Esfíngicos




(...)Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis”...
(Chico Buarque)


Na infância, me imaginava arqueóloga, o sonho de conhecer as pirâmides do Egito. Cria-me muito aventureira. Era metida à exploradora. Colocava meus amigos da escola em expedições arriscadas pelos córregos da fazenda para chegar à borda das cabeceiras das cachoeiras. Por sorte, todos atravessamos a adolescência - apesar das ideias selvagens da anfitriã - sem encontros com cobras venenosas ou ossos quebrados.

Não sei qual foi o ponto de ruptura com a alma impetuosa de mochileira sem eira nem beira que havia em mim. Certamente a vontade de ser mãe, que se mostrou irreversível na década dos 30.
Jovem adulta, quis ser antropóloga. Percebi que gostava mais de entender o comportamento dos grupos sociais do que a ancestralidade dos objetos.

Atualmente, sem ter realizado ambos os desejos profissionais, voltei a me sentir como uma espécie de arqueóloga, caçando, na dezena de mensagens que respondo todos os dias, fragmentos, ecos, vestígios de entendimento (da antiga civilidade no idioma) em frases mal formuladas.

É preciso pegar aquele pincel para espanar camadas e camadas de pó das palavras que não exprimem seus conceitos à primeira, à segunda ou à terceira leitura. Escavar a dúvida central, separar o joio do trigo, a fim de encontrar o artefato valioso escondido em orações sem clareza.

Trabalho meticuloso num país onde o Judiciário é maior e mais profundo do que o Vale dos Reis. E, ainda que boa parte dos advogados acredite descender dos faraós, não passa de tuaregues na cartilha da redação inteligível.

Outra opção é atacar de psicóloga ou pedagoga e tentar captar o que subjaz no corpo do texto. Compreender o mecanismo de pensamento da criança ao formular a pergunta que permanece subentendida. Acessar o nível subconsciente do que o emissor “quis dizer”, mas não o fez.

Eu solicitei, em vários semestres, disciplinas na graduação de Psicologia quando cursava Comunicação, mas nunca consegui. Taí, agora preciso das ferramentas e não tenho.

Junta-se à complexidade da interpretação textual implícita, a inexperiência de uma aprendiz de Indiana Jones na maturidade. Quem diria que me tornaria, após 25 anos de Tribunal, uma senhora estagiária (senhora longe do sentido metafórico, infelizmente).

Só me resta respirar fundo e cantarolar "não se avexe não, que nada é pra já, e-mails serão sempre decifráveis"…

Foi mal, Chico.

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