Santo Graal lilás


Silêncio. O ninho está vazio. Nada de síndrome, só prazer em contemplar a luz que incide sobre o meu corpo deitado no tapete. Olho para o teto. Branco como minha cabeça sem horários, sem laços, sem culpas. Apenas sinto a leveza de ser senhora de mim dentro dos meus domínios.
"Toda mulher é uma rebelde, normalmente em revolta selvagem contra ela mesma”, disse Oscar Wilde com toda a inteligência do mundo. (Serão os gays os grandes reveladores da nossa alma aflita? Espero que eles também não sofram dessas angústias. É tão diáfano ser homem...)
Nós mulheres somos, de fato, as profissionais da autosabotagem. Hoje em dia mais ainda, porque multiplicaram-se os campos de atuação do autojulgamento impiedoso: casa, trabalho, casamento, maternidade. Ouço maridos amigos meus reclamando que as esposas não conseguem relaxar. Se estão com os filhos, preocupação. Se deixam os filhos, preocupação. A neura da culpa cede sempre às pressões in e out.
E então passo os olhos nessas indefectíveis matérias jornalísticas que procuram dar solução para diversos males crônicos: os dez mandamentos para se livrar da insônia, os segredos da felicidade das mulheres contemporâneas... Dá cansaço ver fórmulas que se investem de panaceia para as chagas gerais, todavia não resisto e releio. O poder das listas, das estatísticas...
Mas vislumbro algo de interessante nesta, pois fala de uma pesquisa (lá vamos nós com a tentativa de quantificar nossos sentimentos) que mostra ser o equilíbrio o santo graal das mulheres do século XXI. O caminho do meio é o maior anseio da mulherada adulta.  O resultado aponta que mais de 30% das mulheres consideraram o equilíbrio como parte essencial de uma vida plena.
O amor, segundo colocado, aparece na preferência de 11 %. E a tal felicidade é almejada por apenas 3% das mulheres. Pelo visto, deixamos de acreditar em existência de princesa da Disney, mesmo insistindo em decorar nossas filhas de rosa cintilante.
O equilíbrio. A balança. A gangorra. Dia e noite, lua e sol. Nossas dicotomias, nossas dualidades. O equilíbrio é plenitude. É escolher sem deixar o rabinho da culpa estrangulado na porta que se fechou. Lidar com os obstáculos e não se arrepender da rota defendida.

Optar sem deixar vestígios, sabe? Sei, mas eu mesma já me culpei tantas vezes... E cedi às cutucadas, femininas em grande parte, por não representar o que TODAS (os homens não perdem tempo com essas idiotices) esperam de mim.
Porém eu já descobri que o meu equilíbrio está na individualidade. Preciso ficar só, preciso fazer minhas coisas, preciso de espaço. Sem isso, eu piro! Então meu marido e meus filhos já estão acostumando que eu devo ser Luciana, pelo menos, na igual proporção de ser mãe, esposa e profissional. Eu não abro mão de mim de jeito nenhum. Não insistam!
Escolhi que vou ser assim: quadriband. Posso até desistir de ser esposa e profissional, mas de ser mãe (não dá, quem pariu Mateus que embale) e Luciana, jamais! Não levo jeito para devoções. Não idolatro nada. Não acho que maternidade é a vivência mais fundamental do planeta Terra. Muitas mulheres não procriam e encontraram seu ponto G do equilíbrio.

Acredito que o sexo é super estimado nessa era de simulacros (não creia você também nas lorotas das celebridades pseudoninfomaníacas). Não ponho fé que o casamento seja a única chave da felicidade do ser humano. Tudo é possibilidade, é busca.
Entretanto credito ao equilíbrio todas essas benfeitorias citadas acima. É o equilíbrio que faz você viver sem peso em qualquer uma de suas funções. Ele é difícil de se conseguir, ô se é, mas neste domingo pela manhã, quando eu tive uma sala vazia só para mim na qual o nada se tornou sólido em cada canto, eu me senti completa.

Pronta para receber meus filhos de volta, meu marido de volta, mas nunca desconectada do próximo momento Luciana.

Comentários

  1. Adorei seu texto, Luzinha, o achei tão maduro, sábio, redondinho e acalentador...

    AAAAAAAMO ficar sozinha, como estou nesse momento escrevendo aqui, não tem igual. Nasci sozinha, filha única, solitária, aprendi cedo a cuidar do meu próprio espaço, a tê-lo de sobra e a gostar disso, não é depressão. "Prá pedir silêncio eu berro. Prá fazer barulho eu mesma faço", como canta Rita Lee.

    Agora a culpa é sim uma companheira de todas as horas. Indesejada, gruda em mim feito esparadrapo. Essa culpa gera medo, muito medo de ser culpada pelas mazelas que atingem as pessoas que amo. E mesmo que eu não seja, não adianta, não é racional. Sou minha própria carrasca.

    Bjs
    Patty

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    1. Obrigada, Pattygirl!

