Rá versus Pã

 
 
 
"Baby, compra o jornal
E vem ver o sol
Ele continua a brilhar
Apesar de tanta barbaridade"...
(Frejat e Dulce Quental)
 

Ah, os dias lindos de abril passam sem a imprescindível contemplação. What a waste! diria Drummond na versão bretã, pois me é evidente que ele sempre será Sir, nāo Mr.

Carlos, meu caro, você quem me chamou a atenção para a luminosidade única dos dias de abril, não suportaria uma quarentena sem buscar o pôr-do-sol. Evoco a sua compreensão, portanto. 
 
Mas não fui a única a escapar pela tangente da tarde lânguida. Dezenas de carros estacionaram na Praça do Cruzeiro. À frente, o cerrado quase nativo a emoldurar a amplidão do céu ocre e laranja. 
 
Por alguns segundos, pensei que fosse outubro em Nova Iorque (os matizes vibrantes eram os mesmos). Entretanto, é outono em Brasília, época aprazível, de brisa fria e de árvores ainda verdes.

Dirigi em velocidade abaixo do permitido na via, apenas para perceber o holofote solar nas fachadas dos prédios. O dia desmaiava em performance dramática. Astro do cinema mudo, crepúsculo de Rá.

Numa tarde assaz poética assim, 25 de abril, me casei. Era um tempo completo de ternuras familiares. Aquelas que gostaríamos de eternizar em porta-retrato. A fotografia de uma década singela e farta de almoços de domingo.

De lá para cá, tantas erupções. O mundo correu mais veloz do que a luz e as molduras ganharam bordas infinitas. Não é mais possível reter, enquadrar ou estancar os ritos de transformação do corpo, dos afetos, das famílias, das sociedades, dos países, do planeta.

O concreto abstraiu-se. Arte caótica, agressiva e incompreensível para os afeitos à abordagem mais clássica. Capricho de Pã(demia). 
 
 

Comentários

  1. Parabéns!! Lembro tanto de mamãe descrevendo seu casamento, a entrada no portão. A música, a comida , vocês sempre foram únicos, e ainda teremos momentos incríveis, apesar da realidade terrível. Beijos,

    Maria Heloísa

    ResponderExcluir
  2. Compartilhei. O Facebook tá amargo demais, precisa de poesia.

    Ana Claudia Loyola

    ResponderExcluir
  3. Mutati Mutandis, só nos resta aproveitar cada instante. Lindo!

    Marisa Reis

    ResponderExcluir
  4. Lindo seu texto. Fiquei triste em lembrar do sol, da vontade de sentir o vento no meu corpo... Como é bom ser livre. Aí fiquei imaginando o porta-retrato com a foto do casamento, com tantas pessoas que imagino que já se foram... Meu álbum faz anos que não abro, a maioria já está no andar de cima.
    Que dias mais tristes e olha que vivo rindo, mas hoje está difícil.

    Renata Assumpção

    ResponderExcluir
  5. Muito lindo esse texto !
    Bj .
    Karla

    ResponderExcluir
  6. Agradeço a Deus por ter olhos que veem o mundo. Você consegue colocar em palavras.
    Obrigada.

    Karla

    ResponderExcluir
  7. Que a luz do sol continue nos encantando ao nascer, ao se pôr... Renovando nossas energias, e que possamos jamais desistir de nos encantar com a graça de cada dia que traz consigo um milagre de momento a momento.

    Um beijo e um abraço saudoso,

    Cynthia Chayb

    ResponderExcluir
  8. Muito bom o seu blog, Lulupisces!

    Arthur Lima

    ResponderExcluir
  9. Excelente texto! Ah! Os dias de outono! Lembro do dia perfeito de seu casamento idem! Parabéns!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos