis comportamentais

Imagem
Aguardo a sessão de terapia no segundo andar de um prédio com funcionalidades mistas, ou seja,  pessoas vivem e trabalham por aqui ou exercem ambos os cotidianos no mesmo lugar. As portas estão fechadas. O corredor não é grande, quase familiar. Os únicos objetos a quebrar a monotonia do espaço são os capachos.  Cada apartamento, cada sala tem a sua cara: a face estampada no tapetinho ao pé da entrada. Um convite, uma recusa? Pelo capacho é possível intuir a personalidade de quem habita ali detrás? O que os objetos que escolhemos falam de e por nós?  lar doce lar um lar, um porto seguro, abrigo onde se reenergiza com cores quentes e alegres. É jovial, otimista. Nao abre mão de ficar em casa, arrodeado por memórias e por quinquilharias.  Aldeia global Inquieto, vive no entre, between. Almeja chegar apenas para poder partir. Na verdade, parte ao entrar pela porta, aporta ao viajar. “Seu lar é onde estão seus sapatos.” Mas fique pouco tempo Polido, discreto, convencion...

Crença

Imagem
A gente se tatua porque precisa mostrar ao mundo no que a gente acredita. E acredita tanto que tem a coragem de marcar a pele para sempre com a nossa crença. Você tem de ter consciência de que será uma espécie de eterno cartaz ambulante, levando, onde for, a sua mensagem perpetuada em tinta. Hora do rush na padaria. Três atendentes se espremem atrás dos caixas. A fila cresce para pedir o pão, para pagar o bolo.  Uma das funcionárias pergunta por cima do burburinho:  É um livro? Percebo que a pergunta é para mim. Ato contínuo, me dou conta da tatuagem (a gente se esquece de si mesma quando se vê todos os dias). Caramba, como ela conseguiu divisar o desenho no braço direito, estando do lado esquerdo àquela distância e naquele entra e sai de pessoas e de sacolas? Ah, sim! Faço um sinal positivo com a cabeça.  Bonita. Você é escritora? É, eu escrevo. (A gente não consegue se assumir. Falta um tantão de terapia). Só podia. E sorri. Pago meus pães e, a caminho do carro...

Declaro

Imagem
“A gente precisa ouvir o coração da Terra bater”. (Ivo Makuxi, advogado indígena) Quando atravesso a cidade é ela que me atravessa. A limpidez do outono incide sobre o traçado retilíneo. É tudo exato. Tudo expandido pelo vento que entranha o corpo e  chama os galhos para uma dança-mantra. As folhas bailam em rodopio eufórico como os longos cabelos da moça que espera para cruzar o Eixo W e também ser atravessada pelas sensações de uma cidade rígida em forma, fluida em horizontes. O dia ainda reverbera em verdes tons. Logo, o ocre será a paleta dos meses de estio. Tênue intervalo entre a vida e a morte, o vicejar e o hibernar. A flecha da quietude se crava em meu coração. ParaKarlola à amiga Karla, que inspira e me inspira Coração faz ninhos de palavras pousadas no ar. Fecunda faísca do pensamento voa Cometa desce ao inferno  febril  Incandescência. Paira, folha,  leve fardo lida. Esculpe bronze cospe fogo  sopra incenso.  Semeia páginas como quem prega. D...

Pedregosa

Imagem
Hoje me acordei pensando em uma pedra numa rua de Calcutá. Numa determinada pedra numa rua de Calcutá. Solta. Sozinha. Quem repara nela? Só eu, que nunca fui lá. Só eu, deste lado do mundo, te mando agora esse pensamento... Minha pedra de Calcutá! (Mario Quintana)  Existe alguma explicação científica para que as pedras assumam, com certa frequência, o formato do coração? Não, é só coincidência mesmo, respondeu desinteressado. Agora você me lembrou a Adélia, que disse que tem dias que Deus lhe tira a poesia. Ela olha a pedra e vê a pedra mesmo. Quero olhar a pedra e desvendar a sua natureza metafísica. Corações de pedra nos lembram que amar é mineral, tem peso e densidade que nos conduzem às profundezas. É uma natureza essencial. O artificial é o não amor. Prefiro acreditar numa resposta cósmica para o que os olhos veem com certa constância. Querem me dizer que resista como rocha às cicatrizes do afeto? Querem me impelir a esculpir poesias das entranhas, como Michelangelo:“Eu vi ...