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Mostrando postagens de 2023

Invocação das magas

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"O coração batia num alvoroço doloroso e úmido  como se fosse atravessado por um desejo impossível.  E a vida do dia começava perplexa."  (Clarice Lispector em O Lustre) A consciência de que lançar um livro não é ser escritora. Outro beijo no asfalto. Articulações em transe, o masculino fragmentado. A gueixa soterrada. Daqui para frente, outras palavras. E agora, Luciana? Eu vim te dizer que o tempo realmente traz algumas respostas e acalma a alma. Que eu quero plantar algumas sementes que me brotem serenidade e menos angústias existenciais. Quero manter um vento fresco na cara, um frescor pueril de acreditar. Não pretendo me tornar cínica. Acho que devo encontrar os tais objetivos submersos. Ficar em paz com os meus nãos. Não carreira, não literatura, não mais filha, não mais mãe indispensável, não mais sereia jovem desejável. Preciso da força do leão que me rege e da fluidez do peixe que me habita. Um renascimento nestes outros 50 anos que, teoricamente, tenho a seguir. E

Presentim de Natal

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"Disfarço de excesso tudo que me falta" (Fabiana Motta) Menina que junta os retalhos da paternidade perdida antes da linguagem, qualquer fiapo serve de alinhavo para a fabricação das memórias tão caras e tão fartas a tantos. Imagino se não é por isso que escrevo em desmedida, para compensar o que me foi negado pela ausência de palavras, de convívio com uma mãe antes da viuvez, com irmãos ainda em tenra idade, como uma família convencional, pois essa normalidade faz bem, torna o caminho menos turvo. A prima Tiana, belo apelido para a neta batizada com o nome da avó Sebastiana, também morta antes do seu nascimento, antes do meu e de todos os netos, há muito queria me contar uma lembrança. Eis que o tempo se configurou para ser agora, nas nossas meia-idades. “Prima, seu pai colocou todo mundo na kombi, a gente ia para Trindade, a tia Maria grávida de você, com um barrigão já. Ele colocava a gente pra cantar, tio Rondon gostava de cantar. A música era uma tal de Pena Verde, “pena

Benevolências

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Queijo, mel, doces e cachaça. Aí, não é preciso mais nada nesta vida.  Milton, Beto, Lô, Venturini e a galera da esquina toda singrando comigo as curvas de Minas, cafezais e currais, abrem um buraquinho de chumbinho no coração passarinho: “não tem jeito, hoje tenho que chorar”. Escorre o filete de sangue, acontece o milagre da transformação da água em vinho. “Beber o vinho e renascer na luz de cada dia”. Sabor e fé. “Essas músicas são todas iguais”, insulta o caçula. Heresia. Perdões para ele. Pelos Campos Belos e Cambuquiras, as Candeias brilham na manhã de um “domingo qualquer, qualquer hora, ventania em qualquer direção”. Me repito neste retalho do que é meu e do que não é meu. Uma mestra me disse que eu devia seguir na semiologia. Prefiro as mineiridades, sempre fingidora de ser o que não sou. Jantei Poke, sonhei com o México e acordei em Três Corações. “Terra, és o mais bonito dos planetaaaasss”... “Ei, essa música cai no PAS!” O sino badala, ó glória! Estamos diante da mísera p

Bonecas

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Guardar um pouco do Tempo nos textos. (Leda Cartum) A Barbie desconstruída no calçamento de pedras caóticas. Olha para o chão, tensa, enquanto um garoto-corsa vem na direção contrária saltitando leve. As pedras não estão no meio do caminho dele, mas no dela. As pedras apavorantes, escorregadias, o prenúncio do tombo. O trauma dos estabacos, das cirurgias e, o mais mórbido, dos excruciantes processos fisioterápicos. Chuvisca e o limo é uma armadilha. Ela fica para trás da multidão diligente, “sempre em frente, não temos tempo a perder'. Sente a noite dentro dela. Flashes dos trovões lhe alumiam e lhe escurecem as ideias. Liga e desliga; coitos e contos interrompidos. Interruptor em curto ou surto. Lembra do papo sobre o cancelamento do verbo esclarecer. Nada a ver. Não enxergo conotação racista. Cegueira branca?  Esclarecer é acionar a luz elétrica em cima de um tema qualquer, acender os holofotes. Sorriu besta, concordando consigo. O caminho se torna solitário até que a mulher desc

Party Paraty

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Se o meu Riacho é fluente Há de secar — Se o meu Riacho é silente Ele é o Mar — (Emily Dickinson) O passeio turistão de escuna pela baía de Paraty é um microcosmo interessante. Da velhinha cantarolando Legião Urbana à balzaca que pulou no mar pela primeira vez e dividiu sua emoção com a mãe - e quem mais quisesse ouvir - numa chamada de vídeo. O casal obeso e grávido dos mais apaixonados já vistos. Famílias grandes, casais, grupos de amigos, quartetos. As bat fotografias nas poses óbvias, mas também alguns registros esdrúxulos, como o de uma jovem fazendo a postura da ponte, de biquíni, no meio da areia, para o click da posteridade. (Só me lembrei da personagem possuída de O Exorcista). Pagode por 5 horas (provação), rock pop por meia hora, já no retorno (evitou que eu pulasse do barco em atitude definitiva). A água não se decidia: seria verde azulada ou azul esverdeada? A ilha concedida a Amyr Klink, ao proprietário das duchas Lorenzetti… O oOoOOh coletivo ao vermos os golfinhos. Moj

