Noves fora zero



“Nada tenho vez em quando tudo
Tudo quero mais ou menos quanto
Vida, vida, noves fora, zero
Quero viver, quero ouvir, quero ver...”
(Zeca Baleiro)

Pronto. O pânico da folha em branco. A crise criativa. Caço uma música da Adele no Youtube. Uma que não tenha sido esmagada pela repercussão exaustiva nas rádios. Busco inspiração melancólica. As coisas tristes sempre dão um caldo extra. Vixe, se eu fosse elencar todo o rol de perdas que experimentei, estaria pra lá de credenciada a ser uma autora densa de muito sucesso. 

Estranho como existe gente que vive sem música. Lá em casa, dizem que meu pai era deveras musical. Já mamãe, nada. Mas como a genética às vezes fala mais alto do que o meio ambiente, sempre necessitei de música para respirar. Não convivi com meu pai, mas ele deve ter me deixado essa herança legal, além da insônia, que mamãe nunca teve. Nobody is perfect. 

Que vozeirão tem essa menina gordinha de olhos expressivos! Dores de cotovelo da melhor qualidade... Garota tão nova escrevendo fossas de gente grande. Ainda bem que ela está ganhando dinheiro e glória com suas dores. Fico com pena de quem é assim tão sensível ao mundo. Eu também sou assim: fardo. E meu filho mais velho, tadinho, canhoto e roto igual à mãe... Todo sentimental, apegado às memórias com oito anos de idade. 

O mais novo, que inveja, liga o foda-se e age sempre como se a fila já tivesse andado há tempos. Veio ao planeta melhor equipado para as merdas da vida. Terá sido a prática de yoga até à véspera de seu nascimento? 

Nessa semana, meu primogênito se lembrou da minha madrinha, sua vovó-dindinha, e chorou. Ele tinha seis anos quando Jandyra faleceu e é a segunda vez que o vejo chorar de saudades dela. Na hora do jantar, do nada, tomando sopa de letrinhas. Tive de consolá-lo engolindo meus sentimentos confusos: Chora não, meu filho! Peraí, chore sim, se tá com vontade, chore! Não deveria ser permitido a nenhuma criança vivenciar perdas profundas tão cedo. A perda é uma das merdas da vida quando ela acontece tão antes de você ter músculos e nervos de aço. 




E aí ele soltou seu pranto e eu também. Enquanto eu lhe dava sopa na boca, com as mãos trêmulas de compreender que ele está passando por algo que eu conheço tão bem e não desejo para ninguém. Não, não é novela mexicana, é vida real. 

É vida que segue com suas cicatrizes doloridas, queloides e aderências. Você volta a rir, volta a achar que tudo vale a pena se alma não é pequena, volta a acreditar na felicidade, mas de vez em quando as marcas repuxam, latejam e lhe deixam bem claro que nunca mais nada vai ser límpido e suave como um dia foi. 

Ui, sei que estou mórbida, pesada para uma sexta-feira. Sexta é o melhor dia da semana e fui convidada para dançar forró hoje. Mas o que fazer com essa cena na sala de jantar? O que fazer com as lágrimas amargas de Petra Von Kan que deixei rolar sozinha no meu quarto tarde naquela noite? Ouvir Adele, escrever e aprender com o caçula que a nossa autocomiseração não merece muito crédito. 


Tema do post:

https://www.youtube.com/watch?v=vru0PeD_D18




Comentários

  1. Eu tambem nao vivo sem musica. E aquela Adele hein, quanta dor dentro de um unico coracao... Eu tambem queria ser como o seu caculinha... bola pra frente... ta esperando o que? continua andando... vai ficar ai parada chorando por que? ainda tem muitas risadas esperando pela a gente se a gente continuar andando...
    Eu queria ser tao diferente do que eu sou, mas eu sou oque eu sou. Fazer o que ne? Na hora do vamos ver eu sou eu mesma e nada mais!!!
    Beijos e um otimo forro hoje a noite!
    Eve

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  2. Ai...Adele é uma das poucas criaturas que conseguem me fazer levantar da minha estranha inércia musical atual. Que potência vocal, my god!

    Ai...um filho sensível, é tudo de bom, creia...

    A pergunta que não quer calar: Foi ao forró? rs. Qdo eu dançava forró, era legal. Minha tia me levava nas noites forrozeiras aí em Brasília, em 1900 e bolinha...rs. Eu dançava com qualquer um minimamente decente que me tirasse. Dancei até com um senhor da terceira idade uma vez...rs! Cê acredita que, ao final, ele exclamou: Mas você é uma exímia dançarina! Ha ha ha!

    Bjs
    Patty

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    Respostas
    1. Minhas caras amigas leitoras,

      não, não fui ao forró. Esse acontecimento + a péssima e longa reunião de trabalho que tive na sexta levaram a minha disposição por completo. Passei o fimde de bode e ainda estou de bode... Preciso de férias já!

      Beijocas,

      Lulupisces.

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