O jovem Frankenstein

Descobri! Descobri algo mais punk do que reformar apartamento, se mudar para um acampamento, ops, apartamento caquético e esvair a conta bancária comprando cimento, drywall e areia média batida: levar seu filho de três anos e meio ao pronto-socorro.

Como se não bastasse a tranquilidade de conferir os estragos causados pelo dilúvio no apartamento do vizinho (e saber que vamos pagar a conta), meu pequeno impossível galego sofreu um acidente na escola.

O telefone tocou no meu trabalho. Era do colégio. Pensei que fosse algo relacionado a uma diarreia que ele teve no domingo e segunda-feira. Mas era um cadiquim mais complicado: a mensagem dizia que Rômulo tinha caído e o corte na sobrancelha precisava de pontos.

Não era na sobrancelha, era na fronte, naquela parte molezinha e sensibilíssima que fica ao lado dos olhos. Sangue, muito sangue, mas o que mais chocou foi ver seu rostinho perfeito deformado. O olho direito completamente inchado, roxo, quase preto. Era uma cena feia, como se meu filhote tivesse dentro de um carro que capotou.

Mas mantive a calma em respeito ao guri, que estava impressionantemente sereno. Lá vamos nós para o hospital. Chegamos à emergência do Santa Luzia. Um formigueiro humano aguardava atendimento. Com os meus botões (que eu nem tinha, pois estava de saia de elástico na cintura e camiseta), constatei que meu filho só seria socorrido, talvez, em cinco anos.

A enfermeira avisou: “Não temos cirurgião de plantão. Melhor você levá-lo ao Santa Lúcia”. Arrasto meu garoto-rosto-metade-branco-lívido-metade-roxo-pancada por mais 500 metros e aportamos no outro pronto-socorro que, aliás, não se chama mais assim porque não tem capacidade para atender prontamente ninguém. Pessoas entram e saem sem interrupção. Nem cena do ER nos piores episódios se parecia com aquilo. Pergunto ao atendente:

“O que está acontecendo com os hospitais?”

O rapaz responde que o atendimento aumentou 70%. Tiveram que contratar mais recepcionistas. Entretanto a infraestrutura do hospital continua a mesma e não sei se admitiram novos médicos. Mas, pensando bem, estava errada. O cirurgião que atendeu o meu filho tinha cara de 25 anos de idade, recém-formado, quicado para fora da residência ontem, sei lá. O jaleco branco era um fedelho que deixou a mãe angustiada ainda mais apreensiva e vice-versa.

Todavia, Dr. Bruno mostrou zelo e profissionalismo. Deu três pontos no corte profundo, maculando a pele alva e até então virgem do meu pequeno. Momento em que eu quase desfaleci, devo confessar. Rômulo, no entanto, chorou como homem: bravo, mas impávido. Nem foi preciso camisa de força.

Só que a peregrinação ainda não tinha terminado. Faltava a tomografia para descartar algo mais grave vindo daquele inchaço horroroso. Lá vamos nós esperar pela autorização do convênio, perambular para outra parte do hospital e sair da sala do tomógrafo mais radioativa que a Usina de Fukushima. Juro que fiquei pensando nisso, juro! A gente ali sendo exposto a tanto césio, plutônio e não sei mais quantos elementos químicos cancerígenos...

Rômulo seguiu valente: não se mexeu, colaborou e se resignou a cumprir toda a maratona numa boa. E ficou fascinado ao receber seu próprio crânio e ossos íntimos de presente com tamanha nitidez. Que moleque não ficaria?

Voltamos para casa, esgotados. Ao botar os olhos no rosto monstruoso do irmão, Tomás caiu em pranto convulsivo:

“Vai morrer!”, avaliou em desespero.

Os dois se abraçam, o amor emana de Calvin e Haroldo, Cebolinha e Cascão, Caim e Abel, Rômulo e Remo. Um belo grand finale para essa história que podia ser triste. O coração da mãe, comovido, bateu molenga. Seus dois opostos vão se proteger pelo resto da vida.

Comentários

  1. Oi Lu! tadinho do Rômulo...como ele está? você mãe, eu imagino...na hora toda força e energia do mundo necessária para acudir, porém quando termina estamos exauridas,né?
    Beijo grande...beijinho nele..e que lindo gesto e reação do irmãozinho, cuidadoso e carinhoso com o caçulinha, fiquei comovida!!!

