O armário de papai



Se vovô Agenor vivo fosse, seria assim?

E cá estamos em mais uma semana do Dia dos Pais. Na infância, quanto tormento... Por anos, acho que era a única na sala de aula a não ter pai presente. Poucos eram os casais separados então. E pais mortos, Deus o livre! Isso era inimaginável na cabecinha de todos aqueles coleguinhas bárbaros. A sacanagem, as ironias e maldadezinhas eram inevitáveis. Hoje, a perseguição tem nome importado idiota: bullying. Mas a dor deve ser a mesma. 

Pobre das poucas crianças que não tinham mãe no Dia das Mães. Algo que só quem foi guri na primazia da família tradicional: papai, mamãe e dois filhinhos, um menino e uma menina - tem ciência e cicatriz. A carne viva ardia. Nervo exposto. Bizarrice. Ser diferente era foda! 

Vendo por esse lado, que bom que hoje as famílias são todas disfuncionais (já eram antes, mas as aparências enganavam). Atualmente, ser desigual é ser normal (quase sempre). As separações são regra. Os homossexuais adotam filhos. Os heteros também.

A mãe cria sozinha, às vezes, o pai, e também rolam os avós, cada dia mais participativos na rotina da garotada, pois a melhoria na qualidade de vida acrescentou muitos anos nessa importante convivência familiar que, pra variar, eu também não tive. Fazer o quê? Nessa caminhada, há os sorteados para acumular perdas. A vida pode ser um jogo de azar... 

Mas não quero fazer desse post nova lamúria para os meus infortúnios. Faz tempo que não curto mais deprê pela chegada do Dia dos Pais. Desde que meus dois filhos nasceram, o Dia dos Pais ganhou um pai. Isso é bonito! E tenho resgatado o valor do meu pai por meio deles. 

A gente conversa sobre o vovô Rondon, que eles carregam no sobrenome e devem se orgulhar por isso. Afinal, era um cara batalhador e visionário. Morreu novo, mas deixou legado de obstinação, prazer pela música e escrita. E a coisa mais emocionante é ver meu filho teclar a máquina de escrever que as mãos de meu pai tocaram para produzir petições e poemas. 

Nessa semana do Dia dos Pais, um menino parece que matou a família toda, foi para a escola, voltou e se matou. Eu não disse que as famílias são mais craqueladas do que a gente quer ver? É para se repensar... “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”, ordena Renato Russo. Principalmente a nossa família de perto, essa, sim, a que mais irrita, entretanto, fundamental. 

E tudo isso veio parar na minha cabeça encaracolada (pelo menos a mente, porque gostaria muito de ter os cabelos) pois estava na frente da TV, minha morfina, assistindo GNT Fashion. É duro sublimar a imbecilidade do mundo da moda rivalizando na mesma medida do insight magnífico das coleções. Curto ver a capacidade infinita da criatividade... Seria bacana se eles ficassem calados, apenas criando, né? 

Mas estava lá e a intragável apresentadora pergunta aos fashionistas qual era a peça do guarda-roupa do pai sobre a qual eles guardavam lembranças mais queridas. Modelos e estilistas respondem e eu fico no vazio. Não tenho peça de roupa do meu pai para recordar. Nem cheirar. Passaram tudo pra frente. Ufa que sobrou a máquina de escrever! 

Todavia, Bernardo está no laptop ali pertinho e eu aproveito para fazer uma social: 

- Diz aí, Bernardones, qual é a peça do guarda-roupa do seu pai que você não esquece jamais? 

- Xi, nada tão elegante e transado como essa galera tá respondendo. O que eu mais lembro é de um moletom verde que o meu pai colocava para ir caminhar. Ele mesmo se chamava de gafanhoto atômico quando vestia aquilo. 

- KKKK!!!! KKKKKK!!!! A gargalhada foi imediata. Imaginar Seu Agenor, que também não conheci (que ladainha, cruzes), cabelos crespos a la Einstein, saindo para uma corridinha matinal em seu jogging tão, digamos, original... Quanto susto não deve ter dado por aí! KKKK!!! 

