Bala perdida


Campus da UFG
Campus da UFG

E lá fui eu para Goiânia. A cidade já está se tornando uma espécie de segundo lar. Tô começando a perceber que estou cada dia mais goiana, menos brasiliense. Não dizem que depois de certa idade o seu ascendente astrológico torna-se dominante na sua personalidade? Talvez seja um caso análogo: as minhas origens estão mais marcantes na medida em que amadureço. Os 40 anos são mesmo um linha divisória. Não é lenda. A gente começa a se sentir diferente, gostar de coisas que antes não nos diziam muita coisa. 

Goiânia era só uma cidade quente e bonita na qual vários parentes moram. Agora sei que ela continua quente, mais bonita e civilizada com o passar dos anos e meu primo que mora lá é, encontro pós-encontro, mais importante na minha vida. Um irmão amado com quem compartilho fina sintonia. 

A capital do estado de Goiás sempre me acolhe muito bem. As pessoas são mais terra, são mais gente. Os transeuntes não são estranhos sem rosto. Os vendedores querem vender e fazem isso de forma irresistível. Há opulência em Goiânia? Sim, os prédios suntuosos que rodeiam o Parque Vaca Brava demonstram. Mas não há uma arrogância fria infiltrada na cidade. Brasília parece menosprezar qualquer cidadão que não tenha conquistado vaga em um concurso público para órgãos de peso. Até os servidores públicos do Executivo são tratados com certa piedade. É uma distorção de valores, sem querer fazer trocadilho.

Na capita da República, os altos escalões do serviço público acham que estão fazendo favor em ganhar salários aviltantes. As pessoas são de uma empáfia ridícula. O avião parece estar sempre de partida sem dar abraços de despedida. Brasilienses ou candangos se investiram de uma antipatia crônica. De um consumismo abominável. E eu sou brasiliense. Posso meter o pau. 

Ontem, li no cardápio do Beirute um texto que resume um pouco do que digo. O cartaz no lugar diz: “o bar que é a cara de Brasília”. E a escritora diz: “Brasília é que devia ser a cara do Beirute: um lugar democrático, descolado, simples, arejado, divertido e bem humorado”. Um lugar que não julga ninguém pelo salário, pelas roupas de grife, cargo que ocupa na Administração Pública ou carrão que dirige (esse adendo é meu). 

Em que momento perdemos o bonde da utopia? Sei lá, não vou ficar aqui renegando minha terra natal, mas não me sinto muito confortável para defender a capital do Brasil anymore. Acho que moraria em Goiânia de boa. Sinto-me mais humanizada lá do que aqui. 

Mas tudo isso é só para dizer que é bom viajar, nem que seja para a esquina. E Goiânia fica bem ali, depois da curva do Alá (Alá Goiânia!!). E na capital tão massacrada pelo gosto sertanejo e suas camionetes, também há espaço para cultura e produção de conhecimento. Participei de um seminário na Universidade Federal de Goiás (UFG), que tem um lindo campus repleto de matas preservadas e de macaquinhos eruditos. O evento foi muito interessante! Até os tais macacos-prego colocavam seus rostos nos vidros da janela, como se quisessem apreender a rica troca de ideias. 

Debatemos os dilemas da Comunicação; a cinefilia contemporânea; os discursos jornalísticos de guerra; glauberianismo: quem são as massas?; “O homem no papel desconfortável de eterno intérprete do mundo”; melodrama, imaginação e memória; narrativas da periferia: as novas vozes em ascensão e sexo e amor em tempos pós-modernos, com o cabeçudo (literal e metaforicamente) dissonante Luiz Felipe Pondé. 

Entre as mil coisas instigantes que ele disse, escolho essa para fechar esse falatório: “Eu tenho que fazer reparos nos meus textos. Quando os textos saem muito violentos é porque estava sem saco de fazer reparos. E aí eles saem como um tiro”. É isso aí: meus escritos são um tiro que, às vezes, acerta o alvo. Noutras, é bala perdida na escuridão. 



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