Arrastão

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Canção de ninar À cama, tamborila o travesseiro imitando as batidas do coração captadas pelo ouvido esquerdo. O corpo em posição fetal. Recordou a infância dividindo o dossel com a amiga. Naquelas noites de confidências, as tramas da feminilidade eram urdidas.   A amiga ninava a si mesma com um embalinho suave. À época, achava o ritual engraçado, mania estranha. Não imaginava que suas futuras madrugadas seriam insones. Que necessitaria de tantos artifícios para aplacar seu espírito sonâmbulo, as almas penadas de estimação. O colchão é pequeno para tanta resistência.  Rimas pobres Alva alma Sabores amores Étnico ético Fricção ficção. Orquestras eteceteras. Noite notes anotes as estrelas restantes. Autofricção Ontem conversávamos sobre o ato de chorar ou de não chorar.  Vontade de chorar, chorar demais, por qualquer coisinha. Chorar de menos, precisar chorar. No quesito choro, Cat Stevens/Yosuf é fatal. Ouço e choro.  Lágrimas quentes perpassam o rosto, deságuam no pescoço. Sinto saudade

Horizonte de Eventos

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Reservam a data!!! Em breve, minha vida serão três livros abertos + 1 blog!  Bora proclamar a República da Poesia de Brasília na noite de 16/11?  Espero velhos e novos amigos para um abraço poético no "Horizonte de Eventos"!  Só venham e tragam seus afetos! Postiça A nova natureza da cidade É a brisa morna da tarde. Adentra pela janela o vento incomum, quente, ardente dos sertōes de Euclides. Mais perto:  vapores escaldantes das nascentes infernais  de Caldas Novas. As pedras do calçamento escravizado de Pirenópolis estão aqui.  A nova natureza da cidade  é praiana sem praia. Ventiladores sonolentos  moscas mortas. Pingos condensados despencam das máquinas. Ruídos brancos evocam:  o tempo da friagem chuvosa já tarda demais.  A nova natureza da cidade é artificial. Clarisseanas Tia, você vai na minha peça? Cláááro, não perco! E você vai no lançamento do meu livro, né? Quantas coisas legais em Novembro… Tia, você vai ficar famosa? Taí, acho que não, Clá. Mas existiram escritora

Vicissitudes

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Pellanda, escritor curitibano que acabo de conhecer, diz que passarinho é matéria indefectível de crônicas geralmente bonitinhas. E as baratas, seriam inspiração para o esgar inimaginável? Deve ter entrado pelas janelas escancaradas no terceiro andar. O calor até então desconhecido para os habitantes da cidade, também lhe acometeu da pior maneira. Quedou-se, serena ou esgotada, sobre a esquadria branca. Quem primeiro notou a presença dela foi a gata, que começou a saltitar, indócil. A felina escalou os objetos do chão rumo ao teto crente que alcançaria o bote fatal. Acompanhei o intento e dei de olhos com ela. À certa distância, minha miopia divisou apenas um ponto escuro em destaque na alva moldura. Ó, uma cigarra desgarrada da sua árvore-natal! Aproximei-me desarmada e se tratava de uma barata. Sem poética, sem canto, muda, repulsiva, horrenda. O asco de sua presença tomou a casa inteira de assalto. Fugi dali em pavoroso grito. Alguns minutos de histeria coletiva deram lugar à reação

Mães&filhos

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Na falta de travessas de fato, passeamos pela Travessa de estantes. Mãe e filho estão na parte infantil e procuram algo específico: acho que não tem nenhum livro sobre peixes, meu filho. A pisciana a postos em mim foi imediatamente fisgada pela conversa, como assim? Ah, tem um da Clarice chamado “A Mulher que matou os Peixes”, mas acho que não é bem isso que ele quer, né? A mãe ficou temerosa, se aproximou do filho como se eu fosse uma ameaça real à integridade física do garoto. Ele quer um livro que tenha os nomes dos peixes, afirmou com antipatia atroz. Percebi que havia atacado de bisbilhoteira e resolvi desanuviar: Peço desculpas, é que eu escrevo e gosto de literatura infantil. Por isso estou aqui pensando em algo que agrade ao seu filho. Seria uma pena sair da livraria sem um livrinho para ele. A mãe fez uma cara menos hostil, mas só um pouquinho menos. Desisti. Teria indicado o poético “Diário das Águas”, de Gabriela Romeu e Kammal João. E, claro, o delicioso “Banho!”, da Marian