A conspiração dos monges

“...Pois quando realmente se quer alguma coisa, o Universo conspira a seu favor...” diz o alquimista Paulo Coelho em nome de sua personagem Santiago. Santiago: o nome que quis dar ao meu filho primogênito. Mais tarde, a cruz de Santiago de Compostela tatuada no punho. Todo mundo pensa que é uma espada, mas não é. É cruz, é luz. Minha busca pela espiritualidade, pela completeza do ser.

Nessa conspiração do bem, sigo na trilha e me surpreendo a cada dia com os sinais. Acho que fazer 40 anos é mergulhar fundo na alma. Estou me sentindo mais próxima da iluminação. Não sou arrogante a ponto de achar que vou chegar lá tão fácil, mas percebo que tudo ao meu redor me coloca no caminho.

Veja só: acabo de receber um texto escrito pela monja Coen das mãos da amiga Débora. De novo ela, a monja carequinha, a pedir licença para falar comigo. Na semana passada foi em forma de livro. Cynthia, a superteacher de ioga, me emprestou "A Mulher nos Jardins de Buda". Leitura que está me fascinando... Mas, nesse texto que recebi por email, a monja escreve sobre a inteireza coração-mente-essência dos japoneses. Que espantam o mundo, nessa calamidade, com o estoicismo e resignação de um povo que bebe do Budismo há milênios.

Ontem estava no templo budista e as palavras do monge Sato falavam dessas coisas. Aliás, ele sempre repete que, no Oriente, não há divisão entre mente e coração. Tudo é kokoro ou Shin. Uno. Monge Sato conversou sobre paixões cármicas. “O que são paixões cármicas?”, perguntou o mestre à sua sanga (grupo, comunidade).

Alguns arriscaram a resposta em voz alta. Eu apenas pensei: é existir. Não está desassociado. Estava mais ou menos certa. As paixões cármicas são nossos medos, carências, mágoas, traumas, ressentimentos... Todos nós temos, é bem simples, mas o Budismo pede que não nos paralizemos, que não nos deixemos guiar por elas.

E aí eu volto à leitura do texto da monja Coen e ela escreve que o Japão, em face dessa tragédia inacreditável, mostra a disciplina, a paciência e a honra para o boquiaberto mundo, que esperava drama e dor espetaculares. Os japoneses não estão histéricos, não estão saqueando, não estão lamentando sua sorte em gritos de desespero. Os japoneses, afinal, não estão dando vazão às suas paixões cármicas, egóicas como apenas elas podem ser.

Isso é tão interessante, tão esclarecedor! Um discurso totalmente diferente daquele pregado pelo padre na missa do último domingo. Palavrório de uma nota só, voltado para a purgação infinita dos pecados individuais. Você é um pecador! Jesus morreu na cruz para lhe salvar! Você é isso, aquilo e aquilo outro! Só Deus pode redimir os seus pecados!

Ouvia aquele lenga, lenga surrado e me perguntava: alguém ainda acredita nessas “acusações e penitências”? Alguém ainda crê que estamos aqui para ajoelhar no coroço de milho e pedir perdão centas vezes, todo domingo, em nome do próprio umbigo, para conseguir, em troca, a vida eterna?

O discurso católico me parece cada dia mais vazio. Vazio de integridade, de coletividade. Sinto que a fala do padre nada tem a ver com a vida da coletividade que o está escutando. Não há uma preocupação holística. De debater a possibilidade de uma existência de bem-aventurança agora, entre as pessoas que estão ao nosso lado.

De repente, me pego pensando que a religião católica é individualista. Enquanto o budismo - ao menos o demonstrado pelos japoneses nesse momento-limite e o disseminado pelo monge Sato, é grupal e, sendo assim, promove uma orientação mais promissora para o bem da humanidade.

“Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para sair de si mesmas, de suas necessidades pessoais e se colocar a serviço e disposição do grupo, das outras pessoas, da natureza ilimitada?”

Reafirmando a Lei da Causalidade, podemos perceber como tudo está interligado e que, nós, humanos, não somos e jamais seremos capazes de salvar a Terra. O planeta tem seu próprio movimento e vida. Estamos na superfície, na casquinha mais fina. Os movimentos das placas tectônicas não têm a ver com sentimentos humanos, com divindades, vinganças ou castigos. O que podemos fazer é cuidar da pequena camada produtiva, da água, do solo e do ar que respiramos. E isso já é uma tarefa e tanto.

Aprendemos com o povo japonês que a solidariedade leva à ordem, que a paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à reconstrução".

Os argumentos da monja Coen fazem ou não fazem mais sentido para vocês do que o “Creio em Deus pai todo poderoso, criador do céu e da Terra”? A hierarquia verticalizada da Igreja Católica não congrega, não responsabiliza. Portanto, não mobiliza.

Não é que eu esteja me tornando budista. Talvez nunca me “torne” nada, além de ecumênica, graças a Deus. O meu compromisso é com a espiritualidade. E com a solidariedade. Entretanto, agora está mais do que claro para mim, os motivos pelos quais milhares de fiéis abandonam o catolicismo todos os dias. Poderia ser diferente?

