Três Velhos Tristes






Ah, inclemente vírus que impinge à velhice um fardo ainda mais dilacerante.

O ocaso da vida nunca é leve. Envelhecer nos torna frágeis de alma e de corpo. As carências afetivas são constantes. Sabemo-nos dependentes como fomos quando crianças dos nossos pais. Mas não há mais pais. Há os filhos e os netos, nem sempre por perto. Às vezes não existe ninguém, talvez um sobrinho, primos de segundo ou terceiro graus.

Os medos dos monstros debaixo da cama e dentro do armário também estão lá como quando fomos crianças, porém, há a certeza de que eles não são mais do que a sombra da morte a nos espreitar, a falibilidade, a impermanência. Irei para o céu ou para o inferno? Lembrarão de mim com carinho ou destruíram minhas fotos? Brigarão pela minha herança ou farão as pazes que tanto almejei em vida?

Ser idoso no Brasil nunca foi vantagem. Uma sociedade jovem, vaidosa e frívola não tem reverência para com a maturidade, com as rugas e com as artrites. Somos impacientes e imediatistas. Envelhecer é lento e inexorável, portanto, os velhos nos lembram do que não queremos nem saber.

Que sacana esse coronavírus, obra de Narciso ou de Dorian Gray? Relega aos idosos o confinamento, o apartheid, a solidão das portas fechadas. Impede que eles desfrutem e se alimentem do contato físico com a juventude da própria descendência. É quase como se os obrigassem a sofrer de Alzheimer para se esquecerem de quem são.

Eu vi três velhos sozinhos, imersos em suas próprias aflições e me compadeci. Perdão pela crueza das palavras que regurgito. A atual existência lancinante da Terra não estava nem nos meus delírios mais sombrios.

Trava-coração.


Comentários

  1. Seu texto ficou ótimo - e nem tanto cruel assim. Grande abraço.

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  2. Lindo, atual e comovente!

    Maria Félix Fontele

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  3. Você foi exato ao ponto, LUCIANA! Texto lindo e realístico! Posso compartilhar? Já.

    Socorro Melo

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  4. Balançou o coração.

    Débora Cronemberger

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  5. Amei!
    Domingo fui à padaria. As pessoas estão indo à padaria para encontrar os amigos, e como não tem onde sentar p conversar, sentam-se nas calçadas. Muito triste essa doença. Ela faz as pessoas se manterem afastadas. As pessoas morrem sem poder se despedir.
    Ninguém consegue ficar tanto tempo assim afastado. Fiquei péssima de ver.

    Ana Claudia Loyola

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  6. No mês de janeiro, se não me engano voltava pra casa para almoçar e avistei uma senhora bem acima do peso, carregando várias sacolas, sol quente de 12h,, ela suava e caminhava com muita dificuldade e lentidão, pois também usava bengala. Ela atravessou a pista e ainda levou uma buzina de algum sem noção, fiz o retorno a frente e voltei para ajudar. A senhora começou a chorar quando percebeu que eu iria levar ela até em casa. Sacolas bem pesadas, com compras. Não aguentei e perguntei se ela não tinha filhos, ela sim, mas estão viajando, eu não vou pq sou um peso morto, dou muito trabalho. Gente, eu quase morri. Ela andaria mais de 1km ainda se não tivesse a ajudado. Não entra na minha cabeça filhos assim. Revolta.

    Anna Luiza Lima

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  7. Você é uma das minhas cronistas prediletas!

    Maria Eugenia Jardim

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  8. Que lindo!!!!!!

    Renata Assumpção

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  9. A paisagem, pelo menos, está bonita. A vitamina D garantida. E, quem sabe, um balançar de pernas maroto, no banco alto.

    Re Osório

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  10. Belíssimo texto, LuA! Realmente tocante... Toca a alma e o coração. Parabéns, desejo-lhe muito sucesso.

    Beijos saudosos e orgulhosos,

    Luciene Mesquita

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  11. Achei lindo o texto e a expressão "trava-coração".

    Clarice Veras

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  12. Muito bom!

    Luciana Hilário dos Santos

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  13. É uma realidade sombria mesmo, Loo. Os velhos deveriam ser imunes, para ao menos terem a tranquilidade de caminhar lentamente nas calçadas, receberem mais atenção nos bancos e comércios porque são os únicos visitantes, e poderem tomar posse das praças para prosear, contemplar, flertar e jogar cartas e dominó, sem relógio. Enquanto isso, os mais jovens aprendem...

    Ana Cristina de Aguiar

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  14. Você é ótima, prima!

    Márcia Carvalho

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  15. Adorei, Lu!

    Beijos,

    Ana Cecília Tavares

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  16. Palavras muito doloridas e verdadeiras.

    Denise Del Farra

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