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Mostrando postagens com o rótulo viagens

Acomodação das placas tectônicas

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A pessoa que visita cemitério e igreja de cada cidadezinha que vai. São Benedito, rogai por mim e pelo amigo de vida que sofre com moléstias malvadas. Entrei na simplória nave, onde três senhoras rezavam os mistérios (As três graças do Brasil, as três Marias, as três irmãs…) “Para alcançar as dádivas divinas não é preciso igreja cheia”, disse a mais velhinha. Eu acredito.  (A pessoa sem fé que se comove com a crença alheia). De repente saiu de mim o creio em Deus pai todo poderoso e completo, como decorado para fazer a primeira comunhão aos dez anos de idade. Estava lá dentro, guardadinho para a ocasião precisa e de precisão. Meus olhos marejaram, a ladainha me acalentava. Um sol morno de inverno adentrou pela porta, límpido. Milagre foi meu coração não ter parado de bater, fulminado pelo Altíssimo.  (A escadaria era de fato bem íngreme) Plano sem piloto Perdi o costume de cruzar as asas em quatro rodas. Que trânsito. A cidade lotou, virou um cargueiro. Não mais plana como o ...

Algum tanto

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Ao viajar de avião à noite  constelações d e ponta à cabeça, no breu da planície terrestre.  Ao amanhecer, a viagem retoma o seu prumo  perfura o edredom das nuvens plana-se dentro do sonho. A claridade é uma estrada infinda,  sem sarjetas ou sinalização.  Sou a única orientação.   Sampa sempre intensa sabores, tribos, desejos  lampejos de belezas e de feiu ras. Rococó Art déco paúra. Hinos e bandeiras  hordas, fileiras marginais, quintais. Verde, cinza, arco-íris  vão livres, cubículos mendigos líricos.  Meca, Big Apple Tropicália-sertão tupi-guarani Cariri-Japão.   Deus e o diabo na terra dos Andrade liberdade.   O filho dela está ali, mas já é outro. E então ela sentiu saudade daquele que o filho já foi. A cratera se abriu entre eles e ela sente saudade do que ele é naquele momento, pois sabe que amanhã ele já não será aquele momento. Amanhã o garoto já não dará o beijo forçado pela mãe na frente dos amigos. Ele ...

Despida

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"A saudade do sal não se repara Com a imersão difícil Nesse oxigênio sujo" (Adriane Garcia) Despir-se do mar é salgado, quase amargo. Borrifos aferram-se à pele  apelos: fique mais um pouco, fique para sempre. A maresia impregna cheira a peixes saltitantes e suculentos.  A alma aquosa recua, maré baixa. Até breve nunca é breve o bastante.  Acordei árvore. Todas aquelas nas quais subi, cai, mirei, fotografei, desejei, abracei. O dia da árvore é meu. Me aposso dessa força. Raízes áreas me fincam no altiplano (Leste ou peruano). Semillas e flores brotam no bico de cada peito. Braços-troncos se fortalecem para balanços infinitos. Vai por mim Se há algo mais surreal do que as pinturas de Dalí são os nomes dos quadros de Dalí: Construção suave com damascos cozidos  O despejo do móvel-alimento Acomodação dos desejos  Canibalismo de outono  Idílio atômico e urânico melancólico  O toureiro alucinógeno  Cama e duas mesinhas de cabeceira atacando ferozment...

Essas coisas todas

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Para Márcia Romão Recebi um TikTok de uma amiga da Associação das Bordadeiras de Penedo/AL e voltei duas décadas, relembrando uma historinha bacaninha vivida (e vívida) naquela cidade. Era 2004 e estava à espera do meu primeiro filho. Foi uma viagem meio sem sentido aquela, passando tão mal (talvez as passagens de avião já estivessem compradas). Só sei que foi assim, Bernardo e eu, os futuros pães de primeira marcha, perdidos numa noite de Natal em Maceió. Após uns dias na capital, começamos a explorar as redondezas. Alugamos um carro e partimos para Marechal Deodoro e Penedo sem nada saber delas - não eram tão banalizadas as informações naquele tempo que parece realmente longínquo. Que cidadezinha linda Penedo, toda colonial, às margens do mitológico Velho Chico. Quase me esqueci do tanto que enjoava, vomitava e me sentia fraquíssima. Não tinha disposição física, mas tudo ali me encantou. E me esforcei pra burro nas caminhadas. Um garoto logo se aprochegou na gente com autoridade de ...

