Desvairada mesmo!




Como é sempre bom rever São Paulo! Dá vontade de sacudir a cidade num longo abraço e apertar suas bochechas pálidas como se ela fosse uma sobrinha de quatro anos. Logo ela, tão madura e emancipada! Mas é que sinto esse amor familiar por Sampa. A emoção é genuína e juvenil, diria até mesmo infantil, quando revejo aquelas ruas, arranha-céus e pessoas descoladas.

São Paulo é um grande brinquedo sempre novo à espera das minhas investidas e descobertas. Para o bem e para o mal, Sampa surpreende e deixa suas marcas a cada revisitada. Essa é a diferença das cidades cosmopolitas: não há como sair incólume dos mergulhos. Entre de cabeça e haja fôlego. A aventura vai começar!

Dessa vez, fiquei hospedada na mítica Rua Augusta. Não tenho costume de ficar em hotéis em São Paulo, pois a casa dos amigos no bairro Higienópolis me acolhe com carinho. Só que estava com duas irmãs. Uma delas pagou minha passagem e a outra tinha reservas que iriam expirar no Augusta Boulevard Hotel. O lugar é simples, mas com excelente atendimento. Funcionários simpáticos e prestativos nos auxiliaram em tudo, inclusive na dicas dos melhores itinerários de ônibus.

Minha vida de sacoleira começou na quarta-feira mesmo. Deixamos as malas no hotel e partimos para rua Oriente, no Brás. Destino perfeito para quem está à espera da cegonha. No caso, minha irmã, que será avó pela terceira vez. Preços, variedade e insanidade consumista para os mais incautos. Batemos perna por horas no dia mais quente dos últimos anos em São Paulo. A temperatura alcançou 38 graus!

Às quatro da tarde, com fome, suadas e exaustas pegamos um táxi com nossas muambas: kit berço completo, carrinho, macacões, toalhas, lençóis de berço... Felizes, esperávamos chegar ao hotel em dez minutos, tomar um banho e sair para comer um lanche reforçado. Doce ilusão! O carro parou num engarrafamento logo ali na esquina, sabe? E ali ele ficou. São Paulo é São Paulo, gente. Qualquer notícia no Bom-dia, Brasil sobre quilômetros de congestionamento não é mera coincidência. 

Para deixar tudo ainda mais agradável, o táxi não tinha ar-condicionado. Francamente, deveria ser proibido qualquer transporte coletivo em cidade grande circular sem esse item indispensável à sanidade mental dos ocupantes. Sem falar que o taxista, figura ímpar, ouvia uma estação de rádio do Frank Aguiar (ou de algum grande amigo dele). Ai, ui, e os gritinhos do cantor misturados ao calor me transportaram para uma compilação dos filmes de Almodóvar. Eu era a Mulher à beira de um ataque de nervos, os Abraços Partidos, a Kika e o Fale com Ela ao mesmo tempo agora. 

"Eu sou amigo do Frank Aguiar. Eu toco sanfona!", gritava o motorista que, segundo minha irmã em estado de inanição, passava uma toalhinha no rosto pra enxugar o rio de suor e parafina que escorria dos cabelos. E o caldeirão do Hulk era aquele carro fervendo no sol quente. Agora eu já não era mais uma mulher, porém um pedaço de paio fervendo para dar gosto à feijoada. Uma cassoulet em pessoa! (Por que será que só conseguia pensar em metáforas alimentares?)

Já em processo de desfalimento, consegui pedir que o brilhantinado motorista abaixasse os ui, ai, fui, do Frank Aguiar. Uma hora e tanto depois éramos as duas mulheres que viraram suco despejadas na porta do hotel.

Na quinta, foi mais um dia de provação consumista. Rota: 25 de março. A tal, a famosa, a inacreditável 25! Agora com outra irmã insana a tiracolo. Duas para me mostrar que sempre cabe mais uma compra em mais uma sacola. Se você tem dedo mindinho que possa segurar, tá valendo!

Mais um dia de bateção de perna e aquisições variadas. Não resisti à loja de fantasias e halloween. Os meninos iriam delirar com tantas caveiras, aranhas e gosmas! Meu carrinho saiu com indumentárias de morte, mago e esqueleto. Também comprei uma legítima falsificação do Roberto Cavalli para deixar a minha miopia mais cool, sacas?

Ao menos o dia estava nublado. Pois tivemos de subir a ladeira Porto Geral arrastando os 500 quilos de artefatos culinários comprados pela minha irmã para a filha, que cursa Gastronomia. E o taxista, quem diria, não gostava do Frank Aguiar! 