- Mas era verde-periquito? 

- Não, mais escuro. 

- Ah, tipo verde-bandeira? 

- Isso aí. E também lembro dele com meia social na canela, sapato e bermuda. Igual ao tio Bernardo, sabe? 

- Sei. KKKKK!!!! 

Depois querem que o Rômulo seja convencional. Como? Com genes desse quilate de excentricidade? Família, vamos combinar (seu estilo), é tudo de bom! 


Temas do post de hoje (faltou apenas Pais e Filhos, do Legião Urbana):




Comentários

  1. Muito legal, seu texto, Lu! Pra variar, né? :)

    Bjão,
    Claudia

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  2. Uau, Lú! Mas estamos mesmo numa semana de sintonia, hein! Primeiro foi o lance dos esmaltes, agora eu escrevo sobre esse caso sem mesmo ter lido teu post... Adorei! Seus textos são sempre muito bons...
    "Gafanhoto atômico", hahahahahahaha! Lá vem o gafanhoto de novo...

    Beijão!

    Denize.

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  3. Vou ter que arrumar um moletom verde pro Sherlock Rômulus, kkkkkkkkkkkk!

    Denize.

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  4. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  5. Lu,

    nossos pais, presentes ou não, sempre terão as vestes do imaginário da criança que nunca cresce em nós. E o frescor da alegria ou o calor do choro que evocam, é tão próprio da vida, que colocaremos roupas, redigiremos textos e pintaremos as cores mais lindas para apresentá-los aos filhos de nossos filhos. Lindo texto e viva os pais!

    Beijos,

    Juliana.

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  6. Prima-Xará que texto lindo eu também amo ler e escrever pense,escrevo cartas e poesias para uma professora da minha infância...Beijos Amei...

    prima-xará Luciana Assunção Porto

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  7. é Lú,

    esse ano será com um gosto amargo para mim tbm, espero que o tempo mude isso e que o Pedro meu neto não sofra com a falta da figura como você sentiu... E nem deixe marcas nele, que ele saiba aceitar as lições que vida nos impõem.
    Ah, fiquei imaginando tio Agenor de gafanhoto-atômico e ri sozinha. Mande um grande beijo para o Bernardo, fico muito orgulhosa de ver meu primo ser um pai tão moderno, antenado e sensível com os filhos.
    Como sempre, adoro suas reflexões! Me levam junto com você, não sei se ao mesmo lugar... Mas sempre mexem comigo.

    Bjcas,

    Renata.

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    Respostas
    1. Oi querida Renata!

      Sem querer ser chata, mas sendo, Pedro vai, sim, sentir falta da figura paterna. É inevitável, pois pais são imprescindíveis. Mas ele tem o avô, o que é fantástico. Eu não tive nenhum dos dois...
      Seu primo Bernardo é mesmo um ótimo pai. Tinha muita vontade de comprar uma moto mas, depois do meu apelo, viu que seria arriscado deixar os filhos órfãos tão cedo... Achei isso muito bacana! Outros homens não abririam mão de um desejo desse tamanho.
      Fique em paz em seu coração! Agora estamos no mesmo barco: sem mamãe e sem papai para comprar presentes e dar abraços... Mas aperte bem o seu Romeu, Julieta!

      Beijos,

      Lulupisces.

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  8. Luciana, legal.

    Eu também cresci "sem pai" (ele faleceu quando eu tinha 6 anos) mas não sei se me acostumei, mas o fato é que não me lembro de ter sentido muito esta falta, por mim mesmo.
    Sentia (esta falta) pela minha mãe que teve que trabalhar sem ter nenhuma preparação pra isso. Ela foi uma lutadora.

    Um beijo,
    Paulo.

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  9. Oi, Lu, tudo bem?

    E o dia do "papai"? Achei legal a foto do vovô-papai. Os meninos estão lindos!
    Aqui, tudo bem, sem novidades. Só velhice mesmo e o resto da família...

    Beijos para todos,

    Eni.

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