A Gilead da Bolsonaroland
Assuntos, roupas, séries, comidas e lugares da moda não me dizem nada. Antes, torcia o nariz inclusive para os bestsellers, mas agora sei que alguns são bons e, por isso, venderam milhões. Tenho a tendência de querer o extraordinário, o original. E sou pedante como Nelson Rodrigues, que cunhou a frase que lhe tornou pop nas timelines em tempo de eleições: “toda unanimidade é burra”.
Acho que faz parte da minha natureza lutar para manter uma parte indomada em mim, não seguir com a manada. Não me filio a algum bloco, partido ou grupo ideológico-religioso. Sempre fui da pipoca. Guetos e janelas hermeticamente lacradas me dão medo. Por isso também me identifico com outra citação brilhante: “Não me interesso por nenhum clube que me aceite como sócio”. Groucho Max, seu lindo.
Daí que eu não havia assistido à incensada, aclamada e premiada série “O Conto da Aia”. Primeiro, porque era paga e eu não tinha HBO. Depois, me deu aquela alergia e ojeriza que batem com esses lances que bombam e que todo o universo descoladinho e inteligentinho precisa estar por dentro.
Meu primo-irmão chegou a gravar a primeira e segunda temporadas num pen-drive pra mim, mas perdi a vontade. Eu perco mesmo. Sei lá, sou casmurra com a massificação de qualquer tema. A rotina realmente me entendia. Eis um motivo para não curtir as aulas de Kundalini Yoga. Repetir o mesmo movimento, mantra ou postura por dois, três minutos me deixa louca para fugir da prática.
Agora que a febre feminista da Aia passou, resolvi encarar a maratona. Outra distopia escrota que nos arrepia até os ossos. Mas com um detalhe mais sombrio e macabro: se parece tanto com os projetos de poder do nosso Brasil “sob os olhos dele”, ops, Deus acima de tudo. Dá angústia.
Vi o primeiro e o segundo episódios em sequência (raramente faço isso, sei esperar, ansiedade não é um dos meus defeitos). A série é boa pra caralho. Resultado: fiquei mais insone - se é que isso é possível. Comecei a processar tudo aquilo que estava acontecendo ali na ficção e que tem um paralelo indigesto com a situação brasileira. “As coisas não mudam do dia para a noite. Vão acontecendo aos poucos”. Uma parada tipo Black Mirror, saca?
Tenho a impressão de que uma galera se amarrou na proposta de uma vida reduzida a papéis impostos e votou no Bolsonaro. Algumas pessoas gostam dessa sensação de ter controle sobre tudo e todos, pois confundem repressão com proteção, segurança.
- Nós queremos fazer um mundo melhor.
- Melhor?
- Sim, mas isso não quer dizer que seja melhor para todos. Para alguns será pior.
Meu, é de embrulhar o estômago toda aquela insanidade religiosa baseada ipsis litteris nas palavras da Bíblia. Soa familiar?
Por outro lado, existe um certo alívio em estarmos vivendo o mais vil período da sociedade brasileira pós-ditadura agora, no século 21, com alguma experiência de democracia e instituições razoavelmente consolidadas. Creio que essa turma lunática que adoraria viver num eterno Handmaid’s Tale não vai conseguir o seu intento.
Nós vamos continuar urrando aqui nas redes, pressionando a Bolsonaroland a rever seus conceitos ultrajantes. Nós não iremos reelegê-los, combinado? E que eu continue a gostar de vermelho depois de chegar ao fim da saga da Elisabeth Moss arrasadora June.
Combinado. Essa temporada vai ser primeira e única.
ResponderExcluirEu maratonei esta série e a cada episódio reconhecia nos personagens um bolsominion com quem convivo. Como eu disse no post graças a Deus o Brasil tem dimensões continentais dificultando que nos tornemos uma Gilead.
ResponderExcluirLara Maria
Leia o livro! Acho que nunca vi nenhum filme ou série que conseguisse reproduzir o ritmo da leitura como O Conto da Aia.
ResponderExcluirPaulo Hargreaves
Até hoje sou pouco de série ...ainda estou em processo de "viciamento"
ResponderExcluirEssa foi uma que amei. Começo de série pra mim é sempre difícil...igual filme de comédia...tenho o maior "pré conceito" e durante o filme me acabo de rir e gostar. (raros é verdade, mas nao deixa de ser uma resistência).