Mas, assim como elas queriam consumir bugigangas, eu queria consumir cultura. Foi uma troca justa. Obriguei-as a frequentar o Teatro Augusta e a Sala São Paulo, além do Masp e do bairro Liberdade. Mas Sampa ainda reservava algumas surpresas... Saindo da Cantina Speranza, no Bexiga (prefiro a do Roperto, mil vez mais saborosa, na mesma rua, anotem!) pegamos um outro taxista maluco. Sei não, acho que o feriado de Finados abriu um portal para Alice no País das Maravilhas às avessas na Pauliceia, que nunca esteve tão desvairada!

Quando anunciamos Rua Augusta, o cara surtou! Pirou! Enlouqueceu! "Ali só tem puta, viado, maconheiro, bandido!!!!!!!!!!!!!!!!!! Eu não vou lá não!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Aquilo ali não é lugar de gente!!!!!!!!!!!!! E por aí foi. No começo, achei que ele estivesse de gozação com a nossa cara:

- O senhor está falando sério?

A resposta veio em outra enxurrada de impropérios, estresse pós-traumático e crises convulsivas. Parecia que a Rua Augusta era a sucursal do Vietnã. Apocalypse Now misturada à Nascido para Matar. Foi o suficiente para aterrorizar minhas pobres irmãs sugestionáveis e provincianas. Tudo bem que a Augusta sofre de dupla personalidade. Durante o dia, pacata. À noite, alucinada. Todas as tribos dos tipos mais bizarros e instigantes tomam suas calçadas e bares.Todavia o cara era puro preconceito, meu! 

Quando ele ameaçou deixar a gente no meio do caminho, eu tive de abrir mão da minha porção Zen e descascar o fulano. Resultado, ele nos deixou na porta do hotel, com o carro em movimento, praticamente. E eu tive de ficar até às duas da manhã elaborando aquela loucura toda com as minhas irmãs, pois elas não queriam mais colocar os pés para fora do hotel depois das seis tarde.

Noves fora zero, curti de montão ficar na Augusta! Adoro esses tipos urbanos que vivem sem ligar para figuras absurdas como aquele taxista. E ainda por cima conhecemos um restaurantezinho delicioso, transado e alto astral com comida cinco estrelas e preço de self service em Brasília: Athenas. Pratos gregos de comer ajoelhado!!

Se quiser pegar um cinema, tem o Cine Itaú por ali. Se quiser brecholar, tem. Se quiser loja de marca, tem. Se quiser sorvete, tem. Aliás, Sampa tem tudo para todo mundo. Uma cidade que você ainda compra coisas incríveis por 20,30, 40 reais. Basta disposição para garimpar e caminhar. Ou corra o risco de pegar um táxi Pague para entrar, reze para sair.


Leitura complementar:





Comentários

  1. Oi Lu, que loucura foi a sua viagem com a Marilena e a Marisa! Dei boas risadas! Adoro a forma que vc escreve....

    Beijos e uma ótima semana!!!

    Leila.

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  2. Oi Luciana,

    Voce sempre arranja uns passeios tao gostosos de fazer. Fiquei com invejinha do seu passeio a Sao Paulo porque eu adoro Sao Paulo, cidade 24 horas. So nao curti muito as compras no Bras e na 25 de Marco. Esse negocio de fazer "shopping" nao eh comigo mesmo. Quanto mais opcoes mais a minha cabeca entra em parafuso. Adoraria ter ficado nesse hotel na Augusta!Sao Paulo que me aguarde!!!
    Beijos, Evelyn

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  3. Luciana, tudo bem?

    Você é uma mulher de coragem. Você e a Eliane!! Têm a disposição de ir lá me São Paulo, e ficar andando por 25 de Março, Brás, Feira da Madrugada (sempre que a Eliane vai, vai de madrugada, e começa por aí.

    Daqui de Pirassununga, saem Vans e ônibus levando pessoas com esse propósito. Passam o dia, e voltam abarrotadas de coisas de necessidade duvidosa. É só pra "comprar" mesmo.

    Santo Deus!!

    Um beijo,

    Paulo.

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  4. KAKAKAKAKA. O Sidney teve o mesmo choque na Rua Augusta quando chegamos um dia às 23.30 h. E o buxixo estava só começando!
    Esse bar grego que você falou é um que fica duas esquinas acima do hotel em direção à Paulista? E que tem uma parede toda escrita em grego? É ótimo. Almoçamos lá uma vez. à noite quando inventei de ir jantar tinha até segurança na porta de tanta gente. Resultado, o Sidney surtou e resolvemos levar a comida para o hotel!!!!!Esse pessoal enraizado em Brasília é assim mesmo! Marcia

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  5. Caramba! Isso é quase um remake de algum trecho do filme "Depois de Horas"! rs. Humor negro claustrofóbico, desesperador, insólito. Ao menos vc não estava sozinha nessa...rsrsrs

    Bjs
    Patty

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