A baba de Bruno


Era a primeira vez que Bruno ia ao zoológico. Lógico que ele estava animado, de pé desde cedinho e colado nas pernas da mãe. 

- Mamãe, é hoje que a gente vai no “zozojico”? 

A mãe sorrindo daquele pequeno de quatro anos respondeu que sim. 

- Mas trate de terminar seu copo de leite e esse pão com manteiga. E não se esquece de levar a maçã. Onde já se viu visitar os bichos com a barriga vazia? 

Do ônibus, olhando pela janela a cidade lá fora em seu domingo parado e cheio de sol, Bruno imaginava como seria legal encontrar os animais das historinhas que o pai contava para ele todas as noites, antes de dormir. 

- Mamãe, eu quelo ablaçar o leão, pode? 

Dois segundos depois, Bruno já tinha mudado de ideia: 

- Mamãe, o camelo é blavo? Eu quero subir no camelo. 

Nem bem tinha acabado de falar, pensou melhor e perguntou: 

- Mas mamãe, se eu puxar a tlomba do elefante ele não vai “gostá”, né? 

A mãe, rindo por dentro, mas com ar de seriedade, respondeu: 

Quando a gente chegar lá, que tal você perguntar: “Leão, você quer que eu te dê um abraço apertado? Camelo, posso montar na sua corcova? Elefante, você deixa eu puxar a sua tromba?” – Se eles responderem que sim, mamãe promete que deixa, certo? 

- Colcova? Bruno perguntou espantado. 

- Corrrrrrcova, Bruno. Lembra que seu pai já explicou que é aquele montinho que fica em cima das costas do camelo? 

- Ah, é mesmo. É muito equisitu.... Tadinho do camelo, é feio! Mas a cara de pena foi logo substituída por uma gargalhada. 

Na entrada do zoológico, a festa já estava instalada. Eram palhaços, balões, pipoqueiros, cataventos, bonés, bolas de todos os tamanhos e cores. Quem quer comprar pirulito? Quem quer comprar algodão doce? Mas a mãe de Bruno passou depressa pelas tentações e foi direto para a área reservada aos animais. 

- Chegamos, filho! Por onde você quer começar? Ali está um macaco bem grande chamado orangotango. 

- “Olango”...Eu vou lá blincar com ele. Mas por que ele fica dentlo dessa celca, mamãe? 

- Nos zoológicos, cada bicho tem uma casa, seu espaço para comer, dormir e brincar com os seus companheiros. Você só pode brincar com ele daqui de fora. Ele é tímido e prefere ficar do lado de lá da cerca. 

-Então eu não quelo não. Vou achar o leão. Vou ablaçar o leão. 

Chegando ao espaço do leão, Bruno encontrou o rei da selva sonolento, com suas imensas patas para cima, tomando sol acompanhado por duas leoas. 

- Ei, leão, me dá um ablaço? Nada de resposta. 

- Leão, aqui, olha aqui ó, sou eu, o Bruno! gritou. 

- Mãe, ele é surdo? Ele nem olhar aqui pla cima... 

- Fica triste não, filho. Os bichos, assim como as pessoas, às vezes preferem ficar quietinhos, curtindo um pouco de silêncio e paz. Mande um abraço pra ele daqui. Tenho certeza que ele vai ficar contente. 

Um pouco desapontado, Bruno decidiu seguir a sugestão da mãe e mandou um abraço bem apertado, com carinho dobrado lá para as bandas do leão dorminhoco. 

- Mãe, e na casinha ali da flente? É o jacalé que mola naquele lago? 

-Esse bicho você ainda não viu nos livros que o papai lê para você. Ali mora o hipopótamo. 

- “Hipopomo...” 

- Hipopótamo, querido. 

- “Hipopotomo”. Que nome englaçado! E Bruno correu curioso rumo ao lago onde vivia aquele bicho que ele nunca tinha visto. 

Mas chegando lá, cadê o bicho? Só tinha água, água e água. 

- Mãe, o lago está vazio. Acho que o “hipopotomo” foi passear. Pla onde ele foi, mamãe? 

- O hipopótamo gosta muito de ficar embaixo d’água. Ele mergulha e fica um tempão lá embaixo, no fundo do lago, só pensando na vida. 

- Pensar na vida dentlo da água? Como é que ele faz isso? 

- Acho que é a mesma coisa que pensar na vida fora da água: imaginar, sonhar, acreditar que a gente pode fazer muitas coisas legais, lembrar dos amigos, da vovó e do vovô, tentar resolver um problema, encontrar um brinquedo que estava perdido, fazer um pedido para o Papai Noel... 

E assim Bruno ficou ali, com suas mãozinhas apertando a cerca, com o olhar fixo no lago, pensando na vida do hipopótamo. De repente, dois olhos grandes surgiram na superfície do lago. Logo depois, uma boca gigante, a maior boca do maior bicho que Bruno já tinha imaginado, estava saindo do lago. Uma bocarra que derrubava água para todos os lados, bocejando de preguiça. E aí surgiu o corpo sacolejante, gordo, grande e cinza-escuro do hipopótamo bem na frente de Bruno. 

Paralisadas de temor e euforia, as mãos do menino seguraram com mais força a cerca. Bruno ficou com medo de cair. Ele queria sair correndo, mas também queria ficar e admirar aquele bicho tão diferente, tão bacana. 

Na dúvida entre correr de medo ou ficar de espanto, o queixo de Bruno caiu e deixou a boca do menino quase tão grande quanto a do hipopótamo. O queixo de Bruno caiu de maravilha. Caiu de surpresa e de encantamento. E um fio de baba transparente desceu lentamente da boca aberta de Bruno, que naquele momento era o menino mais alegre do zoológico porque conheceu um “hipopotomo” que sorria com seus dois dentões da frente. 

Fim

Comentários

  1. Que historinha gostosa Lu, nos remete à nossa infância,aquela fase de descobertas, recheadas de muita imaginação.Traz também pra mim recordação boa de quando os meus filhos eram peguenos...saudade...A mãe do Bruno se saiu até muito bem nas respostas.Conseguiu dar uma conotação diferente para o enclausuramento dos animais.
    bj.Namastê!
    Cynthia

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    Respostas
    1. SuperCynthia,

      Escrevi essa historinha em homenagem ao meu sobrinho Bruno, que hoje está com 18 anos. Estava com ele no zoológico nesse dia especial em que ele foi apresentado ao "hipopotamo". Nunca vou me esquecer da sua carinha de espanto e maravilhamento. Foi divina!!

      Ele ainda pegou uma época em que as coisas não eram totalmente escancaradas na internet ou na TV. Meus filhos não fazem mais essa cara de total espanto para nada. Eles são cotidianamente apresentados a tudo, não? Não deixa de ser um pouco triste.

      Beijão e obrigada,

      Lulupisces.

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