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Mostrando postagens de novembro, 2020

Os cinco elementos

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A chuva se arma para a batalha contra a terra. Convoca os aliados: ar de trovões e fogo de relâmpagos, lançados sobre as árvores assustadas. Sementes e folhas alcançam o solo como passos sorrateiros de gnomos invisíveis.  Uma barata cruza a calçada em busca de outro abrigo,  apressada. Nuvens grávidas, pesadas, sentem as dores do parto. Movimentam-se furiosas, em agonia. A chuva ameaça, se prepara para furar o bloqueio do chão compacto.  Boa parte das vezes, mera bravata. (sorte da barata e azar o meu)

Promoção de Peão*

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Tá rolando uma série da Netflix no radar apreciativo dos assinantes brasileiros: “O Gambito da Rainha”. A trama conta a história de uma menina de nove anos, orfã, que descobre no xadrez o refúgio para o mundo hostil ao seu redor. Ainda não vi nenhum episódio da temporada, porém já incentivei meus teens a assistir, pois eles curtem jogos de raciocínio.  Falar de xadrez me faz recordar que, aos nove anos, também órfã de pai e dona de mecanismos de defesa afiados, aprendi a dar o xeque-mate numa escola semi-interna na qual estudei. Ah, as conexões “tectônicas”, diria o primo-irmão, tirando sarro da minha mania de procurar a mão do inefável em tudo. Durante um único ano, frequentei a alta burguesia da cidade de Brasília, solução radical de mamãe, cuja viuvez com seis filhos jovens + a temporã cada dia mais moleca, não tinha a menor condição de me dar o mínimo de atenção (percebam o ato falho do copo vazio nos potentes substantivos empregados). Era uma escola ótima, para gente abonada. A id

Velhinha de primeiro mundo

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Os pés cada dia se parecem mais com os de mamãe. A pele se enruga e queda-se marcada em sulcos laterais. Pequenas manchas senis escalam canelas afora. Dedos calosos. Na região plantar, esporões sob controle. Ela os teria? Acho que não. Era de alma e modos casuais. Não usava salto alto. Porém, subia nas tamancas se achasse necessário.  As pintinhas se multiplicam em velocidade exponencial pela barriga, antebraços. Os cabelos brancos eclodem do ponto mais quente da cabeça, direto do centro do crânio. Daí se tira a conclusão de que o estresse contribui para o envelhecimento precoce? Precoce nada, são quase cinco décadas. Não se atravessa a metade de um século sem transformações físicas e sociais. A gente é que não quer dar o braço a torcer para o tempo. Fica naquela ladainha de melhor idade, igual a vinho, experiência e sabedoria.  Excesso de tempo dá osteopenia, isso sim. Envelhecer é porrada. Menopausa. Ora, ora, veja bem, pausa só fica bonita na música e na fotografia! Mas tem o outro

Secos&Molhados

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Cultivo amores por taperas, ruínas, escombros. O abandono das casas desabrigadas, antes cenas de algazarras. Ecoam cânticos ancestrais no que restou da nave de uma igreja de outrora. Outrora, a prima-irmã da aurora. A melancolia que habita as paredes descascadas se reconhece no espelho da minh’alma. Jogo de sedução:  atração entre o inefável e o incandescente Opostos se complementam entre o nascer e morrer. Ar alimenta fogo  energia geradora: vida.  Sol e nuvem não se cansam da rotina.  Não sou orquídea para viver numa estufa! Me acoplem à árvore mais próxima, deixem-me ao relento.  Selvagem é o ar que preciso, pois enlouqueço a olhos vistos.  Preciso fugir do cheiro nauseabundo de putrefação da delicadeza.  Encontrar o recôn(dito) de utopia que um dia esteve no genoma da cidade. Entreolho a entrequadra metáfora da fenda  entre nós. A destreza das mãos (re)pousa nas asas: Intrépidas? Inertes? Quem decide é a lepidóptera.