Infinitude
Brasília passou da meia idade. Não ficou incólume ao desgaste implacável do tempo. Ainda que tenha sido recauchutada aqui e acolá, com doses extras de colágeno do tipo concreto.
Rasuras, ranhuras, rachaduras avançam em seu rosto famoso. Há mesmo um comedão em sua bochecha do tamanho de um teatro. De longe, se nota apenas a protuberância. Por dentro, o cravo preto oxida na escuridão.
Há pouco, levou alguns tombos feios, estremecendo sua estrutura aparentemente perfeita. Precisou ser interditada para algumas rotinas. Foi um alerta terrível, mas serviu para que ela tomasse atitude e reforçasse outros pontos fragilizados de suas asas combalidas, contudo amplas e verdejantes, apesar dos pesares.
Brasília sessentona não imaginava atravessar tantos percalços. Sonhava grande, utópica por natureza. DNA forjado pelas expectativas da originalidade; do reflexo altivo do espírito humano livre, igualitário e fraterno. Cresceu ciosa de sua autenticidade.
O peso dos anos fizeram a beleza arquitetural cair em si. Reconheceu que um país não se faz com palácios e com politicagem e começou a reagir, a mostrar seu lado mais candango, repleto de dicotomias e paradoxos. Se tornou, enfim, humanizada, ela que sempre foi tachada de arrogante e fria.
Porém, foram necessários seis décadas e milhares de filhos de seu próprio ventre para lhe dar personalidade, caráter e dignidade. Não foi fácil amadurecer, claro. Por isso não esperava, logo agora, quando estava pronta para encarar de frente seu destino de liderança nato, quando já experimentara o iluminismo e a esperança, celebrar suas 60 primaveras coagida pelo reacionarismo.
A alma eternizada em pleno voo sangra. Seguramente não veio ao mundo para grilhões ideológicos nefastos. Ainda que a queiram enclausurada na mediocridade, ela promete não aterrizar.
Brasília sabe que seu destino é pairar acima das nuvens; é recriar rotas quantas vezes for preciso para alcançar os ideais que lhe são caros, impressos em seu corpo marcado por uma cruz; tatuado com centenas de azulejos e grafites.
O horizonte brasiliense será sempre infinito.
Que homenagem maravilhosa!!! Obrigada!!!
ResponderExcluirLuciana Barreto
Lulu, você expressou muito do que pensei e senti hoje!
ResponderExcluirDébora Cronemberger
Uau! Que textão! Palmas!
ResponderExcluirThaís Assumpção
Ficou bom esse texto, visse?! Partindo de uma boa análise tem-se bom retrato. Viva Brasília!
ResponderExcluirRe Osório
Que coisa mais linda, LUCIANA!
ResponderExcluirBrasilia com sentimentos de quem "tem o corpo marcado por uma cruz; tatuada por centenas de azulejos e grafites". Li, reli e voltei a ler... Todo o texto é arte+realidade!
Socorro Melo
Que textão tesão este! Bravo!
ResponderExcluirRodrigo
Bravíssimo!
ResponderExcluirKarla Liparizzi
Brasília é mesmo uma cidade especial, com todas e tantas contradições. Para mim, um destino para sempre de muita saudade, até por ter um filho que veio ao mundo sob a brisa do lago e desse céu ímpar. Linda crônica!
ResponderExcluirAna Cristina de Aguiar
Arrasou!
ResponderExcluirHermínia
Vejo que te incomoda essa onda reacionária, esses seres humanos feios que ocupam a cidade. Quanto a isso, não sei como reagir. Eles brotam...
ResponderExcluirParabéns!
Catarina França
Belo Texto!
ResponderExcluirRosângela Oliveira
Belo texto, Lu!
ResponderExcluirJuliana Meneses