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Mostrando postagens de abril, 2021

Trem de pouso

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Uma das notícias mais bizarras da pandemia (eleição complicada) foi aquela sobre as pessoas que estavam comprando passagens do nada para lugar nenhum, apenas por saudades de entrar num avião. Como assim? Aos medrosos, despertou gatilhos anestesiados pelo confinamento social. Não pousar? Vagar furando nuvens por horas seguidas com os tremeliques típicos e a zoeira característica das turbinas? Mais vale um gosto do que uma carrada de abóbora, dizia minha goiana mamãe. Para tudo, quero descer! Saudades de viajar, tenho muita, todos os dias. “Ó meu amor não fique triste, saudade existe pra quem sabe ter, minha vida cigana me afastou de você”... Me identifico com Nomadland: a vastidão existencial sem limitações. Meu lance é road trips. Passaria o resto da vida, de boa, sem um pingo de carência do portão de embarque. Todavia o planeta é tão grande e os inventores nunca criam o teletransporte - reitero o protesto - que viajar (de preferência não num Boeing 737 Max) é preciso. E como a vida é

Brasília: 60 + 1

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O último relance do sol dá lugar ao reflexo da lua. O pássaro, solitário e atrasado, busca o descanso das asas. Fogos de artifício furam o céu, foguetes na linha do horizonte. (o estouro alcança os ouvidos dez segundos depois). A estridulação e o coaxar dos habitantes ribeirinhos anunciam a noite. Um avião plana a dez mil pés. Sentimos a vibração nos tímpanos, pois o crepúsculo reluz em efeitos sonoros: motores, latidos, turbinas, marulhos lacustres. A audição se apura enquanto a visão se enevoa, sem distinguir a água da terra. O ocaso chega por acaso e o breu é a deixa para as estrelas. Flores não se limitam desconhecem barreiras florescem entre desvāos e descasos. Não sabemos se dores ou pássaros. Como Brasília, não há igual. Os que lhe querem bem ou lhe querem mal não podem refutar. Filha única da Utopia com a Ousadia, é de um Brasil moderno e terno,  nostalgia.

The Precious

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Salvei um casamento dias atrás. Especificamente foi numa manhã de sábado reluzente. Empurrei o carrinho de Eva Maria até a última rua do condomínio. Cantava para ela, que acompanhava o ritmo balançando a cabeça das orelhinhas aos ombros. Não via o rosto dela, apenas a nuca e a trilha no couro cabeludo, sendero de inocência a desvendar o mundo. Brincamos um pouco na fronteira verde entre o urbano e a vastidão. Coloquei-a em cima de uma pedrona: I am the queen of the world! Ela não se sentiu tão poderosa, pediu para sair com olhinhos assustados. Voltamos subindo a rua principal até chegar aos brinquedos do parque de areia. Eva Maria não se animou a entrar. Então paramos mais acima, no tal Ponto de Encontro Comunitário. Sentei para descansar, o sol já fatigava. Ela, abelhinha, zanzava ao redor dos equipamentos. Quando olhei para o meu lado esquerdo, uma aliança me fazia companhia sobre a prancha de abdominais. Pesava em dourado e prata: era uma joia com uma inscrição ilegível na parte int

Nevasca no Cerrado

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Samuel dos Santos, mas conhecido como tio Barnabé                                                                                                                                                                                                                                  Para a amiga Claudia Boudrini As bolinhas de isopor branco espalhadas ao longo da sarjeta e sobre alguns pontos do gramado eram o gatilho para voltar aos dias de inverno no hemisfério norte. Neve em Brasília? Poético e esquisito. Mais uma prova das alterações climáticas decorrentes do aquecimento global. Plausível se estivéssemos tratando de um fenômeno natural e não de uma alegoria. Restava, assim, o enigma: as manhãs de caminhada pontilhadas com flocos cuidadosamente picadinhos. Pedaços de isopor de embalagens descartadas ao lixo, ressignificados. Alguém vinha deixando rastros de sua travessia. Era como se semeasse o chão à espera da colheita de nuvens. Ou polvilhasse a pista com farinha de trigo para transformar

Sobre nomes e outros insights

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E no último dia de 2016, os fogos de artifício coloriram o céu gelado de Boston às 7 pm. Voltamos para o hotel, pedimos uma pizza, compramos umas sodas na vending machine e sentamos à frente da TV (de pijamões) para conferir, enfim, o hilário "Deadpool". Bem que me avisaram que era bom e infame. Morri de rir! Acho que foi um jeito bacana de receber o novo ano: gargalhando dos roteiros que a vida nos dá! Sobrenomes. Sobre nomes. Meu nome completo sempre foi um completo desastre nos EUA. Ninguém entende o primeiro e muito menos o segundo. Parece tão fácil, não? Luciana, que tem tudo a ver com Lucy... Mas ninguém entende. Ou me chamam de Luiziena ou de Luiziana ou desistem! KKKK! Se o first name já é pedir demais para os ianques, imagine o last one! Já passei por micos consideráveis por causa de Assunção. Se eu for soletrar para que os americanos entendam fica A S S, ou seja: ASS! Kkkk! Bundão em English!!!!! Já pensou? Por isso aqui eu sou Luciana Mello. Mello (do Bernardo) t

Valei-me, Drummond!

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“Eu sou a minha própria embarcação. Sou minha própria sorte. Eu falo três línguas, e a palavra amor, cadê?”   (Luedji Luna) Os deslumbrantes dias de abril não ligam se estamos na puta que o pariu. Os majestosos dias de abril não se importam com uma pandemia. Os gloriosos dias de abril não querem saber de enterros e de assassinatos em massa. Os fantásticos dias de abril não se sensibilizam com a morte brutal de um menino de quatro anos, mais um. Os luminosos dias de abril não prestam atenção se as pessoas agora usam duas máscaras ao invés de uma. Ou se não usam. Os estupendos dias de abril não percebem a melancolia de um povo. Os ensolarados dias de abril não acreditam na perversidade de uma sociedade. Os amenos dias de abril não têm empatia pela fome. Os claros dias de abril não enxergam escuridão. Os triunfantes dias de abril zombam da nossa derrota ética. Os vistosos dias de abril não se escondem por trás de protetores faciais. Os chamativos dias de abril não redimem governos que

Fotos-legenda

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pálidas peladas penadas prenunciam o inverno. do breu à bruma ela se transforma: aguarda visita que vem de longe A alma da nuvem mudou de casa: virou papel na parede azul-diamante   Feira poética: agrião em flor o mundo em dor. Mandala sânscrita rosácea cristã vitral vegetal tridimensional Chorem por eles, os pecadores, ó derradeiras chuvas de abril. A bolsonaroland não tem redenção, apenas oco o coração. Farsantes, límbicos, espectrais. A porta bate o motor ressuscita o cachorro gane cadê os pássaros? cadê os pássaros? O telefone trina alguém grita qualquer coisa... Em meio à entropia um solitário gorjeio: canto.