Transeuntes




A calçada ali na frente é um recorte colorido e barulhento da cidade. Microcosmo em atividade quase incessante. Breves pausas noturnas, entre as horas mais quentes. No mais, pulsa o ritmo da rotina em passos esportivos, de scarpins, chinelos. 

Rodas da bike transportam ganha-pão ou só diversão.

Lamento de bebês nos carrinhos vigiados por pais zelosos, babás cansadas; pais cansados, babás jovens.
Há os que caminham sozinhos, o grupo de amigos, casais hetero e homo. Duplas femininas e masculinas. Sombras e sóis, chuvas e saruês.

Vai e vem de velhos, de moradores de rua, de transeuntes perdidos de si mesmos.

Alguns ouvem música, uns ouvem os pássaros. O ruído dos carros e das motos é constante, assim como dos latidos dos cães de variados tipos e tamanhos.

Há noites invadidas pelo ressoar de cascos no concreto. Algazarra infantil dos dias de abril tem também.
Às vezes passa o maluco da quadra a gritar impropérios. Noutras tardes, o clarinetista de Pã.

Sirenes de ambulâncias e da polícia podem ser reais ou apenas o modo distópico de chamar a atenção para o amolador de facas.

O vendedor de pamonhas prefere usar o próprio gogó para aguçar a clientela.

Quando venta, as árvores vergam e as folhas tomam o calçamento. Se tudo o mais silenciar, pode-se escutar o farfalhar sub-reptício no tapete vegetal.

A calçada é trajeto, caminho, encontro: partida e chegada.

Gargalhadas altas, discussões pesadas, sussurros, abraços e beijos. A intensidade da vida transborda no percorrer de poucos metros.

Do ponto A ao ponto B tudo pode acontecer. Rito de passagem.

Comentários

  1. Muito lindo, viajei até aí.

    Renata Assumpção

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  2. Adoro passear numa calçada, ainda mais depois de ler um texto assim!

    Maria Félix Fontele

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  3. Lindo texto, Lu. Como sempre. bjo,

    Hylda Cavalcanti

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  4. Você tem mesmo me deixado suspirante... Adorei.

    Clarice Veras

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  5. Lu, bom diaaaaaa!!!! Mais um dos seus maravilhosos textos. Viajei e me deu vontade de acompanhar essa cidade "normal"!!!!! Pelo menos sai um pouquinho dessa clausura da pandemia recheada de problemas de inventário!!! Mais uma vez só tenho a agradecer!

    Da sua fã número 1: Anna Gabis

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  6. Uau que barato!!!!realmente quanta coisa acontece numa calçada...

    Cynthia Chayb

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  7. Li esse texto no FB, maravilhoso! Você está escrevendo cada vez melhor, e olha que já era boa! Essa última frase fechou muito lindamente.

    Marisa Reis

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  8. Muito bom texto. Amo.

    Karla Liparizzi

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  9. Que artista você é, Lu.
    Amei esse texto.

    Nana

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  10. Um pequeno passeio, com uma grande riqueza de eventos observados. Que legal!

    Paulo Magno

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  11. Adorei, querida irmã!
    Por um momento, me botei, me transpotei para essa calçada, a observar o movimento. De pessoas, bichos, natureza e o infindar de sons, cores, formas, odores...
    Diversidade de sensações, toda sorte de percepção à flor da pele e no mergulho da alma...
    Passaria horas à fio, sem perceber, observando...mirante de vida que tbm vira luz para dentro de si mesmo...
    Bjs irmã querida!
    Ajudou a me afastar um.pouco, do escuro e amargo labor desse infindável inventário...
    Pausas para respirar, alimentar a alma...
    Arreh!!!

    Marilena Holanda

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  12. Amei. Quantos segredos deve ter essa calçada...

    Roberta

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  13. que bela crônica! uma sensação de estar instalado com uma câmera na mão... Aliás, um dos meus ideais de vida é me instalar numa janela ampla e móvel e observar a vida pulsante.

    André Ricardo Aguiar

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  14. Relatos de uma brasiliense "asa-sulense".

    Márcia Romão

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