Estridente

Sextou, e eu, devota das sextas cujos filhos nasceram numa sexta, fico contente. Ainda mais quando o dia é frio e você liberta aquele casaquinho bacana do armário, tadinho, sempre tão preso nessa capital cada dia mais intolerável de calor e de presenças indesejáveis nos palácios, construídos para representar a grandeza de uma nação do futuro que, bizarramente, caminha para o pretérito perfeito em sua ignomínia.

“Você está parecendo uma cubana de Sierra Maestra”, comentou o marido. Eu me sentindo toda prosa que estaria honrando os povos originários andinos, lá onde eu me encontrei como alma ancestral. OK, é tudo sangue latino e revolucionário. Tá valendo.

Só assim para suportar o retrocesso civilizatório que vivemos no Brasil. O viés ideológico de esquerda (que nunca foi totalitário aqui) não pode. Mas o de extrema-direita, com recolhimento de livros, ataques aos terreiros de religiões de matriz africana, odes a torturadores e ditadores e desprezo para com os portadores de Aids pode. Sem falar, é claro, na tolerância total ao genocídio indígena. Isso pode muitíssimo.

Fico aliviada pela existência das redes sociais. Nunca fui uma detratora delas, na verdade. Acho que cumprem um papel importantíssimo no fortalecimento das relações interpessoais, na manutenção de amizades distantes, no conforto e no desabafo para quem não tem grana para pagar terapeuta.

As mensagens de luto são um bom exemplo do que falo. Taí, adoraria fazer um estudo sobre esse tema. Compartilhar a dor da perda é um poderoso remédio contra a depressão que todos que atravessam o túnel escuro da morte de um ser amado vivem. Os likes, emojis tristes e comentários de solidariedade são curadores, sim.

A despeito de todo ódio, egocentrismo e falsidade também presentes no FB, Instagram, Twitter etc., as redes vão se transformando no espaço de debate público sobre os mais variados assuntos, e têm nos ajudado a manter os desmandos de uma teocracia neopentecostal sob algum controle. As redes, quem diria, são os melhores fiscais das nossas instituições nesse momento de apagão de lideranças genuínas na política, na intelectualidade e na cultura. Vejo poucos formadores de opinião subindo o tom como já deveriam ter feito. Com a democracia não se brinca.

Se a paralisia individual é a tônica, a massa das redes grita geral. E essa gritaria estridente tem surtido efeito, ainda bem. Os desmandos desse desgoverno vêm sendo tolhidos pela enxurrada de postagens críticas.

As redes não deixam a sujeira ir para debaixo do tapete. Tem sempre alguém vazando o chorume viralizado em segundos. Como sagazmente salientou um amigo: “o Face, apesar de haver encolhido, é o principal canal de informação e de análise atual, pois os veículos de comunicação menores, fora da grande mídia, estão todos lá e são essas esferas que possibilitam algum tipo de reação”.

É isso aí. Gratidão aos amigos virtuais e reais e a milhares de outros que não conheço, mas com os quais compartilho das ideias progressistas e humanitárias, cujas postagens e reflexões me enchem de orgulho. Caminhemos e cantemos e sigamos a canção. 

Orai e vigiai esse bando de canalhas!