Pequena sinopse delirante


Encontrei esse texto (meu Deus, quantos mais eu irei descobrir nos fundos das gavetas?) datado de 22/05/92:



Desmontando "O Mágico de Oz" em 15 minutos ou como amolecer corações amargos:

Dorothy, 20 anos e desiludida. Classe média baixa, mora com os pais numa pequena cidade do interior. Tem um fusca e sua música preferida é "Pra não dizer que não falei das flores".

Certo dia, encampa violenta discussão com o vizinho após bater seu carango ao sair da garagem no carro estacionado em frente, de propriedade do mesmo. Várias agressões verbais depois, Dorothy parte com seu fusca a esmo. Com a cabeça quente, vislumbra uma árvore frondosa perto de um estacionamento. Pára, desce e deita-se à sombra. Adormece. 

Quando abre os olhos, encontra-se num grande deserto cinza. Assustada, sai à procura das coisas que estavam ao seu redor antes de cair no sonho. A árvore, o carro, a cidade haviam desaparecido. Desnorteada, caminha até esbarrar numa pequena mulher maltrapilha e luminosa. "Só posso estar no meio de um pesadelo. Até a fada é feia..."

- Uma verdadeira fada não tem vaidade. Você aprenderá que o que menos importa é o que se pode ver, completa a rota mulherzinha.
- Ué, você é capaz de ler pensamentos? 
- Os homens não sonham, não realizam, não desejam nada mais do que destruir a beleza e a riqueza dos bons sentimentos. Por isso estou assim feia e pobre como o coração dos homens.

A fada some como por encanto e Dorothy ouve a voz de narrador: Cuidado com as fadas com cara de santinha. Essas são as piores...

Dorothy segue sozinha pelo deserto. Surge uma encruzilhada e, com ela, o diabo.

- Não é meia-noite, não lhe chamei. O que faz você aqui, coisa ruim? Nem tente me tentar!
- Nem posso, Dorothy. Emburreci. Não tenho mais capacidade de enganar ninguém. Os homens me superaram na arte da dissimulação.

Chocada, Dorothy quer sair dali, mas não sabe que rota tomar. 

- Diabo, direita ou esquerda?
- Qualquer uma das duas. O melhor caminho sempre será o que você trilhar. E não me perturbe mais, tá?

Dorothy pega a trilha da esquerda, pois era canhota, e andarilhou até ver um anjo bem triste sentado à beira do caminho (sem BG da música do Roberto Carlos).

- Deixa eu adivinhar, anjo: você está triste porque se decepcionou com os Homens.
- Estou triste porque perdi meu coração, isso sim.
- Ah, mas que piegas... Como assim, perdeu o coração?
- Muita violência, muita agressão. Meu coração diminuiu, diminuiu, diminuiu e sucumbiu totalmente.

Dorothy se sentiu devastada, cansada, mas preferiu seguir explorando a duna. Estava a fim de acordar, mas o pesadelo não a abandonava. Envolta em seus pensamentos, não percebeu a aproximação de outra fada:

- Olá, linda jovem!
- Que susto! Você deve ser a fada-madrinha, não é?
- Muito bem!
- Não devo confiar em você!
- Como não? Sou sua fada-madrinha! Você não quer sair deste local triste e feio? Minha varinha te levaria a qualquer parte.
- Muito tentador, mas não devo.
- Por que não? Você não tem obrigação nenhuma de salvar a humanidade. Você não deve se preocupar com a maldade alheia. Viva a sua vida e pronto.
- Fugir? Eu devo fugir de tudo o que sinto de errado? Fugir de mim mesma, do meu egoísmo e da minha própria capacidade de ser má?
- Ó, mas quem lhe disse essas besteiras, menina? Não ouça seu coração. Ele já deve estar caduco, isso sim. Você não quer voltar para o seu fusca?
- Muito obrigada, mas não preciso de fada-madrinha. Você não passa de um remendo, arremedo, curativo mal feito nas minhas apreensões.

A fada desaparece roxa de raiva e Dorothy segue caminhando. Três quilômetros depois, exausta, se joga na areia e chora. Olha para o horizonte e sente medo e desesperança. Mas o que vem ali? É uma criança franzina que corre ao seu encontro. A guria se aproxima, ofertando um sorriso simpático e uma margarida: "Pra não dizer que não falei das flores".

Dorothy sorri e no momento que toca o caule da margarida, percebe que está novamente debaixo da árvore frondosa. Um policial está ao seu lado com cara de poucos amigos.

- A jovem deixou o carro parado em local proibido...
- Ô seu guarda, fica assim não. Nesse momento, um fada legal, um anjo e até o diabo devem estar chorando  a perda de mais um coração para o mau-humor.

O policial não entende nada, mas também não age. Dorothy pega o fusca amassado e volta para casa, feliz da vida.




Comentários


  1. Gostei muito do texto da Dorothy.

    Grande abraço,

    LARA MARIA ALBUQUERQUE E SILVA.

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