      É que essas ideias também estão se acalentando, fazendo morada dentro de mim. Cada dia sinto menos culpa por ser o que sou como mãe, como mulher. Acho que meus filhos estão bem, crescendo sadios em todos os aspectos. Posso ser melhor? Sempre. Mas sempre respeitando meus limites e não me cobrando ou me deixando ser cobrada no sentido de "enquadramento" em padrões idealizados ou pré-estabelecidos. É isso aí.

      Beijos,

      Luzinha.

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  2. Luzita, que venha a luz do equilíbrio!
    Namastê
    Isa

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    1. OMMMMMMMM! Namastê, querida!! Vamos juntas nessa estrada, hein!!

      Beijocas,

      Lulupisces.

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  3. Realmente...

    O segredo é o caminho do meio.
    E este caminho é individual. O meio para mim pode estar num lugar totalmente distante do seu.

    Concordo que o sexo está superestimado mas não acredito nesta plenitude das mulheres que não tivera culhão de ser mães. Muito prático levar uma vida sem grandes compromissos. Muito materialista... Muito vazio...

    Mas cada um sabe de si...

    Busquemos o equilíbrio.

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    1. Ah, com certeza, Larinha! Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. O importante é abraçar o seu ser único e defendê-lo, ou seja, defender suas escolhas, seja quais forem.

      Eu escolhi ser mãe e ter minha individualidade preservada. Isso é difícil, claro, mas não abro mão das minhas viagens a dois ou sozinha, por exemplo. São escolhas. E elas vêm com ônus e bônus.

      Se alguém escolhe não ser mãe não significa que a vida está fácil e materialista. Às vezes a pessoa se envolve em tantas doações... Doa tempo, amor e dinheiro para pessoas carentes, cuida de gente da família... Sei lá. A vida não é só maternidade. É minha opinião.

      Ser mãe é muito complicado, Larinha! Não é pra qualquer um. E não estou fazendo nenhum julgamento de valor sobre esse "qualquer um".

      Você apostou todas as suas fichas na maternidade. É a sua escolha e ela lhe deixa completa. Mas, como você mesma disse, cada um é cada um e o caminho do meio para algumas mulheres têm o direito de ser diferente daquele esperado crescer e se multiplicar, certo?;)

      Obrigada pelos comentários assíduos! Eu sempre me espanto por ter amigas fiéis até nos comentários!!!:)

      Beijão,

      Lulupisces.

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  4. As vezes o telefone toca e a pessoa do outro lado da linha me pergunta o que eu estou fazendo. Eu estou no silencio olhando para o teto como voce descreveu no primeiro paragrafo. Mais nao eh isso que eu respondo, invento algo de ultima hora como organizando o armario.

    Me diga, quem eh que vai entender essa vontade de estar assim, sem fazer nada? Ninguem entende o fazer nada!!! Acho que voce entende:)

    bjs,

    Evelyn

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    1. Dear Eve,

      Entendo, sim, perfeitamente.

      Sabe, você sempre tem algo interessante a dizer. Quando comenta percebo sua luz e sensibilidade. Incrível como fica quietinha na sua, mas tem um vasto mundo interior... Ainda bem que somos amigas!

      Falando nisso, cadê o seu livro?


      Abraços do planalto central direto para White Plains!!

      Lulupisces.

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    2. Dear Luciana,

      Muito obrigada pelo seu feedback! Me deu até arrepios. De fato eu sou uma menina quietinha com um vasto mundo interior. Voce me descreveu muito bem :)

      O meu livro ainda esta dentro de mim. Escrevi, escrevi e escrevi. Cada vez que escrevia, eu sentia um entusiasmo muito grande dentro de mim. E a ideia gira em torno do que você mesma escreveu: uma menina quietinha, que não consegue falar, se expressar, entretanto tem uma história que ela quer contar...

      Depois que o meu cunhado foi internado, em meados de abril, a minha fonte de inspiração secou. Eu me dediquei mais a ele e os pensamentos sumiram... Estou esperando com calma as coisas se acalmarem...

      Eu gostei muito desse seu último texto! A cena que você descreve no primeiro parágrafo bateu tão bem comigo.

      Beijos,

      Evelyn

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  5. O ócio é extramente criativo, curto muito a solitude...esse domingo mesmo fiquei muito na minha, me permiti aproveitar os raios e o calor do sol,que banhava minha minha própria cama, me aquecendo nesse friozinho gostoso.Nada a fazer, dizer ou pensar, simplesmente ser , se entregar ao absolutamente nada.
    Penso ser muito importante essas pausas...revitaliza e nos conecta com um campo de infinitas possibilidades e potencialidades,pois deixamos nosso pote se esvaziar, para ser novamente preenchido, só que agora...Uau!com muito mais luz, clareza, equilíbrio.Texto muito inspirador Lu...bjão!
    Namastê
    Cynthia

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    1. É verdade, querida Cynthia!! Gostaria que meu marido Oscar entendesse a beleza do ócio criativo!!!

      Acho que eu sempre fiz isso, sempre fui muito contemplativa. Depois de 1 ano nos EUA sem a obrigação de trabalhar todos os dias, num esquema assalariado, eu percebi o quanto é importante criar essas brechas no dia da gente.

      Estou cutucando o Bernardo para ele se desprogramar um bocadinho!!!:)

      Beijão,

      Lulupisces.

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