Pitacos sobre os Pitecos






Não é de hoje que observo o comportamento andarilho dos homens. Talvez por ter recebido da biologia a missão de criar dois meninos. Nunca fui especificamente uma princesa, mas sempre gostei de brincar de boneca e de casinha. Ao mesmo tempo, não abria mão das atividades cheias de energia comuns aos meninos, como subir em árvores, montar a cavalo, pedalar e participar das brincadeiras de rua: polícia e ladrão e toda sorte de piques.

Mas esse particular do caminhar solitário e errático masculino é algo que hoje me chama mais a atenção e me intriga. Seria algo intrínseco ao DNA XY ou atitude estimulada pela criação.

Aos homens se comanda: vá! Ganhe o mundo! Corra! Se vire! Não tenha medo! Às mulheres, geralmente, os apelos são ao inverso: Cuidado! Não saia sozinha! Vai se machucar! Isso não é coisa de menina! Ai do guri que gosta de ficar em casa e da garota que aprecia desbravar as trincheiras da própria cidade, que dirá, do planeta.

Cedinho, na manhã que principiava, testemunhei dois homens vagando pelos ermos. Não me pareciam moradores de rua, bêbados ou desvairados. Eram apenas homens atendendo à urgência da solidão libertária que lhes é muito premente. Seguiam decididos por lugares pouco afeitos à presença de pedestres. Atalhavam em busca do destino que lhes cabia. Diretos, sem rodeios.

As mulheres, por segurança ou por herança genética, costumam estar quase sempre em dupla. Homens em dupla a gente já pensa logo em casal gay. Mulher tem melhor amiga. Homem parece não ter ou não fazer questão de melhor amigo. Ou forma um time para jogar bola, sinuca, tomar café e beber no boteco ou está sozinho. Sim, eu sei que estou generalizando. Esse texto não pretende ir além da ponta do iceberg (aliás, uma ótima metáfora para o que as mulheres conseguem enxergar da psiquê dos caras).

Estou me adaptando ao comportamento masculino há 15 anos. Sem convivência íntima com muitos homens durante a infância e parte da adolescência, ainda estranho o fato de os meninos não irem dormir na casa de amigos ou chamarem amigos para dormir lá em casa com mais frequência. Era algo que fazia muito na minha meninice. Afinal, meninas estão sempre querendo fofocar pela madrugada afora, segredando-se umas às outras em pares ferrenhamente devotados. Aquele drama digno dos folhetins.

Compartilhar é um verbo feminino, sem dúvida. Os homens saem para caçar sozinhos, na companhia de suas angústias existenciais. As mulheres ficam em grupos na caverna, aprendendo a conviver com as idiossincrasias naturais ao gênero.

A impressão que tenho é que os meninos, desde a pré-história, estão de boas consigo mesmos, fazendo suas coisas numa intimidade impenetrável. Um doce pelas confissões dos meus! Mãe de garotos come pelas beiradas. Não chega no epicentro, no âmago. Claro que há exceções, mas ser esquivo e furtivo faz parte da alma masculina. Não há palco para exposição de intensidades. Há bastidor onde cada qual trabalha em seu casulo à prova da curiosidade maternal.

O que, na real, meus filhos pensam ao meu respeito, talvez nunca saiba. Me perscrutam com enfado e com admiração alternadamente. Ainda que também assim o faça em relação a eles, minhas digressões emocionais explicam-lhes muito mais de mim do que ambos costumam me ofertar em meias palavras e silêncios inteiros.

E chegará o dia em que formarão suas próprias famílias e perpetuarão o existir para dentro. Lobos-alfa não afeitos às investigações sentimentais. Estarão ao lado da pessoa que escolherem, mas a alma, jamais cativa, trilhará a sina das rotas insondáveis.

Comentários

  1. Sempre fui uma menina-menino! Rsrs sempre tive bons amigos homens, atraída pela praticidade, liberdade... E compatilho dessa mesma visão sobre eles. Adorei!😉

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  2. Eita, Lu! Esse foi profundo, heim? Muita verdade nas suas palavras! "... a alma, jamais cativa, trilhará a sina das rotas insondáveis". Caramba! Resumiu muito bem.

