Hipóteses

Gosta de chá. Espantoso, ela sabe. Não tem ascendência inglesa. Não nasceu numa cidade de invernos frios. Também não veio ao mundo no Rio, pra ter fissura por mate gelado. Não desgosta, mas prefere a versão quente. Não sei o porquê dessa paixão. Talvez resida no misancene da xícara bonita, do pires florido ou com abstrações. Entretanto, não havia pires de porcelana na rotina da garota órfã. Talvez seja influência do livro Alice através do espelho ou da Coleção Vovô Felício. Personagens que tomavam chá com biscoitos amanteigados à mesa bem posta, elegante. Ou de algum filme da sessão da tarde que ela não se lembra mais. Porém aprendeu a gostar de chá. Não é comum entre os goianos, que preferem café e não perdem tempo com rapapés. A mãe comprava chá-mate por que ela gostava ou ela gostava por que a mãe comprava o mate Leão da caixinha laranja? Às vezes a mãe trazia um da caixa quadrada vermelha: tender leaf, "o único de saquinho", dizia a propaganda. Na década de 1970, no país do guaraná, era mesmo. Nāo sabia o que significava aquelas palavras noutra língua. Todavia, de tenro ou terno não tinha nada: era amargo. Preto. Preferia a erva marrom, paladar de mato, matuta. Agora atenta que a predileção pode ser coisa de vidas passadas, de uma alma cordilheira ancestral, o amor pela erva. Mate é coisa que índio cultivava desde os primórdios na América do Sul, não? Hipóteses. Apenas tem certeza de que gosta de mate. De deixar afundar o cream cracker na água escura até encharcá-lo. Por mais que a mulher conheça e aprecie tantos outros aromas e infusões, blends chiques, lojas especializadas em rooibos, hibiscos e especiarias, ainda é o chá-mate que acalenta, como nenhum outro, a alma da menina.