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  2. Os últimos dias têm sido especialmente difíceis pra você, hã?
    Mas essa cena do encontro dos irmãos, eu gostaria de ter visto.
    Tão pequenos é já têm consciência da perda.
    E seu arremate foi um vaticínio certeiro: vão se proteger durante toda a vida.

    Valdeir Jr.

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  3. Luciana,

    Você tem sempre falado das "tiradas" do Rômulo, mas não havia mencionado esse acidente com ele.
    É... a gente fica mesmo muito preocupado com qualquer machucadinho da criança. E e o dele, que não foi bem um "machucadinho", ainda foi bem perto do olho!

    Espero que ele esteja bem agora.

    E irmãos são assim mesmo, às vezes brigam e brigam, mas numa hora mais séria, sempre são solidários e preocupados.

    Um beijo.
    Paulo.

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  4. Adorei o texto, Lu!
    Principalmente o "grand finale"...

    Cristine

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  5. É, filhote passa cada susto na gente, né?
    Te entendo perfeitamente... mas é tão bom
    também perceber que os irmãos se apóiam nas
    horas difíceis,apesar das diferenças. bjinho
    e força, que sempre é assim: tudo ao mesmo tempo agora.
    Isa

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  6. Ah, que amor esses dois... Diz pro Rômulo que a cicatriz vai ficar um charme. Ainda bem que tudo acabou bem! Beijos, Débora

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  7. Oi Luciana,

    Mais cedo ou mais tarde eu penso que todas as maes vão visitar o ER carregando seu pequeno Frankstein consigo. Eu já tive a minha visita, foi quando a Lina tinha 4 anos. Foi numa tarde nublada e fria de Fevereiro. Lina tinha acabado de chegar da escola e depois do snack eu disse para ela ir brincar no quarto enquanto eu lavava uma pequena louçaa na pia.
    De repente, um grito (eu conheco os gritos e choros da Lina). Na hora percebi que algo grave tinha acontecido. Corri para o quarto dela e lá estava ela chorando e com a mãozinha no meio das perninhas.

    Ela me explicou que havia caído em cima da perna da cadeirinha e que estava doendo "lá embaixo". Eu confesso que demorou um pouco para a minha ficha cair. A ideia me veio na cabeça: Deixa eu olhar a calcinha dela. Lá estava um pouquinho de sangue. Liguei para o pediatra e este morrendo de dó de mim falou: Voce vai ter que levá-la no emergency room - Sorry!

    Pego as minhas 2 filhinhas e com calma e tudo mais dou entrada na sala de espera do ER. Bem, ai vem a parte chata da história. A médica me informou que para examinar uma crianca no canal da vagina ela teria que ser posta para dormir e ser examinada por um pediatra cirurgião que estava ainda em outro hospital em Manhatam.
    Oh Boy! A me dei conta da seriedade do problema e comecei fazer mentalmente uma lista das coisas que ainda tinha que juntar antes da nossa viagem ao Brasil que ia ser exatamente no dia seguinte.
    Duas horas depois ou mais, o cirurgião chegou e me explicou o procedimento e lá vai Lina ser anestesiada, por roupinha de cirurgia e muito choro e muita paciencia e o inevitável: a separação. Desse ponto para cá, stop. Lininha aos prantos!
    Por sorte, nada se rompeu lá dentro, mas os músculos se alargaram devido ao impacto e ela não ia conseguir fazer xixi se estivesse em casa. Passamos a noite no hospital, eu sem uma calcinha para tomar um banho, mais mesmo assim tomei banho enquanto Lininha deitada na cama comfortável do hospital assistia desenho. Já eram mais de 10 horas da noite.
    A história continua, foi uma noite mal dormida, mais felizmente no dia seguinte depois que ela fez xixi ela foi "discharged" e eu fui terminar a minha lista de afazeres e tomar meu avião com destinho a São Paulo!

    É gostoso compartilhar histórias, né?

    Abração, Eve.

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  8. Mil beijos para o jovem Frankenstein! Eu por aqui, inversamente, estou cuidando de minha mãe, que fez cirurgia de catarata... a filha que vira mãe e a mãe que vira filha.

    Beijos

    Patty

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  9. Meu processo Frankenstein também foi nessa idade, onde meu brother estava lá prontamente para me ajudar.
    Bj,
    Platz

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  10. Você é fabulosa!!! Fazer um excelente texto e porque não dizer trágico-cômico com um acidente.

    Selma

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