Correio Elegante



Despir o anonimato das cenas cotidianas. Trazer à tona. Expor a própria rotina sob um olhar ácido ou bem-humorado. Delatar imagens ordinárias com pinceladas poéticas. A crônica conta a história mundana, óbvia, trivial. Não utiliza artifícios estilísticos, complexidades de enredo, clímax e anticlímax. Seu trunfo está em ser empática com as agruras e as delicadezas experimentadas por todos, porém reverberadas por quem tem olhar deferente para a fatalidade das horas.


Nesse ponto, esbarra na poesia e na fotografia. Instantes pueris, às vezes dramáticos, captados em palavras e em imagens fadadas à inexistência. O tema da crônica tem começo, meio e fim. A situação passa, vira outra história a ser contada. “Amanhã vai ser outro dia”... 


Injustamente, é um gênero considerado “fácil’, “menor”. Esquecem-se de que foram grandes cronistas como Rubem Braga, Clarice, Fernando Sabino, Drummond (olhaí intersecção com o poema) quem formaram legiões de leitores e de novas gerações de escritores.


Acho que a crônica tem a cara do polaroide, do instantâneo, da surpresa esquematizada em frases curtas em primeira, terceira pessoas. Por isso é fiel companheira dos jornais impressos, que nascem com o intuito de fenecer em 24 horas. Borboleta. Passa amarela e deixa a lembrança de sua fluidez*.


Por exato motivo, a crônica é o estilo on demand no mundo vertiginoso e fugaz das redes sociais. Ao lado da poesia e do mini e microcontos, poucos parágrafos e alguns versos adoçam ou coalham a percepção. Ressignificam o banal. Estremecem o modus operandi autômato das obrigações diárias. Perturbam a superficialidade do lago de memes e de mesmices. Tiram o indivíduo da sua bolha platônica, pois o cronista também denuncia, espeta. A amenidade se reveste de profundidade. Espanta.


A crônica vive um dia de cada vez. Pode parecer simples, mas sabemos o quanto é complicado atravessar as noites contemporâneas sem ansiedade.


* A Borboleta Amarela, crônica de Rubem Braga






Comentários

  1. Minha amiga, que elogio à arte da crônica!!!!
    Perfeito, poético, didático... Adorei!

    Ana Cristina de Aguiar

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  2. Simplesmente sensacional!!! Que bela definição! Penso exatamente assim e é tão maravilhoso ver alguém que consegue descrever esse sentimento. Eis o prefácio do seu próximo livro, hein?

    Ana Gabriella Santana

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  3. Sou sua fã!
    Borbolete-se, peixinho!

    Djelaine Castro

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  4. Adoro crônicas! No meu entender, o cronista tem que ter olhos afiados, além do dom da escrita. Você tem.

    Karla Liparizzi

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  5. Amei! Amei! Amei!

    Juliana Brandão

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  6. Elegante definição em suas palavras.

    Leila Brandão

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  7. Na espera da exposição de fotos e textos pós pandemia. Parabéns Lu.

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  8. Poético e lucianesco.

    Márcia Romão

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  9. Perfeito! E para o leitor das crônicas (KKK, a necessidade de ser inserida nesse contexto, mas vamos lá, você escreve lindamente assim para ser lida!). Há qualquer coisa que expande, que abre um espaço-tempo que nos faz, nas breves linhas, morar no texto por alguns segundos. É exotérico esotérico simultaneamente. A mim apraz muito!

    Bianca Duqueviz

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  10. Oh Lu, que presente nessa linda manhã luminosa cheia do mesmo e de singularidades, a sua crônica é um filtro para o belo!

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  11. Imagina se crônica não fosse poética! Definição maravilhosa e devo confessar que depois de Rubem Fonseca, você me fez voltar às crônicas, as suas!

    Ângela Sollberger

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  12. Amei!

    Maria Helena Andrade

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  13. Tô meio borocoxô hoje. Foi bom ler seu texto agora, acarinhou.

    Clarice Veras

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