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Mostrando postagens com o rótulo infância

Elementais

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Obsessões por peixes, por conchas e por águas insones. Impossível resistir às suas representações, ainda mais as singelas, como sonhos infantis. Gosto de tapeçarias. Fazem parte das memórias da minha meninice órfã de várias doçuras. A irmã dez anos à frente tinha todos os talentos que a mim faltavam e me eram caríssimos: tocava clarineta, lia partituras, desenhava, falava com gatos e com cachorros, costurava, projetava móveis, desfrutava de um "três em um" com dois toca-fitas e tecia belas tapeçarias. Nunca fez uma para mim. Era como uma das filhas da madrasta. Alimentava um ciúme rancoroso da boboca criança, a cria derradeira de uma mãe viúva, e não perdia a chance de me atormentar. Minha irmã foi abandonando a maioria dos presentes que recebeu da genética ou do destino. Um desperdício triste. Eu cresci sem qualquer dom especial, entretanto escrevo e meus males decanto. E também me alegro com uma peça bonita como esta, obra de uma poeta porreta contemporânea que já passou do...

Gigante gentil

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Um piano bem tocado é imbatível. Engraçado ter me vindo à cabeça exatamente este adjetivo, uma vez que não se bate num piano nem com uma flor. Quanto mais belamente acionadas as teclas, mais suave é, ainda que a composição exija vigor e rapidez estonteantes para mãos que parecem agir independentemente dos braços. Mãos autônomas como a Mãozinha da Família Addams (usei essa analogia antes, mas Renato Russo me absolve). Pois ontem foi uma noite sublime. A sala de teatro da Poupex é o que de melhor temos em Brasília no momento que parece infinito, quando o Teatro Nacional Cláudio Santoro segue agonizando em Eixo Monumental público. Som muito bom, cadeiras confortáveis, iluminação acolhedora, acústica idem, estacionamento amplo. Espaço perfeito para abrigar óperas, concertos, recitais e outras apresentações mais intimistas, apesar de não ser pequeno, muito pelo contrário. O único senão é ficar distante das paradas de ônibus e das estações de metrô. A plateia também estava de parabéns. Pou...

Epístola

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“O pequeno, sensível, insatisfeito, pisciano. Por que você não simplesmente aproveita? Eu não sei.” (Kurt Cobain) Coração miúdo  moído  estrangulado no aperto do laço. Vivo esgarçada, não nego. Suturo quando puder.   Pedra Azul (Roseana Murray) Nos dias em que acordamos do lado do avesso e tudo parece que vira abismo, basta comprar no Armarinho Mágico a pedra azul de mudar pensamentos. Segure a pedra com força e feito um moinho moendo palavras, tristeza vira alegria e dor vira poesia [08:45, 15/04/2024]  Amada ParaKarlola, bom-dia!  Que bom é começar a segundona com você me trazendo palavras tão bacanas. Sim, a felicidade não está no externo, mas dentro. Não digo nem felicidade, pois seria demais para mim. O contentamento está em mim, deve vir das minhas entranhas. Mas tenho um nó nas tripas danado. A tal "depressão branca", a ausência de ambos os pais na primeira infância. Um, literalmente, pois faleceu aos meus 11 meses. E da mãe, impossibilitada que estava ...

Horinhas de descuido

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No pó da obra  o visitante noturno deixou sua marca confuso com os obstáculos, cruzou a treliça de arame meia volta, parou, olhou saltou, seguiu o saruê.  (se não for um saruê, será o quê?) Suas patinhas na poeira de  paredes ao chão confirmam:   há vida nas ruínas. Lembra um passado não tão longe de pegadas do coelho de Páscoa fabricadas na farinha trilha de trigo rumo aos ovos de chocolate. A alegria das mãozinhas dos pequenos…  Naquele tempo não atinavam: coelhos são mamíferos.  Sextou tão brilhante, um dia de verão límpido, dissipado de incertezas. O caminhão do lixo seguia à frente. Depois da varredura pela minha rua, entrou no estacionamento do bloco A. Aguardava para dobrar à esquerda quando reparei num movimento anômalo com o canto de olho: um dos lixeiros saltitava veementemente no meio do asfalto. Não costumo sair nesse horário. Geralmente eu pego o caminhão da limpeza urbana entrando na minha rua. Olhei rapidamente para cima e deduzi que o...

