Das duas, uma!





Mãe é bicho besta: sente saudade de filho perto. A ideia coroou como se fosse a hora do parto. Todavia, o texto ainda levou o tempo das contrações, arrancando-lhe do sono no meio da noite preta. 

Era uma ânsia de vômito, uma ebulição nas tripas incontrolável. Como se fosse grave doença. Quem escreve pode parir de um triz para o outro. Os pensamentos usurpadores não são educados, obviamente. Impróprios, eles ocupam o espaço quando menos esperamos. 

As palavras começam a minar por todos os poros. Não há antídoto a não se deslizar a pena sobre o papel. Bastou ver aquela foto do filho ainda bebê sem dentes ou ouvir aquela trilha sonora do filme que introduziu o primeiro rebento ao mundo da sétima arte, para que o gatilho fosse disparado sem dedo. Metralhadora de sentimentos aturdindo a alma. 

O filho dela está ali, mas já é outro. E então ela sentiu saudade daquele que o filho já foi. Ou mais pungente: a cratera se abriu entre eles e ela sente saudade do que ele é naquele momento, pois sabe que amanhã ele já não será aquele momento. 

Amanhã o garoto já não dará o beijo forçado pela mãe na frente dos amigos. Ele não lhe contará seus sonhos com monstros e trevas no café da manhã e nem lhe mirará com a admiração da ignorância. 

Logo, aquele filho saberá muito mais do que aquela mãe sempre soube. E ela o observará com orgulho besta de mãe bicho. Porém, com a sempre saudade das risadinhas brancas. 

Ser mãe e ser pai é ter coragem de acumular um sem fim de saudades específicas e generalizadas. As cócegas provocando gargalhadas ao toque do estetoscópio do pediatra, as mãozinhas dele apertando o seio enquanto mamava, a cumplicidade do quarto de garotos compartilhado, vírgulas, vírgulas e muitos eteceteras... 

O único remédio para tantas memórias é parir textos na sala penumbrosa. Ou enlouquecer.



Tema do post:




Comentários

  1. Luciana minha querida escritora,

    conferi os dois últimos, o terceiro já o tinha lido. Você escreve a cada dia mais gostoso de ler. Lindos ambos, sensíveis, leves, tocantes, profundamente verdadeiros se assim você os diz.

    Como mãe, como corpo envelhecendo, como amante da vida, da alegria e do movimento, da natureza verde/mar/sol/lua, concordo em tudo com você.

    E acabo de chegar em frangalhos da visita a uma amiga que teve seu bebê morto ontem dentro dela - o líquido amniótico secou um mês antes do Gabriel nascer. Hoje cedo ela passou por parto normal para recebê-lo natimorto, calcule o tamanho da tristeza.

    Ser mãe é sempre barra na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, etc...

    Beijos, sua leitora-fã,

    Guti.

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  2. Verdade verdadeira, diz tudo!

    Beijos,

    Patrícia Ayres.

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  3. Lulu, boa tarde!!!

    Queridíssima ex-colega e posso dizer amiga do STJ!!!

    Não sei se é fofo ou Lindo!!

    Simpátio ou radiante!!

    Forte ou ousado!!

    Doce ou simplesmente pura energia!!

    Uma coisa é certa e posso dizer com todas as letras: a sua escrita é inefável!!! Pois não tem forma para apreciá-la. Está além dos nossos pensamentos!!

    Justamente para tocar aquilo que for preciso. Dentro do seu curso, natural, sinples, terno... O seu blog.. não se discute, avalia e é por isso que é inebriante!!!!

    Arrasou!!!!

    Cada dia que passa é mais apaixonante!!!!!!

    Lu... adoro você e adoro seu Blog!!! !!

    Emi!
    Fique sempre com Deus!

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  4. Luciana,
    senti que já bate a saudade dos filhos pequenos.

    Não se preocupe. Tenho dois na faculdade, e te garanto que é legal também. Eles ganham as suas asas.

    Quem sabe, vocês fazem como a gente: quando o mais velho estava com treze, a gente arrumou mais uma e foi muito legal.

    Um beijo,
    Paulo.

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  5. “a cratera se abriu entre eles”...
    Foto e fato, Lu!

    Beijos,

    Juliana Tavares

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