A simbologia desse filme Lu tem TUDO a ver com o aclamado dia da mulher. Você com sua sensibilidade fez o "Shazam" ...continuar escrava no século sei lá o que!? O futuro não nos pertence afinal!? Somos pescadoras de ilusões....somos o satélite Lua...cujo o Sol não vive sem. Ô sina ! Ô karma! Às vezes bom...muitas vezes nem tanto.
Márcia Renault
Maravilhoso, Loo! Pena que não é fictício...
ResponderExcluirMarisa Reis
Me causou muitos mas muitos arrepios, me vi em alguns momentos, lindo brilhante, que sensibilidade, você se supera, Lú!
ResponderExcluirRenata Assumpção
E assim estamos caminhando...
ResponderExcluirGeysa Bigonha
Hoje que tive tempo para ler seu texto! Me representa, eu nasci em 76 e nesse ano no Brasil haviam cargos exclusivamente para homens e isso só acabou em 88, pouco mais de 30 anos, enfim não é mimimi, não é alarmismo é preciso manter os olhos abertos e a coragem para enfrentar essa trupe nefasta.
ResponderExcluirAnna Luiza
Luciana querida, neste mundo tudo tem seu preço. Você com seu lado indomável, exigente do criativo e artístico e, naturalmente alérgica à rotinas, paga o preço cobrado a pessoas inteligentes! Um abraço e tenha paciência com as trupes e manadas...
ResponderExcluirSocorro Melo
ResponderExcluirBom dia, Preciosa Luciana!
Arrasou na sua crônica!
Ontem fiquei no escritório até quase 22 horas e o motivo não foi apenas trabalho. Na frente do Teatro Municipal, no coração da Cinelândia, acontecia uma grande manifestação pelo dia das Mulheres e reivindicação sobre os assassinos de Marielle encabeçava todos os discursos. O meu escritórios fica no 20 andar, e da grande janela tudo se ver. E fiquei pensando tantas coisas... Deus do céu, como chegamos aqui?
Que danado deu nessa gente ( não a da manifestação, é claro ), como é possível tanto retrocesso depois de tudo que vivemos?
Talvez eu corra para ver essa série " O Conto da Aia".
E, sim, as coisas não mudam do dia para noite. Elas vão acontecendo aos poucos.
Mas que instante filha da puta é esse, em que a gente perde a mão e o caldo entorna?
No mais...
"Sou casmurro com a massificação de qualquer tema"
O melhor dos diagnóstico para Karla Melo Costa Coelho!
Menina, senti como se vc estivesse lendo a minha mente!!😱🤣🤣
ResponderExcluirA diferença entre nós é que ainda não me dispus a assistir a Handmaid's Tale. Sei do que se trata e sei que a ficção tá muito próxima da realidade pretendida pelas mentes bolsonazi...
Daí me dá um frio na barriga só de pensar. Saio batendo na madeira e dizendo "credoincruz" três vezes! Brrrrrr! Arrepio só de pensar que a ficção tantas vezes se torna realidade...
Mas tb sinto que há uma boa parte da população disposta e resistir aos "olavetes" e evitar o retorno à idade média e à teocracia.
Dia desses li uma frase assim: "Deus deve ser uma cara bom, mas tem andado em péssimas companhias..."
Acho que essa galera que se autodenomina cristão tem muito pouca intimidade com a ideia de "amai--vos uns aos outros". Mas o que dizer de uma turma que tem como guru um astrólogo que se auto intitula filósofo e que causa ânsias nas pessoas que de fato se dedicam à filosofia?
O tratamento que esse cara dá ao contraditório é o tão aclamado VTNC... Veja vc!
Mas vamos combinar de ficar com a esperança de que vamos nos fortalecer depois dessa tranqueira toda que foram as eleições de 2018. E oxalá possamos dar ainda mais valor a essa tal democracia.
Bj, Lu!
Francisnôra
Esse texto é quase 100% a minha cara: preguiça com opinião massificada, implicância com a mesmice e o susto que eu tomei quando li o livro - não via a série -, e reconheci os paralelos óbvios com este país miserável.
ResponderExcluirEstava fazendo o tal comentário e deu um pipoco no celular, daí fiquei com preguiça de refazer. De qualquer jeito, me lembro desta nossa aversão em comum e a veia feminista pululante...
Daniela Agostinho