A dor dos MEUS filhos



Então ontem chegou o momento da revelação. Não foi premeditado, mas sim adiado por um, dois meses. De repente, entendi que era a hora de dizer, de contar aos meus filhos aquela angústia que, até ali, era minha e do meu marido. Talvez por ter lido ontem mesmo o texto brilhante da jornalista Eliane Brum chamado "A dor dos filhos". Sim, foi a gota d'água para eu abrir a torrente, pois era mais do que claro que não poderia resguardar meus rebentos dessa dor, mais uma, a primeira ou segunda de muitas que virão pela frente.

No banheiro, a água correndo, lavando a alma, contei ao mais velho:

- Meu filho, a tia Ju vai embora.
- Pra sempre?
- Não sei, meu filho, talvez pra sempre. Ela quer voltar para casa, quer ficar perto da família dela, na cidade dela.

Lágrimas se misturaram as gotas que caíam do chuveiro. Num lamento convulsivo, meu primogênito chorou a dor de perder alguém querido para o vazio. O vazio do "pra sempre". Ou do "nunca mais".

- Mas eu não quero que a tia Ju vá embora!, gritava, sufocado pelo barulho da ducha. 

Seu pequeno corpo tremia. Abracei meu filho sob a água, sofrendo por ele. Sabendo toda a dor que ele estava experimentando, pois era a sua primeira perda significativa. A morte da avó materna, dois anos e meio antes foi sentida por ele, claro. Mas de uma modo mais infantil. Em 700 e tantos dias a criança evolui bastante. Começa a separar o joio do trigo. Cria a consciência do ser e do estar e de quem realmente importa nessa vida. Tia Ju é um porto seguro para ele. A pessoa que lhe deu comida, afeto, roupas lavadas, banheiro limpo e até broncas diárias por seis anos. É quase toda a vida dele!

Nesse momento de intimidade total, nus de espírito e corpo, irmanados no banheiro, eu tentei consolar meu filho mais velho, sempre tão emotivo, como eu já fui um dia. Logo eu, que nunca contei muito com consolos. Uma desajeitada emocional... Enterrar, no nosso coração, alguém ainda vivo é paradoxal. Estava completamente exposta. E mal tive tempo de me refazer quando o pequeno irrompeu pela porta:

- Por que o Tomás está chorando?

Senta aqui, Rômulo, eu preciso lhe dizer uma coisa. Olhei em seus grandes e lindos olhos cinzentos e repeti a terrível notícia.

Meu caçula é um rei leão orgulhoso. Não gosta de demonstrar fragilidade. Seus expressivos olhos encantadores se tornaram turvos e melancólicos. Num fio de voz ele suplicou, virando o rosto para o lado, para que eu não presenciasse seu desconserto:

- Mas ela nunca mais vai voltar?

Aí não deu para segurar a onda de adulta, madura, mãe. Quem caiu num choro convulsivo fui eu, tomada por aquela dor daqueles olhos. Visão que nunca mais vou me esquecer. Rômulo não conhece a vida sem tia Ju. Imaginem só a dimensão desse vazio para ele... Talvez tão profundo como as perdas de minha mãe e  madrinha foram para mim. Afinal, eu também não tinha ideia do que era viver sem essas figuras essenciais.  Tia Ju - sem ciúmes e com muita humildade eu admito - também é mãe dos meus filhos. Às vezes até mais maternal, pois é ela quem lhes prepara o alimento temperado com amor e zelo todos os dias.

E assim foi a nossa noite, de abaladas constatações. Porém, não há o que fazer além de seguir nesse ofício impossível da pãeternidade. Procurando dar o melhor para os filhos, tentando livrá-los das ciladas do destino e tendo a certeza, nestes horas reveladoras, de que muito pouco podemos fazer para reverter o que tiver de acontecer. 

Ninguém é onipresente e onipotente. Somos falíveis. Descoberta a pólvora! Nossos filhos vão sofrer dores indizíveis assim como nós estamos sofrendo ao longo de nossas existências antes e pós-maternidade. Só resta a torcida para que elas venham em doses fragmentadas ao longo da vida deles. E que Deus seja cool, irado, maneiro e gente boa com eles como não foi comigo.

Se o Todo Poderoso pelo menos não me deixar faltar; não lhes deixar faltar o pai até que tenham as próprias ideias amadurecidas e fortaleza para levantar depois da queda, já me sentirei, por muitas encarnações, agradecida.

Leitura Complementar:

http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/11/dor-dos-filhos.html





Comentários

  1. Oh, no!!! Não posso ler.
    Já constatei que sou falível, não sou onipotente e nem onipresente. Ah, também não sei dar limites e nem tenho autoridade. Passearei pelo blog em temática mais suave e menos freudiana!
    beijos,
    Ana

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  2. Oi Luciana,

    realmente é uma barra. Quando a Larissa conta as coisas que tem passado na escola, nas mãos daquela liderzinha do mal, eu tenho vontade de ir até lá e agir como louca... Vociferar até deixar a garota em pânico ou qualquer ocisa do gênero. Mas como você disse... a gente não tem como proteger os filhos da vida. E por mais que seja difícil, precisamos tentar nos convencer de que é assim que eles crescem e amadurecem.

