Dias de Reis guardados para sempre

Faço questão de postar aqui uma mensagem escrita pela minha irmã mais velha como resposta ao meu texto sobre o Dia de Reis. Fiquei muito comovida por conhecer mais um pouco do meu pai e da dinâmica da minha família. E de me reconhecer nesse homem que apreciava cultura, artesanato e festanças regadas à boa música.

Olá mana querida,

Gostei da "estória" ou tradição, em vários tons e línguas, do Dia de Reis. Na minha lembrança de infância, recordo dos pousos de folia que nosso pai dava neste dia. Ele gostava de receber os foliões na casa sede e ficava na porta da frente, acima dos degraus da escada, todo orgulhoso ouvindo a música de agradecimento (quando minha atual péssima memória permitir o resgate da letra original, eu canto para você), entoada ao som de viola, pelo folião que puxava todo o grupo (o que vinha na frente, a cavalo), e fazia rodeios, com bandeiras e mais apetrechos dos quais não me recordo com clareza.

Nosso pai gostava, valorizava e incentivava - dando oportunidade de manifestação, as tradições goianas, as folias, as duplas de viola e tudo mais que vinha da alma da terra e do sertanejo. E, como o nosso irmão Edu, se deixava, às vezes, se levar pela "peonice" - parecer um peão, um matuto, na forma de agir, de vestir e de viver.

Gostava de contar estórias (do corujão de orelha, do pai do mato, que dizia que vivia nas grotas e que a "fumaça" que delas saíam - diga-se de passagem, neblinas, vinham do fogão onde ele cozinhava) e gostava de nos levar a toda festa que havia na roça.

A que mais me recordo, e esta era sagrada, era a festa da Lagoa, um povoado pequeno que ficava em um planalto, do outro lado do rio Corumbá, lá para as terras de meu padrinho, no rumo de Silvânia/GO. Tinha uma igreja e era homenageado um santo do qual não me recordo. Todo ano, todo mês de agosto, com uma fogueira que era a maior que já vi até hoje. Devia ter uns 20 mts de altura. O fogo era colocado de cima para baixo e de muito longe se podia ver o seu clarão que durava a noite toda.

Havia leilão de prendas, circo, destes de lona, com atrações bizarras como bezerro de muitas cabeças, mulher-gorila... Nosso pai levava a todos na famosa Kombi "saia e blusa", azeitona com bege, com cortininha na janela e toda firula que tinha direito o chamado carro de luxo. O ancestral das atuais vans e o único microônibus capaz de comportar a grande família. E atravessávamos o rio de balsa, pois não poderia deixar de ter um pouco mais de aventura e de emoção...

Eu tenho uma vontade recolhida que é a de recuperar um pouco de tudo isso, lá mesmo, naquela nossa fazenda (agora sem tantos encantos originais, que a fazia um pequeno paraíso e com boa parte de nossa história infantil e pré-adolescente submergida pelo lago).

A partir da reconstrução da saga de nossos pais (história de vida e como se formou aquele rincão, como foi a construção da casa sede, a colocação do carneiro hidráulico, tão pequeno e valente que fazia o milagre de levar morro acima a água que brotava generosa das torneiras); da recuperação de fotos, pertences e dos valores/tradições locais, que outrora existiram e que talvez ainda resistam em algum lugar escondido ou na memória dos anciãos, conhecidos ou não (avô da Núbia, o meu padrinho Antônio Rodrigues - não sei se está vivo...). Resgatar danças, cantos, contos, comidas, ervas e suas aplicações, cheiros...

Buscando reconstruir, informar, valorizar, dar forma e gosto, manter viva, através dos tempos, coisas que valem a pena... Como bem o fazem os europeus. Vi isso, com muita riqueza e alma na Espanha - Andaluzia, Asturias, Mérida, Cáceres e outras regiões/cidades que agora faço uma confusão enorme quanto à localização espacial (precisaria ver um mapa do país).

É um pouco de resgate da nossa própria história, de renascer das cinzas... e substituir o profundo oco ou sentimento de perda pela memória rica e viva de nossos pais e de nossa própria trajetória.

Um grande abraço,

Nena

Agora o meu texto (sem graça) sobre o Dia de Reis:

Sob os protestos chorosos das crianças, ontem foi o dia de guardar a magia do Natal para esperar o próximo (re)nascimento de Jesus. Por quê? Porque hoje é Dia de Reis e reza a tradição que todos os enfeites natalinos, assim como o presépio, sejam desarmados e recolhidos até a chegada de outro 25 de dezembro.