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  3. O que me intriga é que nem eles sabem o que estão sentindo.

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  4. Eu também nunca fui princesinha Disney cresci em família nordestina e com muitos primos meninos na maioria. Não me via como mãe de um mundo rosa e penso que se tivesse filha ela seria criada da mesma forma. Claro que não existe receita de bolo para criar filhos, mas eu penso que dar uma criação menos Cinderela mais Mulan é criar mulheres fortes e independentes. ��������

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  5. Ai, adorei, como sempre. Os meninos são tão diferentes, né? Sinto o mesmo com o meu. Mentes impenetráveis. Nunca falam de si. Já a minha filha, fico até cansada, de tanto que ela fala. De si, dos sentimentos, dos sentimentos das amigas, dos sentimentos das irmãs das amigas, aiiii kkkkk
    [Uma falação danada. Minha casa vive cheia de meninas.

    Ana Claudia Loiola

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  6. Adoro seus contos, Lu!!

    Maria de Fátima Venceslau

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  7. Adorei o texto, vc se supera a cada escrita. Parabéns, estás como vinho e me identifico mais com o jeito dos meninos.

    Cynthia Chaib

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  8. Realmente aqui em casa a intensidade das coisas é maior com 2 meninas . Mas isso me cansa um pouco, sabia?Papo de divã: achei interessante vc supor que eles serão assim a vida inteira . Muitos se descobrem e mudam.

    Karla Liparizzi

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  9. Muito bom o texto, tia! Gostei!

    Renata Assunção

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  10. Luciana, leio muito o que você escreve. Este texto de hoje está excelente, especialmente para mães que pretendem conseguir ir fundo na compreensão do universo masculino, mesmo quando ainda são apenas meninos. E a apresentação do blog esta muito linda. PARABÉNS!

    Socorro Melo

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  11. Um paradoxo esses homens: existir pra dentro e ganhar o mundo. Adorei o texto!

    Marisa Reis

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  12. Oi, prima Lu!
    Adorei o texto
    A verdade é essa ... Hora nos admiram , hora nos acham uma chata.

    Liana Melo

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  13. Aqui o receio é do universo feminino mesmo. KKK! Os desafios de enfrentar as TPMs de Tetê, que já se revela dramática e desafiadora aos 2 anos e meio... Adoro seus textos e reflexões!!

    Mônica Torreão

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  14. Luciana, muito legal.
    Tenho algumas coisas a te dizer, sobre essa diferença entre homens e mulheres que talvez vc nem concorde, mas, claro, derivam de uma diferença biológica fundamental: as mulheres ficam grávidas! E, os homens, não!!
    Bom... em relação à "caminhar sozinho", isso, eu diria, é bem natural.
    Quando "eu era criancinha pequena lá em Minas, eu fiz muito isso!! Até de uma cidade pra outra.
    Uma vez, fui de Sta. Rita de Caldas até Caldas, uns 15 km, andando, sozinho!!
    E ainda aconteceu que, durante a caminhada, anoiteceu!!
    Foi louco!!
    E, além disso, caminhava muito por lá. Sem que a minha mãe tivesse qualquer noção.

    Paulo Magno

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  15. "Estarão ao lado da pessoa que escolherem, mas alma, jamais cativa, trilhará a sina das rotas insondáveis".
    Vizinha, você realmente manja dos paranauê! KKK!
    Li essa frase 7 vezes! Fantástico!

    André Fachin

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  16. Muito bacana essa reflexão. Sou mãe de um adolescente e de uma pequenina... Você conseguiu desenhar bem o quadro.

    Priscila

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  17. Amei o texto!

    Cecília Soares

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  18. Lindo esse texto, seguimos tateando a alma desses amados!!!!!

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  19. Vc Lu sempre com sua própria luzinha escreve para que todos possam ler suas teorias👋👋

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