Momento azul




A internet é um paradoxo fascinante. O futuro acontecendo no presente e também fonte na qual a gente reencontra o passado, dá um beijo nele, enche os olhos d’água e segue a vida. Para quem respira música, não posso querer nada além de relembrar canções que marcaram tantas cenas do meu filme. Bendito Youtube! 

Meus momentos nunca estiveram despidos de trilha sonora. As melodias me trazem tudo de volta, fresquinho. Ontem estava revendo “Para sempre Cinderela”, com a magistral Angelica Houston arrasando em caras e bocas de madrasta má. Bernardo, que não tinha visto a película, se interessou e ficou. Ele é um romântico, sem dúvida. Qual homem seria fisgado por uma pastelaria daquela com tanto prazer? Tão bonitinho... 

Mas há uma cena em que a Danielle de Barbarac (Drew Barrymore) está numa biblioteca medieval com o príncipe encantado - e por isso mesmo entediado de tanto encanto -, quando conta, febril, sobre as leituras que o pai lhe fazia na infância. Comovida, diz: “eu daria tudo para ouvir aquela voz de novo”. 

Essa sou eu! Dando tudo para ouvir e rever as várias reedições de tudo o que senti todos os dias. Não vivo uma vida plana. De falta de sal eu não morro, posso garantir. Toco a ladainha em vermelho. Pode rolar uma queimadura de terceiro grau de vez em quando, mas não me arrependo. 

O príncipe fica boquiaberto com a aquela jovem tão vívida, transpirando impulsos elétricos. Às vezes, penso que Bernardo tenha se apaixonado por mim exatamente por isso. Ele, um cara monocromático, sempre alinhado com a curva de Gauss. E de repente essa menina alaranjada, destrambelhada e de peitos grandes (não podemos desprezar a variável)... Não sei se ele continua atraído por tanta intensidade. Contudo, o embrião de diferenças nos uniu nessa jornada. Era pra ser. 

Hoje relembro dando risada. O amor e uma cabana em Sampa: geladeira mequetrefe, almofadas pelo chão. Uma cama de segunda mão doada pelo amigo, já em outro patamar financeiro. Um colchão de casal que chegou a voar da carroceria de uma saveiro... A única peça nova do apartamento da Aclimação era a máquina de lavar Brastemp Mondial, primeiro modelo. 

Fazíamos compra de supermercado by bus, mas voltávamos de táxi, carregando as sacolinhas. E nas sessões de cinema baratinhas do Centro Cultural Vergueiro (atual Centro Cultural São Paulo), carregávamos a pipoca que nós mesmos estourávamos em casa. 

Em Nova Iorque, também o equilibrismo mambembe. Sem grana, mas com muita gana para aproveitar ao máximo o que a capital do mundo colocava aos nossos pés de jecas sentimentais. Quem não arrisca... 

Agora, quando vejo nossas fotos de família-margarina, penso até que não é real. Uns meninos tão bonitos e legais!!! Pura sorte do bom gosto genético. Penso que não imaginava nada disso quando disse para mim mesma que iria viver a vida do meu jeito. Que não caminharia os caminhos à toa, sem paixão. Que não teria pai, mas compensaria a lacuna em aventura e diversidade de afetos. 

Sinceramente - e sem perdão aos invejosos - não abro mão do extraordinário.

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Comentários

  1. Muito bacana seu texto, legal fazer uma retrô, de um jeito tão seu de ser...
    bj.Namastê!
    Cynthia

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  2. Que bom, Lú, que você não larga mão dele... Hoje me lembrei do começo de vida de vocês por aqui... Me lembro das visitas de vocês na casa dos meus pais e na minha também. Nós aqui com a vida sempre agitada e você com aquele olhão que via tudo...
    Muito bom saber que os anos passaram e você conservou a sua essência. Essa "família de margarina" vai longe... Torço muito por vocês!

    Bjcas,

    Renata.

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