    Beijos,

    Lara

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  3. Lu,com certeza os seus anjinhos sentirão muita falta da tia Ju,mas diga a eles , que essa falta, será apenas da presença, da forma, do espaço físico que a Ju ocupa...em seus coraçõezinhos, o amor, a dedicação o carinho a eles dispensados pela querida tia, isso não se perderá jamais...quando forem adultos lembrarão com muita ternura desse ser que os nutriu,e todas as vezes que lembrarem dela sentindo esse amor, continuarão a ser nutridos,isso vale até para os que já fizeram a passagem.A energia gerada pelo amor, pelo convívio,isso permanece, aliás só isso permanece...
    Paz profunda...Namastê!
    Cynthia

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  4. Como é difícil não poder controlar as coisas, a vida e a cabecinha de nossos filhos. Ao menos os pequenos falam o que estão sentindo, pedem colo. Os adolescentes muitas vezes se fecham como ostras para os pais, filtram o que falam e às vezes vc vê o seu filho sofrendo, chateado ou bravo e ele não se abre para vc, só para os amigos ou só para a melhor amiga. E aí ficamos duplamente tristes, pelo filho estar sofrendo e por vc não poder fazer nada. No caso da minha filha, em função de todas essas coisas difíceis da adolescência, estimulei-a a fazer terapia... para minha alegria ela topou. Já que acredito tanto na importância da psicologia na vida das pessoas, tenho que colocar em prática né? Então lá no consultório ela tem o próprio espaço, um espaço mais neutro, para se colocar, falar de si, das angústias, mas também de coisas boas, compartilhando tudo isso com alguém responsável e profissional. Acho uma maneira super válida de ajudarmos a nossos filhos nos problemas da vida, sem interferirmos diretamente, principalmente no caso dos adolescentes, que não gostam nem um pouco de interferências paternas...

    Bjs
    Patty

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  5. Dizer o que depois disso, prima?

    Valdeir Jr.

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  6. Lú,

    adorei o texto, me lembrei das minhas dores...das dores da Mariana...que doem em mim muito mais....as minhas sei a exata dimensão que ela tem...agora a dor de um pedaço nosso...é mais sofrida...lembrei da dor do Pedro, com a passagem do papai...nunca pensei que uma criança tão pequena percebesse toda a dimensão da passagem...não sabia a forma de conforta-lo...foi doloroso demais...todos tão fragilizados ele aprendeu a curar ou abafar sózinho...infelizmente as dores fazem parte do nosso crescimento...temos que ensina-los que tudo é passageiro...e a vida sempre muda pra melhor...que a saudade é um sentimento dolorido a principio mas com o passar do tempo se torna em momentos muitos bons de serem lembrados...Força ai, minha prima!

    Bjs em todos!!! Obrigada por essas palavras!

    Renata.

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  7. É Luciana,
    deu pra sentir o drama dos meninos. E e o seu também.
    A tia Ju vai deixar saudades.

    Um beijo,
    Paulo.

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  8. Oi,Lú!

    O texto de hj me emocionou muito. Lindo!! Não conhecia essa sua habilidade maravilhosa. PARABÉNS!! Sabe, também sou pisciana...

    Beijocas e mais uma vez obrigada pela presença e pela ajuda no domingo.

    Vládia

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  9. É Lú...

    Não podemos poupar nossos filhos de certas dores... Certo dia, o Murilo chegou em casa aos prantos por um acontecimento na escola por causa da "namorada", não sabia o que falar... Conversei muito... Tentei consolar... Mas só ele sabia o que fazer com aquele sentimento... E no dia seguinte parecia que não tinha acontecido nada. Eles são fortes e resolvem as coisas do jeitinho deles.
    Agora boa sorte pra encontrar outra tão especial quanto essa Ju.

    Bjs.,

    Marina.

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  10. Eu, aqui, tentando bancar a durona, todos os dias, e me derretendo ao ler o seu texto, amiga.

    Como as dores dos filhos doem fundo... Ainda bem que na maioria das vezes são passáveis...

    Bjs,

    Ana Cláudia

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  11. Oi


    Não nos conhecemos,mas nos conhecemos; voce mãe de dois tesouros,
    Dói sempre não é mesmo? Até quando esses ollhinhos vivos e brilhantes já têm seus proprios tesouros para se preocuparem, filhos são pra vida toda...........
    À proprosito, meus tesouros são quatro lindas meninas (de 37 a 14)e tres maravilhosos varões (de 33 a 24) e já alguns frutos....
    Nos conheceremos no almoço de confraternização da Sanga do Yoga
    Um grande abraço, Já me apaixonei por vc...
    Pedrinha

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