Verde esperança (na humanidade)

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Janeiro, época tradicional da pamonha. Milhos verdinhos, molezinhos, safra tinindo, prontos para se transformar na melhor das iguarias goianas. (Não adianta: nenhuma pamonha de nenhum outro estado é tão autêntica e saborosa). Aliás, os goianos acabaram de proclamar o 3 de fevereiro como o Dia Estadual da Pamonha. Mandaram bem. Patrimônio gastronômico, oras. No trajeto de volta da saga nordestina pela rodovia JK, que trouxe para o planalto central tantos piauienses, baianos, maranhenses, nordestinos e nortistas irmanados no sonho da capital modernista, existem algumas pamonharias saudando os candangos de antes e os novos candangos entre a divisa Goiás/Distrito Federal. Município de Formosa (formosa é a paisagem por ali, um prenúncio do que mais adentro se tornará a Chapada dos Veadeiros). Tô fazendo um tremendo nariz de cera para contar que obriguei o motorista, no caso, meu marido, a parar numa dessas vendas da beira da estrada. “É tempo de pamonha. Vamos aproveitar para jantar, pois l...

Mixórdia (mamãe falava michórnia e eu achava lindo)

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Do sul, onde faz divisa com o estado da Bahia, ao norte, que deságua no mar de Luís Correia, fizemos 1.100 km. Só de Piauí. Caraúbas Caxingó Piracuruca Campo Maior Piripiri Buriti dos Melos Canto dos Buritis Esperantina… Nomes que afagam. Haja vastidão neste país. O Piauí ele próprio uma nação de belezas ímpares e de cultura singular. Paredões paleolíticos, rupestres pinturas compartilham a ancestralidade com o novos modelos de agronegócio. Escassos agora são os jegues cor de asfalto. Todavia, segue abundante por aqui a intensidade de sabores, de afetos, de calor do sol e das pessoas. Aliás, tudo o que não falta nessas léguas longínquas é sol, sol, sol. Energia solar para clarear as insondáveis escuridões. O sertão, buraco amarelo. Bem pontuou a amiga Karla ao ver as fotos que tirei: "o Sol aí parece maior". À beira-mar, as varandas das redes bailam sob a regência eólica possante, incessante. Ipês, caneleiros, mutambas, angicos, sapucaranas se irmanam à caatinga. Carnaúbas ca...

Bonecas

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Guardar um pouco do Tempo nos textos. (Leda Cartum) A Barbie desconstruída no calçamento de pedras caóticas. Olha para o chão, tensa, enquanto um garoto-corsa vem na direção contrária saltitando leve. As pedras não estão no meio do caminho dele, mas no dela. As pedras apavorantes, escorregadias, o prenúncio do tombo. O trauma dos estabacos, das cirurgias e, o mais mórbido, dos excruciantes processos fisioterápicos. Chuvisca e o limo é uma armadilha. Ela fica para trás da multidão diligente, “sempre em frente, não temos tempo a perder'. Sente a noite dentro dela. Flashes dos trovões lhe alumiam e lhe escurecem as ideias. Liga e desliga; coitos e contos interrompidos. Interruptor em curto ou surto. Lembra do papo sobre o cancelamento do verbo esclarecer. Nada a ver. Não enxergo conotação racista. Cegueira branca?  Esclarecer é acionar a luz elétrica em cima de um tema qualquer, acender os holofotes. Sorriu besta, concordando consigo. O caminho se torna solitário até que a mulher...

Party Paraty

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Se o meu Riacho é fluente Há de secar — Se o meu Riacho é silente Ele é o Mar — (Emily Dickinson) O passeio turistão de escuna pela baía de Paraty é um microcosmo interessante. Da velhinha cantarolando Legião Urbana à balzaca que pulou no mar pela primeira vez e dividiu sua emoção com a mãe - e quem mais quisesse ouvir - numa chamada de vídeo. O casal obeso e grávido dos mais apaixonados já vistos. Famílias grandes, casais, grupos de amigos, quartetos. As bat fotografias nas poses óbvias, mas também alguns registros esdrúxulos, como o de uma jovem fazendo a postura da ponte, de biquíni, no meio da areia, para o click da posteridade. (Só me lembrei da personagem possuída de O Exorcista). Pagode por 5 horas (provação), rock pop por meia hora, já no retorno (evitou que eu pulasse do barco em atitude definitiva). A água não se decidia: seria verde azulada ou azul esverdeada? A ilha concedida a Amyr Klink, ao proprietário das duchas Lorenzetti… O oOoOOh coletivo ao vermos os golfinhos. Moj...