O Dia de Reis é celebrado pelos católicos e outros cristãos como a data em que os três reis magos alcançaram a estrebaria onde nasceu Jesus. Cada um deles saiu de uma região da Terra (conhecida na época), com presentes para entregar ao Messias. Baltazar deixou a África, levando consigo mirra, um arbusto típico do continente, cuja resina é muito utilizada na preparação de medicamentos.

O presente do rei Gaspar, que partiu da Índia, foi o incenso, uma alusão à divindade, à fé e à espiritualidade, uma vez que são queimados há milhares de anos para aromatizar e depurar os ambientes das energias estagnadas.

Já Belchior ou Melchior saiu da Europa levando na bagagem o metal ouro, que simboliza a nobreza e era oferecido apenas aos deuses.

No Brasil, a folia de Reis engloba festejos em várias partes do país. De acordo com a tradição portuguesa, os grupos de foliões (cantadores, músicos, os três reis magos, palhaços) seguem pelas ruas da cidade levando bênçãos do menino Jesus para as casas que os recebem com comida e pouso.

Na Espanha, as crianças costumam deixar sapatos nas janelas cheios de capim ou ervas, para que os camelos dos Reis Magos possam se alimentar. Em retribuição, o trio coloca no lugar do capim, balas e doces. Na Itália, por sua vez, a comemoração do Dia dos Reis recebe o nome de Befana, que é uma bruxa boa que distribui presentes para a criançada.

O Dia de Reis é tão importante para os europeus que se tornou feriado em todo o continente.

Que tal reunir a família para desmontar a árvore de Natal e contar um pouquinho dessa história para os seus filhos?

Comentários

  1. Ler o relato - muito bem escrito, diga-se, da prima Nena foi como ouvir de novo as histórias que o tio Cândido, tia Belina e tio Dito sempre contam.

    Os dois, aliás, fazem, cada um a seu modo, o possível para manter vivas algumas tradições.

    Tanto a Folia de Reis quanto as festas de São João, Pedro e Antônio e a já tradicional novena de Santa Luzia, todo dia 13 de dezembro.

    Valdeir Jr.

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  2. Lulu!

    Teve duas folias de reis na minha casa esse ano! Uma dia 28/12 e outra dia 5/01... tão pouca gente lembra desse dia, valoriza, sabe o que significa, que nem penso em convidar os amigos da cidade pra vir... mas ano que vem, se vc estiver aqui na cidade, venha sem falta! E traga a Marilene! Pode deixar que vou avisar o dia. Cê vai gostar de ver os violeiros, os cantoris, o bendito de mesa, a desobriga, o agradecimento da esmola e a despedida. Nossa bandeira é humilde, mas a reza é feita com muita emoção e devoção. Esse ano foi especial porque várias tradições de violeiros se encontraram aqui no pequizeiro - os de Alvorada do Norte (que hj trabalham nas chácaras aqui das redondezas), o pessoal dos Mambembrincantes que mora qui perto também e traz as folias de minas e do nordeste na ponta da língua e os violeiros da cidade, gente que nunca foi da roça mas traz na alma uma saudade dela como se já tivesse sido! Uma pessoa filmou trechos da festa e disse que ia postar no youtube. Quando eu souber onde foi parar, te mando o link!

    Beijo Grande,

    Andréa.

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  3. Nossa, Luzinha, fiquei emocionada com o texto da Marilena, que lindo, tocante, verdadeiro... e fiquei felz de conhecer nomes e alguns recantos dessa estória (me refiro a "nossa" fazenda da adolescência, é claro)... e o Edu, a Núbia, que cheguei a conhecer, a própria Marilena (tenho o rosto dela bem definido na minha memória, legal, né...). E ainda temos a nossa amiga Andréa para completar a festa, literalmente... bom demais!
    Que bom conhecer um pouco da estória do seu pai...

    Beijos,

    Patty

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  4. Desculpe, claro que o certo é a "história" de seu pai e não "estória"... só porque vi essa palavra lá em cima com referência à tradição, a repeti assim... meu desligamento de sempre...rs... Que muitas histórias assim ainda sejam revividas por vocês...

    Beijos,
    Patty

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  5. AmigaZona Pattygirl,

    também fiquei muito comovida com as lembranças da minha mana. Ainda mais porque essas memórias do meu pai raramente são disseminadas lá em casa. Sinto falta disso.

    Um beijo no seu coração,

    Luzinha

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