Bem-casados





Tornaram-se vizinhos.

Após anos morando na mesma cozinha, cada qual num canto, foram colocados lado a lado. Rapidamente se adaptaram à presença um do outro. Têm naturezas semelhantes: são velhos, já passaram dos vinte anos de serviços prestados. Os mais idosos dos eletrodomésticos da casa.

Nunca esmoreceram. Nunca foram parar no hospital dos consertos. Ela se despediu do jarro de vidro refratário, é verdade. Substituído por um de alumínio, uma vez que o original se trincou nalguma lavagem. Ele, ao contrário, segue original de fábrica.

Geminados, se complementam. Ela faz o café para acompanhar o pão de queijo ou a torrada que ele assa.
Telúrica essa vizinhança acontecida ao acaso. Ambos presentes de casamento de duas pessoas basilares na vida do casal. Duas madrinhas: Flávia e Jandyra. Essa, preta, deu a cafeteira preta. Aquela, branca, ofertou o forninho que já foi alvo. Entretanto, o encardido são as rugas de uma existência bem vivida.

A dupla receou ser descartada com a chegada de equipamentos mais modernos: máquina de expresso, fornāo Maximus da Fischer.

Ledo engano. Vão se aposentar só quando eles próprios quiserem. Enquanto isso, permanecem na ativa, irradiando o afeto das dindas que partiram, mas plantaram flores amorosas em nossos corações.



Comentários

  1. Excelente. O preço das coisas. O valor das pessoas.

    ResponderExcluir
  2. Poesia até nas coisas!!!! Esse seu olhar encanta nosso mundo hostil. Ainda mais nesse triste período que passamos !!! Obrigada por existir!!!!
    Sua fã n. 01

    Anna Gabis

    ResponderExcluir
  3. Genteeeeeeeeeer, vc faz poesia até com cafeteira e forno! Adorei!

    Djelaine Castro

    ResponderExcluir
  4. Gostei muiiiiiito!

    Cláudia

    ResponderExcluir
  5. Vc é d+!

    Eugenia Jardim

    ResponderExcluir
  6. Mas que presente!
    O título e a foto casaram tão bem , também
    Amei!

    Karla Lipparizzi

    ResponderExcluir
  7. O forninho manda bem, mas comprei uma máquina de fazer pão que arrasa. Vc taca tudo dentro, seleciona o programa e para que horas quer o pão. Bom demais!

    Lara Silva

    ResponderExcluir
  8. Li e tentei comentar, mas tá dando pau.
    Ia dizer lá o que te digo sempre aqui e você sempre joga lá.
    Ia te dizer que o texto é uma delícia e me lembrou essa gema do audiovisual brasileiro: *Reflexões de um liquidificador*
    Milagrosamente ainda não tiraram do catálogo da Netflix.

    Valdeir Jr.

    ResponderExcluir
  9. Esse forninho é o máximo. Quando mudei para Bauru, mamãe iria comprar um microondas, eu pedi esse forninho, foi tão útil, que sempre demos de presente. Aqui uso demais. Beijos ��

    Maria Heloísa

    ResponderExcluir
  10. Muito bom!

    Paula Mello

    ResponderExcluir
  11. Lindo, emocionante, obrigada querida Luciana Você escreve do coração do cérebro da pena que vale a pena. E saiba que também tenho até hoje um forninho deste. E que funciona muito bem até hoje. Esteve em casa até 2018, aí ganhei um de Natal de uma paciente e agora está com o Felipe no ApropriArte e casa dele.

    Guti Dib

    ResponderExcluir
  12. Muito bom! Forninhos são adoráveis.

    Ana Cristina de Aguiar

    ResponderExcluir
  13. Ando tão à flor da pele que fico logo emocionada com a história que os objetos representam!

    Bianca Duqueviz

    ResponderExcluir
  14. Você me trouxe à lembrança um programa de rádio que chamava-se “A alma das coisas”. Amei seu texto. Muito obrigada por refrescar minha memória e ainda por cima com essa gracinha de texto.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos