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Algum tanto

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Ao viajar de avião à noite  constelações d e ponta à cabeça, no breu da planície terrestre.  Ao amanhecer, a viagem retoma o seu prumo  perfura o edredom das nuvens plana-se dentro do sonho. A claridade é uma estrada infinda,  sem sarjetas ou sinalização.  Sou a única orientação.   Sampa sempre intensa sabores, tribos, desejos  lampejos de belezas e de feiu ras. Rococó Art déco paúra. Hinos e bandeiras  hordas, fileiras marginais, quintais. Verde, cinza, arco-íris  vão livres, cubículos mendigos líricos.  Meca, Big Apple Tropicália-sertão tupi-guarani Cariri-Japão.   Deus e o diabo na terra dos Andrade liberdade.   O filho dela está ali, mas já é outro. E então ela sentiu saudade daquele que o filho já foi. A cratera se abriu entre eles e ela sente saudade do que ele é naquele momento, pois sabe que amanhã ele já não será aquele momento. Amanhã o garoto já não dará o beijo forçado pela mãe na frente dos amigos. Ele ...

Voltamos para o sol

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Qual seria a distância segura entre a mulher e um homem desconhecido?  A mulher é sempre um artigo definido. O homem é incerto. Sua força-motriz guarda o instinto predador.  Mesmo na manhã límpida, um homem estranho na mesma rua tira a leveza de espírito da mulher. A dor se instala em seu coração. Parar ou prosseguir? Diminuir a marcha até que a distância se torne intransponível.  Qual seria, em passos, a inalcançabilidade? Por que a mulher não pode caminhar em quietude pela calçada de sábado quando vislumbra um homem qualquer? Antes a mulher só intuía o que lhe ocorreria se um homem alheio lhe fizesse de presa. Hoje, câmeras mostram o desespero da mulher diante do algoz.  Cenas atrozes e inesquecíveis enquanto a mulher espera que um homem de costas suma do alcance de suas vistas míopes.  O desassossego é a sombra da mulher livre.    Fui atendida por uma médica chamada Luciana. Era apenas uma consulta insípida e mecânica. Precisava de uma receita e o...

Overdose

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One of these mornings You're gonna rise, rise up singing You're gonna spread your wings Child, and take, take to the sky Lord, the sky... (Summertime/Janis Joplin)  Acordei entre "Nostradamus", de Dusek e "O Tempo não para", de Cazuza. Abri os olhos e minha cama estava cheia de gatos e minhas ideias não correspondiam aos fatos. Me senti no fim do mundo como antes fora. O sonho misturou Índia com Harry Potter. Nem sequer os cogumelos do amigo, que mastiguei macerados ao mel num longínquo domingo, me deram delírio igual. Penso que talvez tenha tido uma overdose emocional. Até que foi divertido participar daquela alucinação onírica. Fazia parte de uma família com chapéus incríveis que pegava elevadores que iam do nada para lugar algum. O trânsito caótico da cidade repleto de tuk-tuks. Clã de bruxas com roupas vitorianas. Surrealismo espanhol e expressionismo alemão totais. Resultado final de um ontem caótico. Não almocei, já na ansiedade do voo do primogênito...

Folguedos

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Os meninos-Portinari içam suas pipas coloridas contra o céu zangado. Eram muitos com camisetas vermelhas e pés no asfalto, uma horda de velejadores aéreos a manejar pesos e contrapesos, administrando as rajadas de vento e a permanência das rabiolas na altura dos sonhos mais alegres. Outro grupo, este com meninas, passa uma bola de mão em mão, naquela ciranda instintiva da infância. Disputam espaço com carros estacionados. Sem árvores à vista, a chama do mormaço derrete as crianças-velas sobre a cobertura asfáltica. É uma festa. A algazarra límpida da periferia viceja sem as benesses do planejamento urbano. A elite, enclausurada pelo dinheiro, jamais experimentará o valor destes folguedos. Rupturas recomeços mudar em meio à mudança. Partir repartir. O silêncio passeia pelo interior, mão da criança invisível tateando a parede. De fora chega a nesga do sol e o silvo dos micos costumeiros. Os cães aprisionados ao lado lamuriam. Quero que durmam para sempre. Parafraseando o belo título do...

Thanks for riding, Luciana!

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Contingências da rotina me levaram a experimentar as facilidades e excentricidades do Uber dias atrás. Três corridas, três personagens distintos como a vida. Interessante que dois deles eu encontrei num único dia, corroborando que o insólito está sempre lado a lado com a gente, ainda que morramos de tédio. Insólito seria um adjetivo um pouco exagerado, talvez estranho ou incomum. Ah, deixemos para lá e apresentemos o motorista W, que me buscou no meu futuro novo endereço no Lago Norte. A manhã estava resplandecente, o calor se anunciava em seu verão máximo. Do lado de fora não evidenciei nada exótico além de um adesivo chamativo fixado no vidro traseiro: “Por favor, não bata a porta”. Ou “Não bata a porta, por favor”. A memória dos ocorridos não está mais tão fresca. Dentro, percebi estar num dos automóveis mais detonados que já entrei, ainda mais para um Uber. O assento rasgado, cinto de segurança meio enguiçado. Carruagem mequetrefe, meio bamba. O motorista tinha um jeitão Robert ...

Mixórdia (mamãe falava michórnia e eu achava lindo)

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Do sul, onde faz divisa com o estado da Bahia, ao norte, que deságua no mar de Luís Correia, fizemos 1.100 km. Só de Piauí. Caraúbas Caxingó Piracuruca Campo Maior Piripiri Buriti dos Melos Canto dos Buritis Esperantina… Nomes que afagam. Haja vastidão neste país. O Piauí ele próprio uma nação de belezas ímpares e de cultura singular. Paredões paleolíticos, rupestres pinturas compartilham a ancestralidade com o novos modelos de agronegócio. Escassos agora são os jegues cor de asfalto. Todavia, segue abundante por aqui a intensidade de sabores, de afetos, de calor do sol e das pessoas. Aliás, tudo o que não falta nessas léguas longínquas é sol, sol, sol. Energia solar para clarear as insondáveis escuridões. O sertão, buraco amarelo. Bem pontuou a amiga Karla ao ver as fotos que tirei: "o Sol aí parece maior". À beira-mar, as varandas das redes bailam sob a regência eólica possante, incessante. Ipês, caneleiros, mutambas, angicos, sapucaranas se irmanam à caatinga. Carnaúbas ca...