Namoradeira
Ando com um delay de datas, como se já não me importasse em ser precisa, em demarcar o tempo de calendário. Distingo claro e escuro, lua e sol, sete horas de trabalho e as demais de pouco sossego.
Mas conto os minutos para ver a chuva de novo. Todo ano a resistência e a resiliência do existir calango-candango no pó de quatro meses sem uma gota do céu. Água, só das lágrimas.
Soube que foi celebrado o dia do cerrado dia desses. Taí, não se ama o cerrado do dia para a noite. Ao menos não foi assim comigo. Precisei curtir o afeto em barril de baru, pequi e gueroba por secas e por trovoadas, secas e trovoadas até que fosse capaz de entender tamanho sofrimento do homem e das árvores contorcionistas. Braços-galhos a suplicar pela compreensão de tão dramática e tortuosa trajetória-convivência.
De alguns verões para cá, passei a enxergar beleza contida na feiúra. Porque amar a florada do ipê não é digno de nota. Reparar no carmim da calliandra é de lei.
Evoluí ao verso de Adélia Prado: "quero amor feinho". Admirar o urubu além do carcará. Simpatizar com o pé de lobeira como se cai de joelhos pelo chuveirinho.
Louvar a casca grossa e ressecada tal qual se valoriza o craquelê produzido pela inclemência do tempo numa pintura renascentista.
O cerrado penetra nos poros em forma de poeira vermelha. Ano após ano, se acumula na alma. Quando se dá conta, você é a namoradeira de barro à janela, com pensamento longe, apaixonada no cajuzinho azedo dos campos sujos, no sangue de Cristo que se apanha na grota na época da Semana Santa.
Excelente Lu. Esperando os textos em podcast. LuPodcast.
ResponderExcluirQue lindo, Lu!
ResponderExcluirBela declaração de amor ao cerrado, Luciana!
ResponderExcluirQue lindo, Lu!
ResponderExcluirMaria de Fátima Venceslau
Eu amei esse texto candango-calango. Super me identifiquei, não sei por quê. :).
ResponderExcluirMarisa Reis
Texto muito foda, adorei!
ResponderExcluirAndré Luiz Alvez
Ameeeeeiii. Cerrado é amor feinho!
ResponderExcluirMônica Ramos Emery
Lindo!
ResponderExcluirCecília Pereira
Lindo o texto, acho que o país todo está virando um cerrado. Que secura.
ResponderExcluirRenata Assumpção
Muitas verdades nas suas palavras, Lu.
ResponderExcluirLeila Brandão
Estou desse jeito.
ResponderExcluirCatarina França
O cerrado é lindo! É forte! É guerreiro... E incompreendido.
ResponderExcluirTem características próprias... Oásis e belezas ocultas... Tem muita personalidade!!!
Que lindo texto, Lu. Vou aproveitar agora e cultivar uma nova vibe. Poder me deliciar mais nos seus textos. “Quero um amor feinho. Admirar o urubu além do carcará. Simpatizar com o pé de lobeira como se cai de joelhos pelo chuveirinho”. Muito lindo!
ResponderExcluirCatarina França
Bom dia ��linda semana , lindo texto!!! A propósito, já selecionou os textos e as poesias com as mais belas fotografias que vc tira , para o segundo livro pós pandemia?
ResponderExcluirCynthia Chayb
Que lindo! Amei! E amo o cerrado tb!
ResponderExcluirRoberta
Sim!!! Quem ama o feio, bonita lhe parece. Diz meu pai. E o que é exatamente feio, né?
ResponderExcluirAna Cristina de Aguiar
Suspirei...
ResponderExcluirEu sabia o amor feinho de cor, até já declamei bêbada. Rsrsrs.
Clarice Veras
Falou da caliandra... É comum por aí? Conheci há pouco tempo, achei linda e com nome de menina.
ResponderExcluirAndreya