Livre para todos os públicos

O dia da “Êta vida besta” deveria ser instituído. Pelo menos uma vez por ano, sem nenhuma conotação pejorativa e para o bem das almas viventes, principalmente daquelas vítimas da pressa e inquietude destrutivas das cidades verticais e engarrafadas.

Para os paulistanos, então, deveria haver uns dez dias de “Êta vida besta” por ano. E salve Drummond, que só ele pode escrever uma constatação dessas sem ofender o povo interiorano desse Brasilzão.

Pois é, eu fui atrás da minha vida besta, daquela que eu preciso porque sou mameluca, metade índia, bicho-do-mato. Pessoa que se perde em contemplação e acredita que nada é melhor do que não fazer nada, além de sentar na cadeira de macarrão e ficar vendo a placidez dos dias quentes da cidadezinha dos bisavós, avós, tios e primos passar em desfile escaldante.

Sexta-feira da Paixão. Uns vão para a longa e compenetrada missa. Crianças se esbaldam no chafariz da pequena praça. Sol a pino. Motocas ferem o silêncio aqui e acolá enquanto a primaiada se regala na sombra, matando saudades, porém de butuca na movimentação alheia, pois em cidade do interior isso é de lei.

Inhumas-Goiás. A gente leva tempo para voltar, mas a cidade permanece familiarmente semelhante. Preservada do caos que emerge logo ali, em Goiânia. Nessas cidadezinhas de interior, genéricas em todo o Brasil, a gente pode tocar no tempo. Ele nos espera. Ele não é nosso inimigo.

A gente come à beça e se refestela em preguiça de Garfield, virando os olhinhos. A avó dos primos mora na casa ao lado, que tem buraco na grade para passar quitutes de apaziguar estômagos saudosos de pamonha, bolinho de polvilho frito, sopa de fubá e tantos quibebes...

A outra tia mostra com orgulho as mais novas colchas de retalho que fez, agora utilizando pedaços combinados de malha. A bisa da Ana Luísa apresenta seus bicos de crochê para as toalhas felpudas. Deu vontade de ter uma sala de banho daquelas de antigamente, com banheiro do tamanho de quarto. Noventa anos e mãos ágeis para criar peças de delicadeza extrema. O coração encontra o singelo existir...

Na casa da tia Ambrosina (nome aposentado das certidões de nascimento atuais, o que dá um charme sépia à tarde), a gente aprecia a canjica, tradição da Semana Santa e maria-mole!!! da infância. Na da tia Divina, tem caqui, mudas de capim-santo e sorvete. E da visita ao interior da gente saio uns cinco quilos mais roliça e uns 300 anos mais amena.

Experimente você também um dia de “Êta vida besta”. Não tem contraindicação!



Comentários

  1. Lu,prima querida!
    Fiquei super feliz com suas palavras.
    Obrigada por registrar aqui,um dia maravilhoso
    que passamos juntas.
    Estarei sempre aqui de braços abertos esperando por voces.
    Beijos,fraternos,carinhosos...
    Djelaine.

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  2. "Nessas cidadezinhas de interior, genéricas em todo o Brasil, a gente pode tocar no tempo. Ele nos espera. Ele não é nosso inimigo."
    Lu, isso é lindo. O tempo, aquele pelo qual corremos inutilmente, aqui se põe a disposição, senhor do tempo, do tempo bom, daquilo que fz bem a alma. Beijos.
    Paula, hoje vivendo nessa generosidade do tempo no interior de São Paulo, na casa onde nasci, Batatais.

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  3. É sempre bom um olhar forasteiro pra nos lembrar de como somos privilegiados e não notamos.

    Beijos.
    E obrigado pela delicadeza,

    Valdeir Jr.

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  4. Olá prima, Tudo bem?


    Só hoje é que li o seu texto no blog.. (o PC aqui de casa estava com mau contato). Fiquei maravilhada com as suas palavras e orgulhosa de ter uma prima tão inteligente que escreve com tamanha inspiração...Me sinto feliz por ter feito parte dessa inspiração que se transformou em arte nas suas mãos...

    Aquele abraço,
    Bjos,

    Jôsy

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