Essas coisas todas

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Para Márcia Romão Recebi um TikTok de uma amiga da Associação das Bordadeiras de Penedo/AL e voltei duas décadas, relembrando uma historinha bacaninha vivida (e vívida) naquela cidade. Era 2004 e estava à espera do meu primeiro filho. Foi uma viagem meio sem sentido aquela, passando tão mal (talvez as passagens de avião já estivessem compradas). Só sei que foi assim, Bernardo e eu, os futuros pães de primeira marcha, perdidos numa noite de Natal em Maceió. Após uns dias na capital, começamos a explorar as redondezas. Alugamos um carro e partimos para Marechal Deodoro e Penedo sem nada saber delas - não eram tão banalizadas as informações naquele tempo que parece realmente longínquo. Que cidadezinha linda Penedo, toda colonial, às margens do mitológico Velho Chico. Quase me esqueci do tanto que enjoava, vomitava e me sentia fraquíssima. Não tinha disposição física, mas tudo ali me encantou. E me esforcei pra burro nas caminhadas. Um garoto logo se aprochegou na gente com autoridade de ...

Presentim de Natal

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"Disfarço de excesso tudo que me falta" (Fabiana Motta) Menina que junta os retalhos da paternidade perdida antes da linguagem, qualquer fiapo serve de alinhavo para a fabricação das memórias tão caras e tão fartas a tantos. Imagino se não é por isso que escrevo em desmedida, para compensar o que me foi negado pela ausência de palavras, de convívio com uma mãe antes da viuvez, com irmãos ainda em tenra idade, como uma família convencional, pois essa normalidade faz bem, torna o caminho menos turvo. A prima Tiana, belo apelido para a neta batizada com o nome da avó Sebastiana, também morta antes do seu nascimento, antes do meu e de todos os netos, há muito queria me contar uma lembrança. Eis que o tempo se configurou para ser agora, nas nossas meia-idades. “Prima, seu pai colocou todo mundo na kombi, a gente ia para Trindade, a tia Maria grávida de você, com um barrigão já. Ele colocava a gente pra cantar, tio Rondon gostava de cantar. A música era uma tal de Pena Verde, “pena...

Horizonte de Eventos

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Reservam a data!!! Em breve, minha vida serão três livros abertos + 1 blog!  Bora proclamar a República da Poesia de Brasília na noite de 16/11?  Espero velhos e novos amigos para um abraço poético no "Horizonte de Eventos"!  Só venham e tragam seus afetos! Postiça A nova natureza da cidade É a brisa morna da tarde. Adentra pela janela o vento incomum, quente, ardente dos sertōes de Euclides. Mais perto:  vapores escaldantes das nascentes infernais  de Caldas Novas. As pedras do calçamento escravizado de Pirenópolis estão aqui.  A nova natureza da cidade  é praiana sem praia. Ventiladores sonolentos  moscas mortas. Pingos condensados despencam das máquinas. Ruídos brancos evocam:  o tempo da friagem chuvosa já tarda demais.  A nova natureza da cidade é artificial. Clarisseanas Tia, você vai na minha peça? Cláááro, não perco! E você vai no lançamento do meu livro, né? Quantas coisas legais em Novembro… Tia, você vai ficar famosa? Taí, ach...

Mães&filhos

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Na falta de travessas de fato, passeamos pela Travessa de estantes. Mãe e filho estão na parte infantil e procuram algo específico: acho que não tem nenhum livro sobre peixes, meu filho. A pisciana a postos em mim foi imediatamente fisgada pela conversa, como assim? Ah, tem um da Clarice chamado “A Mulher que matou os Peixes”, mas acho que não é bem isso que ele quer, né? A mãe ficou temerosa, se aproximou do filho como se eu fosse uma ameaça real à integridade física do garoto. Ele quer um livro que tenha os nomes dos peixes, afirmou com antipatia atroz. Percebi que havia atacado de bisbilhoteira e resolvi desanuviar: Peço desculpas, é que eu escrevo e gosto de literatura infantil. Por isso estou aqui pensando em algo que agrade ao seu filho. Seria uma pena sair da livraria sem um livrinho para ele. A mãe fez uma cara menos hostil, mas só um pouquinho menos. Desisti. Teria indicado o poético “Diário das Águas”, de Gabriela Romeu e Kammal João. E, claro, o delicioso “Banho!”, da Marian...