As paranormais




Os bons filmes, assim como os vinhos, precisam de tempo para que sejam realmente avaliados e validados como bons. Escrevo essa máxima de bicuda, pois não sou especialista nem em cinema e muito menos em enologia. Só quis começar essa conversa com uma frase de efeito. Surtiu? 

Mas eu tô falando isso porque ontem revi, com toda a atenção, o clássico de terror escrito, produzido e quase dirigido por Steven Spielberg: Poltergeist. Sei que a película foi reprisada dezenas de vezes na TV. Todavia, nunca tinha vontade de assisti-la de novo. Medo de quebrar a magia, o espanto e a história divertida que o cerca e que marcou a minha juventude candanga. 

Só que ontem ele estava de bandeja na grade da programação da HBO do jeito que eu curto: às dez da noite, com a casa em silêncio: paz de crianças dormindo e marido também. Esse é o céu dos cinéfilos: você, a tela e a história! Nenhuma interrupção, total concentração. Tinha chegado a hora da verdade: Poltergeist teria resistido aos anos? Ou beberia vinagre? 

Vinho de alta qualidade. O filme continua atual e os efeitos bastante convincentes. É mesmo um clássico do gênero! Achei a personagem Carol Anne tão parecida com o Romulito... Olhos expressivos e acinzentados; esperta; cativante... Daí, investiguei por onde andaria hoje a atriz Heather O' Rourke. Acabei descobrindo que ela faleceu aos 12 anos, vítima de erro médico. Nossa, me deu arrepios!!! 

O filme tem lá suas boboquices típicas do Spielberg, algo assim meio nerd, piadas que só físicos devem achar engraçadas, essas coisas. Porém, bate um bolão! Provoca medo e até comove. E o mais legal: em 1982, Hollywood ainda não era cerceada pelo politicamente correto. O casal pós-hippie fuma maconha na maior tranquilidade com os filhos pequenos no quarto ao lado. Curtição! 

Contudo, a maior curtição foi o rocambolesco evento que o filme protagonizou na minha vidinha de típica adolescente de Brasília, ou seja, entediada, louca para apreender as novidades que, naqueles idos da década de 80, eram esparsas na capital federal. 

Não recordo com precisão os detalhes. Não sei exatamente quando Poltergeist entrou em cartaz por aqui. Mas creio que contava entre 12,13 anos. Naquele tempo, não havia estreia simultânea mundial, evidentemente. Tudo levava tanto!!! Os lançamentos eram aguardados com ansiedade condizente. Hoje, a gente é atropelada por 425 filmes semanais. Alguns nem chegam às salas de projeção... 

Naquela adolescência, ir ao cinema era mesmo um evento. Além disso, a censura realmente funcionava. Estávamos saindo de uma ditadura que eu não entendia bem e nem sentia na pele, a não ser pelos impropérios soltados por mamãe e irmãos mais velhos, assim como pelo hino nacional, cantoria diária obrigatória na escola. 

Creio que deve ter partido de mim a ideia estapafúrdica de ver Poltergeist no cinema, pois Ricardo, o primogênito da minha família, era fã de filmes de suspense e voltou da sessão animadíssimo, contando mil maravilhas horripilantes. Desse modo, botei pilha nas amigas do colégio Notre Dame. Detalhe: o filme tinha censura 16 anos e nós ali, quase nos 13... 

A estratégia era parecer mais velha. Nada do que essas gurias de agora também não fazem. Só que hoje elas fazem pra transar aos 12 com um cara de 21. A gente só tava a fim de pegar um cineminha proibido... 

Não recordo na casa de qual marcamos o encontro para a mega produção. Nem lembro ao certo quantas éramos. Quatro ou cinco do grupinho que sempre fazia os trabalhos de História juntas. Vestimos nossas roupas mais adultas, fizemos a maquiagem mais pesada e ridícula que poderíamos ter feito (sem conseguir enganar ninguém), calçamos salto alto dentro das possibilidades daqueles anos - nos quais meninas eram tratadas como meninas e não como mulheres - e fomos para o cinema de ônibus, claro, pois não havia pai ou mãetorista disponível. 

É bom ressaltar que eu ainda sou do tempo em que havia salas de cinema no Setor de Diversões Sul, vulgo, Conic. O Cine Atlântida era a maior e mais cobiçada. Os grandes lançamentos sempre estavam na sua tela gigantesca. Bristol, meio esquisitão no subsolo. E as irmãs gêmeas Badia Helou e Miguel Nabut (de que diacho de lugar saiu nomes tão inexplicáveis?! Cinema de turco-árabe, só pode). Poltergeist estava sendo projetado em uma das irmãs, que ficavam postadas frente a frente e ofereciam uma apreciação aconchegante, para pequenas audiências.

Na entrada, o nervosismo foi tomando conta. O grupo paranormal de garotas de 16 anos encenava uma tranquilidade patética. Compramos os ingressos e fomos para a catraca... Xi! O guardião da diversão empombou com a Andréia. Não dava mesmo para engolir que aquela menina baixotinha era uma moça. Ela parecia, no máximo, ter a idade que tinha: 12. Patrícia era altona e ficava de boa. Eu no meio, vá lá... 

Tivemos de usar todo o nosso charme quase fatal para convencer o cara a nos liberar. O filme já havia iniciado quando, enfim, sentamos radiantes e estressadas nas poltronas do cinema. Mas, todos sabemos, a Lei de Murphy existe desde que o mundo é mundo. Passados uns 30 minutos de projeção, não é que o filme pifou? A turma toda logo vaiou... A música da Rita Lee etc e tal... 

Saímos desoladas, maquiagens borradas de pânico, pés doloridos com os tais saltinhos, porém com tickets que nos davam o direito de retornar em outra sessão. Não sei se as meninas retornaram ou não. Não sei se eu retornei ou não. Fingir ser outra pessoa duas vezes me parece muito cansativo hoje, mas aos 13 podia ser bem excitante. 

Meu princípio de Alzheimer não me deixa lembrar quando consegui terminar de ver o “Fenômeno”. Talvez tenha voltado com a Patty, que até hoje gosta de filmes de suspense como eu. Pouco importa. O que vale é poder se envolver com o irreal na mesma medida do real e vice-versa. 



Comentários

  1. rsrsrsrsrsrsrs! Pôxa, eu não lembro... Mas lembro bem do Bristol, um cinema num porão (???) rs e nem pensávamos sobre isso! kkk Aceitávamos. Pensei que esse dia tivesse a ver com o dia em que nós duas, produzidas, à noite, paradas em pé em plena W3, fomos, vamos dizer assim, "confundidas" pelos motoristas que passavam! kkkkkkkkk Disso lembro bem!

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    1. Caramba, Patty, disso eu não me lembro não. Será que aconteceu no mesmo dia? Talvez. Lembro muito de um domingo à tarde em que nós duas descemos na rodô. Eu com uma camisa cheia de moranguinhos que caía pelos ombros... Os caras mexendo com a gente e a gente correndo para chegar logo ao Cine Atlântida.

      Beijos,

      Lulupisces.

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  2. Eu detesto filmes de terror!

    Principalmente quando a temática NÃO é ficção, como no caso de Poltergeist.

    Uma vez fui inventar de encarar Freddy Krueger e passei semanas me borrando. E olha que Sexta-Feira 13 É ficção!





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  3. Parabéns pelo post!... Belo blog, grata surpresa... Vou seguir!

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