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Mostrando postagens de junho, 2017

Acumuladores

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Quando bebês, meus filhos corriam à janela ao ouvir o estardalhaço do caminhão de lixo. Fascinados, espichavam os bracinhos para serem alçados ao colo e, assim, apreciar o trabalho intrigante dos lixeiros que, com truculência, arremetiam tudo o que viam no caminho naquela bocarra faminta e barulhenta. Parece que a admiração não arrefeceu para o garoto: saiu desenbestado escada afora, a fim de chegar em tempo de ver mais de perto a rotina dos que nos livram dos indesejáveis dejetos desse mundo devorador de coisas e pessoas... Qual foi o meu espanto quando vi o buraco negro engolir o jogo de sofá em segundos! Estados Unidos, maior consumidor de bens materiais do planeta. A nação na qual os guarda-volumes (storages) são parte fundamental da cultura. Todavia, o revés também vale: como desperdiçam! Dispõem de tudo sem piedade! Logo mais à frente, lá se foi para nunca mais o estrado e as cabeceiras de uma cama! O lixeiro, percebendo o horror da dona de casa na varanda,

Can I give her some love?

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Americanos são especialistas em "small talk", ou em bom Português, jogar conversa fora. Já comentei o traço cultural ianque em outros textos, mas sempre me impressiona a habilidade cordial do típico norte-americano em puxar papo dentro das lojas, nos metrôs, ônibus...  Para quem conhece bem os cariocas, vão argumentar: ah, a gente sabe bem do que você está falando. Mas não se enganem: os cariocas criam intimidade na fila da padaria e, ao final de dez minutos, passam o endereço da próxima festa na casa deles; algo impensável para os estadosunidenses. Eles são corteses, gentis e polidos num nível no qual a privacidade não seja ferida de modo algum. Ser convidado para fazer parte do círculo invisível que todo cidadão americano tem ao redor de si é tarefa complicada. Eles se preservam com unhas e dentes. São pessoas indoor, reservadas, intimistas. Preferem o inverno ao verão, na maior parte das vezes.  Mas, em matéria de conversas despretensiosas, são quase i

Dilemas

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Uma das preciosidades do acervo da Morgan Library, em NY, é o único livro escrito pela então escrava Phillis Wheatley. Rômulo estava estudando sobre a autora na escola pública de White Plains. Mas quantas décadas ainda precisaremos para reparar o perverso problema da escravidão, geradora do racismo/preconceito (ou teria sido o contrário, a velha questão do ovo e da galinha)? Ontem me pus a pensar sobre a questão novamente, quando fui colocar Romulito para dormir. Ele está lendo "As Aventuras de Tom Sawyer", clássico da literatura norte-americana, aliás, do mundo, escrito por Mark Twain. Resolvi ler algumas páginas com ele, em voz alta, quando me deparo com seguinte trecho: "- Ora, ele disse a Jeff Thatcher, e Jeff disse a Johnny Baker, e Johnny disse a Jim Hollins, e Jim disse a Ben Rogers, e Ben disse a um negro, que foi quem me disse. É isso aí. - Ah, foi, é? Todos eles mentem. Só não sei o negro, pois não conheço ele. Mas nunca vi um que não