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Mostrando postagens de março, 2022

Criação

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A spalla grávida  empina a barriga pipa.  Marca o compasso,  saltita no espaço.  O bebê evolui ao som  dos instrumentos. Flutua e rodopia na fluidez amniótica  da composição. Os minúsculos tímpanos lá de dentro, percutem no ritmo do tímpano cá de fora. O acalanto emana das trompas de falópio  sopradas com esmero, logo atrás dos violinos. (será nina ou nino?)  Um bebê todo ouvidos: absoluto e imerso na música do corpo maternal  casulo-acústico-polifônico-allegro.    Adágio existencial.

Indômita

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Era uma vez um rincão escondido entre Brasília e Goiânia, fincado a 18 km de terra a partir da rodovia BR 0-60. Ali se chega com a poeira que deixa rastro na estrada da montanha-russa. Muitas porteiras a abrir. Um canto do mundo. Um pedaço de chão comprado por meu pai no interior de Goiás. Lá se vão mais de 50 anos que a Salta Pau faz parte da história da família grande. Sete irmãos criados a leite de vaca destas paragens. De onde se avista morros da idade da Terra e o vento frio abraça as madrugadas. Fazenda de cerrado forte. Noventa alqueires banhados pela formosura do rio Corumbá. Sítio de vizinhança alegre, antiga. Todos lá há tanto tempo que parecem ser desde o primeiro dia do homem nas entranhas da terra. Paraíso rústico no qual amigos se banham nas cachoeiras e as maritacas e seriemas atravessam os pastos por cima e por baixo, a galope. Ali se come em fogão à lenha original e o pôr-do-sol cai como uma lata de tinta alaranjada, atirada sobre a paisagem verde. O lugar foi rebatiza

Lá e cá

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sem sinais vitais a janela exatamente retangular  presa exatamente a uma parede sem forma sempre cerrada. Mistério no espaço branco de sua moldura, lacrada. Ninguém grita lá dentro imóvel, socorro! À janela silenciosa não faz falta o ar da manhã que se renova. Existência sem reflexos. Escuridão refratária ao plexo solar. (Madri, março de 2002, inverno, da varanda do apê da amiga Kédyma, mas poderia ser agora em Mariupol/Ucrânia) de chico(s) Francisco francês livre papa  franciscano São de Assis Francisco velho Chico Buarque Goya Mendes Anísio ciscos alísios Chicão Franchico franco Chiquinho niño sobrinho neto filho filosofal atemporal primeira semana Estupendo é o dia na manhã que principia brilha o amarelo-sol, mas não queima. As nuvens no azul são chumaços de algodão esgarçados  pelos dedos de uma criança afoita. Embrião do outono que se forma.

Jung explica

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“Mas como posso  conseguir  o  saber do coração?  Só poderás conseguir este saber  vivendo plenamente  tua  vida.  Tu vives tua vida plenamente quando vives também aquilo que nunca viveste".  (Carl Gustav Jung em O Livro Vermelho) Zeus não dá asa à Medusa. Se ela fosse boa de cama, estas que dormem com uma pedra, o repouso profundo de savasana, despertaria renascida em outra alma e dominaria o mundo. Que o corpo até que dá conta, mas o espírito quebranta. Enfada-se da rotina noturna truncada, dia após dia, ano após ano. Encuca porque luta e não encontra o fio de Ariadne, a raiz do problema, o cerne da questão. Nas madrugadas abruptas, não sonha. Coito interrompido. Morfeu broxa. Mas há descanso, quando Pasífae, deusa da lua cheia, lhe envia palavras psicografadas. O gozo do sonho, o sono dos justos nos braços de Hipnos ocorre vez ou outra, num ménage onírico-amoroso. É quando as noites fragmentadas se metamorfoseiam em Nix estrelada e densa. Então ela remoça, tece poemas e ludibri

Balaio de gato

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Igualdade? Dia Internacional da Mulher 2022 e a maior parte dos e-mails que respondi na manhã de hoje era de mulheres em busca de informações sobre filhos e maridos presos. Jamais recebi uma mensagem de um pai para saber a respeito do filho preso. Ou de um marido para tratar do processo da esposa encarcerada. Só jogando essa reflexão para o universo porque precisamos falar sobre isso. atos falhos eólicos elísios garça graça ministro monstro suspiro sufoco etária etérea pressa prensa Marte morte nachos machos guerra Terra Asco tenho das coisas mesquinhas que não expandem os limites do eu. Se ao menos os fulanos olhassem pela janela e vissem o lixo no chão. A Terra é uma bola azul, mas vamos adorná-la com adereços fantásticos: espaços vermelhos, triângulos, mandalas, sóis, letras, luas, bandeiras e canções. Outras geometrias, plurais geografias. Vamos desenvolver uma nova espécie: um ser humano.

Eufemis(nis)mos

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Dois anos de mordaça, burca nasolabial: sem batom, sem frisson. De repente, o espelho revela o que estava disfarçado: as bochechas de bulldog, o bigode chinês e a boca de ventrículo. Eufemismos para a ação devastadora da menopausa no rosto da mulher. Até que não ligo para pés de galinha e para as manchas senis nas mãos e nas canelas. Em breve serei uma carijó orgulhosa, parecida com mamãe. Envelhecer não pode ser apenas ruim. A gente pode achar bacana ver a mãe em si mesma. Aqueles dentões seguem aqui. Mas as pequenas erosões no colo, ah, que angústia! São feias e inevitáveis. A não ser que pretenda pernoitar numa câmara hiperbárica ou num caixote de vidro em sono profundo e estático de Branca de Neve antes das agruras da maternidade. Dormir de barriga para cima não é uma opção. O marido reclama do ronco e a recíproca é verdadeira. Restam-me os pequenos truques; trapacinhas contra a decadência do colágeno. Então me dei conta de que estou atrasada nos tais procedimentos faciais. Aos 5.1

Canibalismo?

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"Linda do Rosário" obra de Adriana Varejão (Inhotim) Dias tensos, lentos. A infância violada. Ouvir aquelas sirenes de ataque tanto faz se no leste, oeste, norte ou sul. O que falta para acontecer neste planeta enquanto faço parte dele? Durante a passagem da minha descendência? Ninguém aprende nada. Pandemias, endemias, fome, miséria e o mundo gira para cima e para baixo, de lá para cá e nada de mudar Culpa dos que acreditam que a Terra não é bola, mas pizza pronta a ser devorada pela minoria fascista. Antes da ‘operação militar' russa, pensava em Petrópolis. Onde estaria o senhor da feirinha de antiguidades que me vendeu o belo par de brincos? Seria mesmo uma relíquia ou não? Ele está vivo e bem como o conheci em dezembro? Ele morava nas encostas ou não? A feirinha vai voltar a acontecer em frente ao prédio histórico da prefeitura? Desgosto que dá na gente conhecer e se apaixonar por um lugar que em seguida se decompõe. Agora penso nas cidades ucranianas devastadas, não