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Mostrando postagens de dezembro, 2023

Invocação das magas

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"O coração batia num alvoroço doloroso e úmido  como se fosse atravessado por um desejo impossível.  E a vida do dia começava perplexa."  (Clarice Lispector em O Lustre) A consciência de que lançar um livro não é ser escritora. Outro beijo no asfalto. Articulações em transe, o masculino fragmentado. A gueixa soterrada. Daqui para frente, outras palavras. E agora, Luciana? Eu vim te dizer que o tempo realmente traz algumas respostas e acalma a alma. Que eu quero plantar algumas sementes que me brotem serenidade e menos angústias existenciais. Quero manter um vento fresco na cara, um frescor pueril de acreditar. Não pretendo me tornar cínica. Acho que devo encontrar os tais objetivos submersos. Ficar em paz com os meus nãos. Não carreira, não literatura, não mais filha, não mais mãe indispensável, não mais sereia jovem desejável. Preciso da força do leão que me rege e da fluidez do peixe que me habita. Um renascimento nestes outros 50 anos que, teoricamente, tenho a seguir. E

Presentim de Natal

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"Disfarço de excesso tudo que me falta" (Fabiana Motta) Menina que junta os retalhos da paternidade perdida antes da linguagem, qualquer fiapo serve de alinhavo para a fabricação das memórias tão caras e tão fartas a tantos. Imagino se não é por isso que escrevo em desmedida, para compensar o que me foi negado pela ausência de palavras, de convívio com uma mãe antes da viuvez, com irmãos ainda em tenra idade, como uma família convencional, pois essa normalidade faz bem, torna o caminho menos turvo. A prima Tiana, belo apelido para a neta batizada com o nome da avó Sebastiana, também morta antes do seu nascimento, antes do meu e de todos os netos, há muito queria me contar uma lembrança. Eis que o tempo se configurou para ser agora, nas nossas meia-idades. “Prima, seu pai colocou todo mundo na kombi, a gente ia para Trindade, a tia Maria grávida de você, com um barrigão já. Ele colocava a gente pra cantar, tio Rondon gostava de cantar. A música era uma tal de Pena Verde, “pena

Benevolências

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Queijo, mel, doces e cachaça. Aí, não é preciso mais nada nesta vida.  Milton, Beto, Lô, Venturini e a galera da esquina toda singrando comigo as curvas de Minas, cafezais e currais, abrem um buraquinho de chumbinho no coração passarinho: “não tem jeito, hoje tenho que chorar”. Escorre o filete de sangue, acontece o milagre da transformação da água em vinho. “Beber o vinho e renascer na luz de cada dia”. Sabor e fé. “Essas músicas são todas iguais”, insulta o caçula. Heresia. Perdões para ele. Pelos Campos Belos e Cambuquiras, as Candeias brilham na manhã de um “domingo qualquer, qualquer hora, ventania em qualquer direção”. Me repito neste retalho do que é meu e do que não é meu. Uma mestra me disse que eu devia seguir na semiologia. Prefiro as mineiridades, sempre fingidora de ser o que não sou. Jantei Poke, sonhei com o México e acordei em Três Corações. “Terra, és o mais bonito dos planetaaaasss”... “Ei, essa música cai no PAS!” O sino badala, ó glória! Estamos diante da mísera p

Bonecas

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Guardar um pouco do Tempo nos textos. (Leda Cartum) A Barbie desconstruída no calçamento de pedras caóticas. Olha para o chão, tensa, enquanto um garoto-corsa vem na direção contrária saltitando leve. As pedras não estão no meio do caminho dele, mas no dela. As pedras apavorantes, escorregadias, o prenúncio do tombo. O trauma dos estabacos, das cirurgias e, o mais mórbido, dos excruciantes processos fisioterápicos. Chuvisca e o limo é uma armadilha. Ela fica para trás da multidão diligente, “sempre em frente, não temos tempo a perder'. Sente a noite dentro dela. Flashes dos trovões lhe alumiam e lhe escurecem as ideias. Liga e desliga; coitos e contos interrompidos. Interruptor em curto ou surto. Lembra do papo sobre o cancelamento do verbo esclarecer. Nada a ver. Não enxergo conotação racista. Cegueira branca?  Esclarecer é acionar a luz elétrica em cima de um tema qualquer, acender os holofotes. Sorriu besta, concordando consigo. O caminho se torna solitário até que a mulher desc

Party Paraty

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Se o meu Riacho é fluente Há de secar — Se o meu Riacho é silente Ele é o Mar — (Emily Dickinson) O passeio turistão de escuna pela baía de Paraty é um microcosmo interessante. Da velhinha cantarolando Legião Urbana à balzaca que pulou no mar pela primeira vez e dividiu sua emoção com a mãe - e quem mais quisesse ouvir - numa chamada de vídeo. O casal obeso e grávido dos mais apaixonados já vistos. Famílias grandes, casais, grupos de amigos, quartetos. As bat fotografias nas poses óbvias, mas também alguns registros esdrúxulos, como o de uma jovem fazendo a postura da ponte, de biquíni, no meio da areia, para o click da posteridade. (Só me lembrei da personagem possuída de O Exorcista). Pagode por 5 horas (provação), rock pop por meia hora, já no retorno (evitou que eu pulasse do barco em atitude definitiva). A água não se decidia: seria verde azulada ou azul esverdeada? A ilha concedida a Amyr Klink, ao proprietário das duchas Lorenzetti… O oOoOOh coletivo ao vermos os golfinhos. Moj