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Mostrando postagens de setembro, 2016

Conto de Deer

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As manhãs de segunda são fadadas ao sono excessivo e ao resmungo. Sem falar no atraso e no esquecimento das coisas. As manhãs de segunda só não são mais excruciantes do que as noites de domingo. Então a indefectível manhã de segunda apareceu, com suas chatices habituais (os dias da semana também gostam de rotina, provavelmente). Tira os meninos dos sonhos, corre com o café para não perder o bus school , atira o pijama em cima da cama...  O trajeto familiar rumo ao norte do estado de Nova Iorque é o diário: sempre bonito, bonito que enjoa. Nada de novo no dia que começa cinza até que ele salta na frente do carro: uma aparição do verde da mata para o chumbo da highway . Ele salta e meu grito salta com ele. Um grito de assombro e maravilhamento. Estanco o fôlego, suspense: será que ele consegue chegar do outro lado nesse vai e vem de carros enormes na hora de pico? Um cervo, majestoso e volumoso, é flagrado pela retina na segunda-feira. Não é uma pedra no caminho, mas

Valei-me, Nilse!

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A louca dos patos está lá. Não, ela não é louca e nem os patos são patos, mas gansos canadenses. As imprecisões de sempre, os rótulos. A fuga confortável. Mas me incomoda ela ocupar a parte potável do espelho d´água com suas visitas diárias. Ela leva uma cadeira e um laptop. Ela conversa com os bandos e, a despeito de uma placa pedindo que as aves não sejam alimentadas, ela lhes dá de comer, a mulher desgrenhada, Dian Fossey dos plumados. Desse modo, tenho de escalar umas pedras pontiagudas com Frida para que ela possa refrescar a garganta com a água do lago. A caminhada é puxada para as perninhas curtas da corgi, mas se não fosse Frida, talvez nem sequer caminhasse, sucumbida pela melancolia do subúrbio. A ressaca pós o excesso auditivo, olfativo, visual e tátil de Manhattan deriva numa inércia que beira o intransponível. Mas Frida me olha com olhos de súplica pela brincadeira e saio da autocomiseração para o mundo lá fora, que ainda está bonito, não muito quente anymor

Surprise

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A senhora atrás do balcão era o fenótipo da americana culta. Alva, quase transparente, com a típica educação polida + simpatia de giz que os americanos brancos têm. Estava no Music Conservatory of Westchester, a dois quarteirões da nossa casa, para pagar minha matrícula no Coro de Mulheres.  Ela perguntou o meu nome, expliquei que já havia preenchido todo os formulários pelo site (aqui você preenche formulários extensos e chatíssimos para tudo, inclusive para se inscrever em ensaios de coral). - Last name? - Assunção A senhora repetiu assunção com uma familiaridade impossível para os americanos. Depois, repetiu Luciana perfeitamente, me deixando muito confortável. Só no final do atendimento, a danadinha me disse que era portuguesa, do arquipélago dos Açores. Mais um caso de "quem vê cara, não vê coração".