Comentários

  1. Gosto muito da monja Coen, ela é super! E tem uma história e tanto. Concordo em gênero, número e guru (rs)... a igreja parece querer afastar seus fiéis (e consegue), ainda pregando um mundo ideal e paralelo ao que vivemos, agarrada a seus preceitos milenares e imutáveis, sabe-se lá em nome de quais interesses...(I'm sorry, católicos)

    Beijos,

    Patty

    ResponderExcluir
  2. "possibilidade de uma existência de bem-aventurança agora, entre as pessoas que estão ao nosso lado. "

    Tem igreja pra todos os tipos de gente.

    Igreja pra ficar rico, pra dançar ou pra se salvar.

    A religião é como uma lata de sardinha: algumas contém molho de tomate, outras azeite e outras ainda somente óleo. Todas apresentam a mesma sardinha, mas com gostos e sabores diferentes. Todas as religiões oferecem estilos de vida e conforto espiritual. De um jeito ou de outro, ao sabor do freguês.

    Gosto de todas as religiões, se pudesse frequentaria todas. :-)

    Adorei o fragmento do texto da monja Coen! Parabéns pelo blog tão sensível. :-)

    Saulo Cruz

    ResponderExcluir
  3. É, Loo querida, como estou aqui no Senado, não consigo comentar seu texto, mas a igreja católica não atualiza o discurso e só afasta os fiéis, sendo que ela diz no fundo o mesmo: nossos pecados são essas paixões que nos atrapalham de viver bem, os ressentimentos, as raivas, as mágoas, tudo isso que nos desvia do nosso alvo, nossa essência divina, e só Deus salva mesmo, o criador que está dentro da gente, esse que encontramos quando nos aquietamos, quando deixamos de procurar fora e deixamos de tentar ser e deixamos de procurar, e aí ele se manifesta. Enfim, as religiões dizem a mesma coisa, cada uma com suas palavras, as nomenclaturas são diferentes, mas a essência é a mesma: basta encontrarmos o amor, mas não sabemos amar, nem a nós nem aos outros, aí procuramos fórmulas, livros, ritos, caminhos, símbolos... Mas é isso mesmo, somos humanos e temos que ser humanos, passar por tudo isso na caminhada, um dia chegamos lá, seja lá onde for, e aí terá outro lá para chegarmos. Temos é que caminhar.
    Tomara que a gente consiga se encontrar.
    Um beijo grande.
    Má.

    ResponderExcluir
  4. Oi galerinha assídua,

    Muchas gracias pelos comentários.

    Entretanto ainda não sei se o discurso da Igreja Católica é, no fundo, igual aos outros. Estive toda a minha vida dentro da Igreja Católica e sempre ouvi mais do mesmo e esse mesmo sempre invoca mais uma penitência individual do que uma consciência coletiva.

    Ainda acho que os católicos estão ali não para se salvar como humanidade, mas como individuos. Enquanto outras filosofias, como o Budismo, enfatizam a necessidade de se salvar em conjunto. Mas isso é só uma impressão, um sentimento.

    Beijos,

    Lulupisces.

    ResponderExcluir
  5. Lu, como dizia um grande mestre "estamos vivendo uma segunda Idade Média" em valores, em princípios, dos quais não podemos tirar mais nada além de individualidades, interesses. Contudo, não estamos longe disso. É preciso que tenhamos referenciais fortes, mas humanos.
    A religião, hoje desvirtuada de seu significado, monopolizada, cheia de rótulos, não seria o meio pelo qual se espiritualiza alguém, mas o próprio indivíduo em sua busca natural e humana seja em caminhos tortuosos ou não...

    Excelente texto!

    ResponderExcluir
  6. Ih, interpreto de forma exatamente contrária. Tanto o budismo como as outras filosofias, inclusive a católica, partem do princípio de que só se salva a coletividade salvando a si mesmo. Aquela velha história de que ninguém muda o mundo, o que se muda é a si mesmo - isto é, quando se consegue fazer essa mudança, que já é gigantesca. Mas o fato é que essa é a mudança fundamental, mudar a si mesmo, encontrar Deus em si mesmo. O discurso essencial da igreja católica é esse, mas o discurso implantado, aquele que a igreja adotou na sua estruturação secular e que os padres aprenderam a utilizar nos sermões é o da culpa e da penitência, que é lógico que não funciona porque a culpa é um pecado, nos afasta da nossa essência gigantescamente. Mas os novos padres que estão partindo para a linha da renovação carismática já conseguem fazer outro tipo de discurso, que é o de que Deus nos ama no céu ou no inferno (nosso céu ou nosso inferno), e se ele nos ama assim, nós também podemos nos amar. É outra forma de dizer as mesmas coisas, porque no fundo somos nós que estamos trilhando nosso caminho e nós é que precisamos acreditar em tudo isso das formas que conhecemos (que precisamos dos rituais etc.). Deus, o espírito criador, não se importa como vamos chegar a ele proque ele sabe que vamos chegar, o movimento de retorno é inevitável, a tal da "Manvantara" oriental, uma respiração compelta do Criador, em cuja expiração ele nos cria, e na inspiração ele nos dissolve (voltamos para Ele).
    Mas sei lá, acho que só agora temos capacidade para entender outra coisa, então só agora podemos ouvir coisas diferentes.
    Bom, é muita filô e eu tô sem tempo, mas é bom dar uma paradinha nos raciocínios mundanos e lembrar das coisas do espírito por entre a matéria.
    Bejubeju.
    Má.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos